Festival de Cannes 2025: Ceará participa do evento com atores na mostra principal e quatro curtas

Uma das maiores vitrines do cinema mundial, festival inicia nesta terça-feira (13) com nomes cearenses em diferentes produções, uma delas indicada a prêmio máximo

Robério Diógenes (à esquerda de Wagner Moura) é um dos cearenses que estará em Cannes; na foto, cena de 'O Agente Secreto'
Legenda: Robério Diógenes (à esquerda de Wagner Moura) é um dos cearenses que estará em Cannes; na foto, cena de 'O Agente Secreto'
Foto: Cinemaacopio

Até onde o cinema cearense pode chegar? A julgar pelo reconhecimento conquistado nos últimos anos, cada vez mais longe. Com início nesta terça-feira (13), a 78ª edição do Festival de Cannes reforça esse componente ao reunir na programação projetos e profissionais do Ceará, diante ou atrás das câmeras. Atores em filme da mostra principal e quatro curtas são destaque na Croisette e prometem alavancar ainda mais nosso talento.

Entre os destaques presentes no festival estão Robério Diógenes e Geane Albuquerque, que integram o elenco de “O Agente Secreto”, novo filme do pernambucano Kleber Mendonça Filho – indicado à Palma de Ouro, prêmio máximo do evento.

Na trama, situada em 1977, Marcelo (Wagner Moura) trabalha como professor especializado em tecnologia. Ele decide fugir do passado misterioso mudando de São Paulo para Recife. Ao chegar na capital pernambucana em plena semana do Carnaval, percebe que atraiu para si todo o caos do qual ele sempre quis fugir. Para piorar a situação, começa a ser espionado pelos vizinhos.

Momentos antes de embarcar para a França, Robério Diógenes contou ao Verso, em entrevista por telefone, as expectativas para o festival. O ator cearense, com experiência no teatro desde a década de 80 e trabalhos relevantes também na TV e no cinema – atuou, por exemplo, nos sucessos "Cine Holliúdy" (Halder Gomes) e "Greta" (Armando Praça) – destaca que o papel em "O Agente Secreto" é o mais importante em sua carreira até agora.

Para participar do novo filme de Mendonça Filho, filmado entre junho e julho do ano passado, o artista se inscreveu em uma chamada pública para atores nordestinos e foi selecionado após três testes. Ao ler o roteiro, o ator conta que ficou "muitíssimo feliz e impressionado" com o personagem que vive na trama.

Como o filme fará sua estreia mundial em Cannes, o ator evita dar detalhes sobre a trama, mas resume sua participação como "um personagem de destaque no filme". Ele também conta que contracenou com Wagner Moura diversas vezes e que a obra possui um "elenco maravilhoso". "É o meu melhor momento, artisticamente falando", celebra.

Filme 'O Agente Secreto' é protagonizado por Wagner Moura
Legenda: Filme 'O Agente Secreto' é protagonizado por Wagner Moura
Foto: Divulgação

Além do longa, Robério também atua em um dos curtas que fazem parte da mostra Quinzena de Cineastas, "A Vaqueira, a Dançarina e o Porco", de Stella Carneiro e Ary Zara. Animado com a participação "em dose dupla" no festival, o artista destaca que a edição de Cannes deste ano dá seguimento à valorização de talentos nordestinos do audiovisual, lembrando a participação de Motel Destino (Karim Aïnouz) na premiação principal no ano passado.

"O Ceará está num momento bacana porque tem muitos novos diretores, velhos diretores, toda a velha guarda... Está todo mundo aí produzindo, criando novas possibilidades, o mercado está se abrindo, e para nós, atores, isso é bom", comemora.

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Quem também participa do representante brasileiro na Palma de Ouro é a cearense Geane Albuquerque, que vive a personagem Elizângela na trama. Atriz com experiência no teatro desde a adolescência, Geane também estará em Cannes para celebrar o mais recente trabalho, o primeiro longa de sua carreira.

A artista conta que, quando recebeu um contato da produtora e diretora de elenco Carolina Martins, jamais imaginou que o projeto em questão era um filme de Kleber Mendonça Filho, que considera "um dos cineastas mais incríveis do Brasil".

Animada – e na correria entre provas de vestido – , a atriz destacou, em entrevista, a alegria em contracenar com Wagner Moura, "que sempre foi uma inspiração". A cena em questão aconteceu já no primeiro ensaio, lembra. "Este filme me deu muitos presentes enquanto atriz", celebra.

Geane Albuquerque fará sua estreia em longas no Festival de Cannes
Legenda: Geane Albuquerque fará sua estreia em longas no Festival de Cannes
Foto: Nayra Maria/Divulgação

"Ir a Cannes é uma celebração individual e coletiva. É uma celebração do meu percurso enquanto atriz, é a celebração da Geane de 13 anos iniciando suas aulas de teatro em Caucaia. Estou celebrando a oportunidade e a honra que tive de trabalhar com um dos maiores gênios do cinema nacional: Kleber Mendonça"
Gane Albuquerque
Atriz

Para Geane, a presença de talentos cearenses no evento põe em evidência não só a relevância do cinema cearense, mas também a importância de investimentos públicos no setor audiovisual. 

"Ter nossa produção sendo aplaudida e ovacionada expande nossa cultura. Esse movimento traçado por políticas públicas e gestões impacta de modo grandioso e traz cada vez mais investimento para nossas produções. Um estímulo a pesquisa, a realização, e difusão do cinema cearense para o Brasil e para o mundo. O festival vai poder ser uma janela dos nossos olhos cearenses", conclui.

Curtas filmados em Fortaleza serão exibidos no festival

Marcel, Luciana, Stella, Bernardo, Ary, Sharon, Wara e Sivan, cineastas que participaram da edição brasileira da Directors' Factory
Legenda: Marcel, Luciana, Stella, Bernardo, Ary, Sharon, Wara e Sivan, cineastas que participaram da edição brasileira da Directors' Factory 2025
Foto: Jamille Queiroz/Divulgação

Além do filme que conta com a participação de Robério e Geane, quatro curtas-metragens posicionam o Ceará no evento. Eles abrem a Quinzena de Cineastas nesta quarta-feira (14) e foram produzidos no projeto Directors’ Factory Ceará Brasil, patrocinado pelo Governo do Ceará por meio da Secretaria da Cultura, em parceria com a Quinzena. Veterano em Cannes, o cineasta Karim Aïnouz é padrinho da iniciativa, cujo mote é a formação profissional de jovens realizadores.

Os curtas são: “Fera do Mangue”, de Wara (Ceará) e Sivan Noam Shimon (Israel); “A Vaqueira, a Dançarina e o Porco”, de Stella Carneiro (Alagoas) e Ary Zara (Portugal); “Ponto Cego”, de Luciana Vieira (Ceará) e Marcel Beltrán (Cuba); e “Como ler o vento”, de Bernardo Ale Abinader (Amazonas) e Sharon Hakim (França).

Os filmes foram todos realizados em Fortaleza, envolvendo diretamente mais de 100 profissionais cearenses de audiovisual. Entre eles estão roteiristas, diretores, diretores de arte, produtores, fotógrafos, montadores, técnicos, motoristas, fornecedores, além de elenco.

Co-diretora de “Ponto Cego”, Luciana Vieira situa o orgulho de estar na França representando o Ceará. Aos 33 anos, a jovem cineasta diz que representar o Estado com curtas filmados em nossa paisagem confere dupla sensação: de que o Ceará e as pessoas dele são vistos; e de que somos um lugar criativamente potente, com profissionais à altura de qualquer cidade do Brasil e do mundo. 

“Assim que fomos selecionados como realizadores do programa La Factory já sabíamos que o curta teria uma exibição em Cannes de 2025. Na verdade, o processo de seleção se deu antes de o filme ser produzido. Ou seja, aumentou ainda mais o sentimento de responsabilidade de fazer um filme à altura do evento”, contextualiza.

Segundo ela, não há um “jeito” cearense de filmar, uma vez que somos muito realizadores e plurais na forma de se expressar. “Acho que cada diretor(a) tem por missão encontrar a própria voz dentro do mesmo espaço. E acredito que isso é extremamente rico em termos de cultura. Fortaleza, o litoral e o interior do Ceará podem ser lidos e vistos de muitas maneiras, cada uma revelando traços culturais diferentes e dando a ver nossa riqueza e complexidade”.

Não à toa, em “Ponto Cego”, ela quis ressaltar um certo aspecto industrial de Fortaleza, haja vista a cidade ser a ponta mais próxima da Europa e um ponto de apoio interessante para países da América Central e do Norte. As filmagens do curta aconteceram no porto de navios que fica dentro da cidade, a 15 minutos do Centro. 

“Muitas transações comerciais importantes para o Estado acontecem ali. Navios gigantescos, carregando containers, entram e saem do porto de Fortaleza todos os dias. Milhões de reais cruzam a cidade por meio da paisagem/universo que escolhemos retratar. Meu objetivo, em particular, era retratar uma Fortaleza que fugisse do estereótipo, que buscasse justamente um olhar autoral, único e novo para esse espaço”.

Ceará na vitrine 

'Ponto Cego' tem Luciana Vieira e Marcel Beltrán na direção e roteiro
Legenda: 'Ponto Cego' tem Luciana Vieira e Marcel Beltrán na direção e roteiro
Foto: Divulgação

Questionada sobre por que nosso cinema tem uma força tão grande, Luciana é direta: tem a ver com uma vontade política. São dois cursos de graduação – um deles público – e uma enormidade de cursos técnicos e profissionalizantes, todos vinculados ao poder público estadual ou municipal. Para a realizadora, o Estado tem atuado na formação de novos cineastas, melhorando a mão de obra e, como consequência, o resultado das produções. 

“Além disso, uma política com certa continuidade na oferta de editais tem nos permitido realizar esses projetos que começam a nascer nos estudos. Acho que nosso cinema tem uma força grande também porque é diferente. Como estamos distante do eixo econômico do país, nossa forma de produzir busca sempre soluções criativas para ultrapassar as limitações financeiras ou de acesso a recursos”.

Wara tem percepção semelhante. À frente do curta “Fera do Mangue” com a diretora isralense Sivan Noam Shimon, percebe que há muita gente em solo cearense produzindo fora de um centro conhecido, alcançando comunidades indígenas, periferias, quilombos e outros espaços. Isso tudo, reflete, revigora novos olhares e discursos de como fazer cinema, e influencia nesse nosso “jeito” próprio de filmar cearense, tão plural.

“O que busquei imprimir nesse curta foi tentar trazer uma história de fantasia. É meio que uma readaptação da mula sem cabeça. Procuramos trabalhar com a mitologia desse ser numa perspectiva mais originária. Para isso, conversamos com a pajé Nádia Pitaguary e com os irmãos dela, Alex e Francilene, para entender, sob o olhar deles, como eles entendiam essa atmosfera. Foi por aí que iniciamos os trabalhos”, detalha.

Importância das políticas públicas

Curta 'A Fera do Mangue' tem realização de Sivan Noam Shimon e Wara
Legenda: Curta 'A Fera do Mangue' tem realização de Sivan Noam Shimon e Wara
Foto: Divulgação

Diante do dedicado trabalho frente ao curso, Wara, não à toa, acredita que as políticas públicas são essenciais para a continuidade de passos feito esse. Conforme analisa, pensar na história do Ceará e do Brasil é dar-se conta de que é uma história de violência muito grande – colonial, a princípio, e por isso também de muita resistência. A junção desses dois elementos, pondera, traz narrativas muito intensas. 

“Tudo isso influencia de uma maneira muito boa para a gente continuar resistindo por meio da arte. Não à toa, é algo que precisamos insistir sempre para que melhore. A cultura é obrigatória. Ela não é um privilégio, mas um direito. Logo, sinto que as políticas públicas tiveram uma melhora dos últimos anos pra cá, o que é maravilhoso, mas temos que continuar insistindo para que tenha mais, para que possa beneficiar mais gente”.

A própria experiência no Director’s Factory reflete isso. Wara revela nunca ter trabalhado antes com uma equipe de filmagem tão bem paga, uma vez possuírem apoio financeiro muito bom. “Isso é ótimo porque é justo. Quando a gente tem um orçamento justo para fazer as produções, tudo se eleva”. Por outro lado, pontua questões importantes no que tange ao tema.

Sente, por exemplo, que o financiamento da Secult-CE também poderia ser voltado para arcar com viagens – uma vez que nem todas as pessoas da produção puderam estar na França para apresentar o curta. Wara sugere, assim, um edital de mobilidade para cinema, e que as políticas públicas sempre se revitalizem. “Elas existem, e que maravilha, mas é preciso pensar em como distribuir melhor”.

E conclui: “Estar no festival de Cannes é muito significativo para o Ceará porque temos muita coisa massa, diretoras e diretores realizando muito. Acho que se existisse um investimento decente para escolas e projetos de formação, tudo seria bem melhor. O Ceará precisa muito de formação para levar pra frente várias ideias e projetos. Espero que essa porta que se abra possa ajudar um pouco nesse sentido, do que a gente precisa no Estado para que essas histórias possam ser contadas. Essa é minha maior expectativa para o evento”.

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