Minha nova maternidade

Viramos pais dos nossos pais. Eles não me pediram nada, mas me ensinaram a ficar.

Escrito por
Mila Costa verso@svm.com.br
Legenda: Preferia ser filha, preferia ter os mesmos pais firmes, jovens, mas não é assim que tem sido. Lúcidos, saudáveis dentro das possibilidades, mas meio filhos.
Foto: Reprodução / Instagram

Tenho certeza que quando voltei a morar em Fortaleza, um dos motivos era minha nova maternidade.

Aqui não me refiro à de minhas filhas, mas a de meus pais. Eu sabia que teria que viver essa maternidade tardia, já percebia.

Viramos pais dos nossos pais. Preferia ser filha, preferia ter os mesmos pais firmes, jovens, mas não é assim que tem sido. Lúcidos, saudáveis dentro das possibilidades, mas meio filhos. E nós meio pais… e o faço. Eles não me pediram nada, mas me ensinaram a ficar.

Há quem considere pagamento de uma dívida de criação, eu jamais. Considero um ciclo.

Esse ciclo duro, de lembranças do que éramos: filha e pais, ciclo principalmente de amor.

Amor esse que é maior e mais verdadeiro justamente quando crescemos — e mais ainda quando viramos pais — e entendemos a dimensão desse amor, do sacrifício, do abrir mão, do que fizeram por nós. Parece que isso vem na hora que estamos — embora nunca o suficiente — preparados pra amar de volta. Jamais na mesma medida — custo a acreditar que os filhos são capazes de amar os pais como eles nos amam —, mas o mais perto que conseguimos chegar do amor sem medidas que como pais, dão por nós. Amor esse, ainda inteiro, mesmo que meio filhos.

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É difícil ver a mulher que me defendia dos colegas do colégio precisar de mim se eu sempre precisei dela. É difícil ver meu pai, que passava o dia todo na máquina de escrever, agora com a mão tremendo.

Suspeito que isso chega quando amadurecemos e a duras penas entendemos um pouco sobre o amor. Depois de alguns superficiais, outros duros de superar, o amor dos filhos, a tal da maturidade encontra a forma de lidarmos com essa nova paternidade.

Nunca será fácil, mas o fazemos porque agora entendemos.

Sobre meus pais, eles estão bem, exceto pelo fato de estarem envelhecendo. São mais filhos do que pais, que bom, de certa forma. Não somos pais de crianças que ensinaremos a andar, mas de pessoas que tem história, que já são. Não é romântico, é duro. E talvez preciso. Além de nos ensinar sobre amar, nos humaniza. E aí então, talvez, a gente descubra o quanto ainda somos filhos.

*Este texto reflete, exclusivamente, a opinião da autora