Pais e avós: como lidar com choques na criação dos filhos
Confira dicas para atravessar o desafio de educar entre gerações diferentes.
Os avós são, muitas vezes, o porto seguro da família. São guardiões de histórias, de memórias e de receitas que curam até o que a ciência não explica. Representam a continuidade, o elo entre o ontem e o hoje. Mas, quando o assunto é educação dos netos, nem sempre a conversa flui com tanta harmonia.
Eles nasceram em uma época em que “criança bem-educada” era a que obedecia, em que sentimentos não tinham tanto espaço e comportamento se resolvia “na conversa dura”. Hoje, porém, vivemos outro tempo, e é natural surgirem desencontros entre as formas antigas e as novas de educar.
É comum vermos esses conflitos entre avós e pais com muita frequência, na clínica infantil. Quando um neto é diagnosticado com TDAH, autismo, TOD ou outros transtornos, muitos avós reagem com desconfiança: “No meu tempo não tinha isso, era só dar limite.” Essa frase, embora venha da experiência, revela um choque de gerações.
A ciência avançou, e hoje compreendemos que o comportamento infantil é resultado de uma combinação complexa de fatores neurológicos, emocionais e ambientais, não apenas de educação.
O que antes era rotulado como “birra” pode, em alguns casos, ser dificuldade de autorregulação emocional, a capacidade da criança de lidar com frustrações, esperas e contrariedades.
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Hoje, sabemos que o comportamento é uma linguagem: quando uma criança grita, desafia ou se agita demais, muitas vezes está comunicando algo que ainda não consegue dizer. Essa habilidade é neurológica, se desenvolve com o tempo, sendo ensinada pelo vínculo e pelo exemplo.
A criança não nasce pronta para se controlar; ela aprende observando como os adultos fazem isso com ela e com o mundo.
Por outro lado, é preciso cautela para não transformar toda agitação em diagnóstico. Crianças continuam sendo crianças, são curiosas, inquietas e cheias de energia. Patologizar o que é natural do desenvolvimento pode tirar delas a liberdade de ser. Precisamos entender que a psicologia não vem para substituir o olhar afetivo dos
avós, mas para ampliá-lo, oferecendo compreensão e ferramentas que antes não existiam.
Dicas para os avós:
1. Evite comparações: dizer “meu filho não fazia isso” apenas distancia. Lembre-se que cada criança é única, com ritmos e necessidades diferentes.
2. Atualize o olhar: busque compreender os novos termos e diagnósticos. Peça para os pais ou profissionais explicarem o que significa o que o neto tem. Isso não tira sua autoridade, ao contrário, o ajuda a ajudá-los melhor e amplia sua sabedoria.
3. Ofereça vínculo, não solução: às vezes, o neto precisa só de acolhimento. Um colo de avó ou avô pode regular emoções mais do que qualquer técnica.
4. Cuidado com o excesso de permissividade: o amor dos avós é essencial, mas precisa caminhar junto com o respeito aos combinados dos pais. Não os desautorize. Dizer “aqui pode tudo” pode confundir a criança e gerar conflitos.
Dicas para os pais:
1. Expliquem com calma: quando os avós disserem que “isso é falta de limite”, não retruque, explique. Diga: “Mãe, pai, o médico explicou que o TDAH afeta a atenção e o controle dos impulsos. Estamos trabalhando isso.”
2. Incluam os avós nas orientações: levem-nos a uma sessão, a uma reunião escolar ou mostrem materiais explicativos. Quando eles entendem, apoiam bem melhor.
3. Respeitem o tempo deles: mudar o olhar de uma vida inteira não é fácil. Acolham a resistência com empatia.
4. Agradeçam a ajuda: sentir-se reconhecido faz a avó ou o avô querer participar com mais abertura e menos crítica.
A criação de uma criança é sempre um trabalho coletivo, e a intergeracionalidade é uma das maiores riquezas da família.
Os avós trazem a experiência e o afeto, os pais trazem o conhecimento e o diálogo. É nessa ponte entre experiência e atualização que o vínculo familiar se fortalece.
Os avós não precisam “pensar igual” aos filhos, mas precisam estar dispostos a compreender que o tempo mudou e que o afeto segue sendo a base de tudo. Quando ambos aprendem a se escutar, quem ganha é a criança, que cresce cercada por amor, limites e compreensão.
O ser humano amadurece quando se sente seguro de ser amado. E é nesse encontro entre o afeto e o limite que a criança encontra contorno e segurança para se desenvolver de forma saudável.
*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião da autora.