Ceará pode receber até R$ 30 milhões em investimentos com retomada de política audiovisual federal

Edital dos chamados "arranjos regionais" será destinado a estados e municípios das regiões Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sul e os estados de Minas Gerais e Espírito Santo

Escrito por
João Gabriel Tréz joao.gabriel@svm.com.br
Edital Arranjos Regionais do Audiovisual retoma política de descentralização de recursos pelas regiões brasileiras
Legenda: Edital Arranjos Regionais do Audiovisual retoma política de descentralização de recursos pelas regiões brasileiras
Foto: Marcello Films / Divulgação

Uma política pública federal que ajudou o cinema cearense a se fortalecer entre 2014 e 2018 está sendo retomada agora pelo Ministério da Cultura (MinC): são os chamados “arranjos regionais”, a partir dos quais os recursos investidos pelos estados em editais audiovisuais eram complementados com recursos do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA).

Com a política de cofinanciamento, por exemplo, as edições 11, 12 e 13 do Edital Ceará de Cinema e Vídeo, da Secretaria da Cultura do Ceará, foram reforçadas em mais de R$ 35,5 milhões, conforme dados da pasta. Com o lançamento do mais novo edital dos arranjos regionais, cada Unidade Federativa poderá acessar até R$ 30 milhões.

As inscrições para o novo edital Arranjos Regionais do Audiovisual estão abertas até o próximo dia 18 de agosto. Podem participar órgãos e entidades de cultura ligadas a Estados e Municípios (somente capitais ou cidades que acessaram recursos da política entre 2014 e 2018).

Veja também

Novos arranjos regionais

“O Edital Arranjos Regionais foi estruturado para fortalecer as cadeias produtivas do audiovisual em todas as regiões do país, priorizando os territórios historicamente menos atendidos”, explica a assessoria do MinC ao Verso.

O valor total de recursos na chamada pública é de R$ 300 milhões e, nela, o Rio de Janeiro e São Paulo não participam. O modelo atual dos arranjos prevê a seguinte divisão de destinação:

70%
para as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste;

30%
para a região Sul e os estados de Minas Gerais e Espírito Santo

Entre as principais diferenças entre o modelo anterior dos arranjos regionais e o novo, o ministério destaca “aprendizados” incorporados a partir da experiência pregressa. “Entre eles a necessidade de reforçar a contrapartida local e estimular o protagonismo das gestões estaduais e municipais na definição de projetos estratégicos”, exemplifica.

Outros aprimoramentos, elenca a pasta, incluem a ampliação do volume de recursos, a “delimitação mais clara de distribuição geográfica para equilibrar o desenvolvimento do setor no território nacional” e as regras para evitar concentração de investimentos em alguns estados ou cidades.

Expansão e visibilidade graças à descentralização

O complemento de investimentos próprios foi central para o desenvolvimento das políticas de fomento ao audiovisual, como no caso do cinema cearense. 

Quem depõe é Iris Sodré, produtora executiva da Gavulino Filmes, associada à CEAVI — Associação Cearense de Produtoras de Audiovisual Independente e à CONNE – Conexão Audiovisual Centro-Oeste, Norte, Nordeste, entidade formada por produtoras e profissionais de estados das regiões.

“O cinema cearense — assim como o de outras regiões da CONNE (Centro-Oeste, Norte e Nordeste) — experimentou um dos períodos mais significativos de expansão e visibilidade graças à política de descentralização dos investimentos do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA)”, partilha.

Veja também

Ainda que, como ressalta Iris, o movimento tenha sido “insuficiente para garantir uma verdadeira equidade, possibilitou que muitos produtores estreassem no mercado ou consolidassem suas empresas”.

Obstáculos como recursos ainda limitados seguiram, mas o momento foi de boa colheita: “Mostramos competência: obras cearenses foram premiadas em festivais, tiveram boa performance nas salas de cinema e alcançaram projeção nacional em canais públicos e privados”, lembra.

“No Ceará, a ausência histórica de uma política estadual ‘continuada’ de fomento foi parcialmente compensada, nesse período, por iniciativas como os arranjos regionais. Também conseguimos acessar chamadas públicas nacionais, o que resultou na produção das primeiras séries de TV do estado, fomentadas por editais federais da Ancine, do MinC e da EBC”
Iris Sodré
produtora executiva

Retomada reacende esperança

O tempo de bons ventos, porém, começou a ser abalado com esvaziamentos de instâncias como a Agência Nacional do Cinema (Ancine) já a partir de 2016, em meio ao governo Temer — que chegou a extinguir o MinC à época e voltou atrás — e depois com o governo Bolsonaro.

A interrupção em si da política dos arranjos regionais, segue Iris, “teve efeitos imediatos e profundos”. 

“Isso resultou em uma nova estagnação da cadeia produtiva fora do eixo, acentuando desigualdades e interrompendo trajetórias de empresas que estavam justamente alcançando maturidade”, relembra. A retomada, afirma, “reacende a esperança de um modelo de fomento mais próximo das realidades regionais”.

“Esperamos que as secretarias estaduais e municipais assumam esse compromisso e se mobilizem para captar e executar parte desses recursos, fortalecendo as bases locais do audiovisual”, reforça a cearense.

Iris liga a volta dos arranjos regionais a outros movimentos recentes, como a implementação da Política Nacional Aldir Blanc (PNAB) e o próprio papel da esperada Ceará Filmes, projeto do Governo do Estado que deve ser concretizado em 2026.

“É um momento chave: temos estrutura, profissionais capacitados, diversidade narrativa e um público interessado. O que falta é continuidade, articulação política e sensibilidade institucional. Que este novo ciclo consiga, enfim, reconhecer o valor e a potência do cinema produzido a partir do Ceará”, sustenta.

Política se soma à boa fase da produção audiovisual brasileira

A expectativa com a volta dos arranjos regionais é positiva também para os próprios entes públicos. Ao Verso, a Secretaria da Cultura do Ceará definiu a retomada como “uma importante estratégia para o fortalecimento e desenvolvimento da cadeia produtiva do audiovisual cearense”.

Isso não só por conta da descentralização de recursos federais, mas “também da pactuação de divisão de responsabilidades entre Governo Federal e os Governos Estaduais e Municipais”.

Segundo a pasta, a política assegura “a descentralização dos investimentos da Agência Nacional do Cinema para o fortalecimento da Indústria do Audiovisual” e eixos da Política Nacional de Audiovisual, além de também fortalecer eixos previstos no Programa Ceará Filmes.

O próprio Ministério também reconhece que a volta dos arranjos regionais se soma a um cenário já positivo para a produção brasileira — dos prêmios internacionais como o Oscar e os festivais de Berlim e Cannes a políticas como a cota de tela e a promessa de uma futura plataforma de streaming do Governo Federal.

“O investimento regionalizado permitirá a diversificação das narrativas e o fortalecimento de talentos locais, contribuindo para a consolidação de um ecossistema audiovisual robusto e competitivo”, aponta o MinC.

“Tudo isso garante que o impacto da política não se limite ao eixo Rio-São Paulo, mas promova um desenvolvimento nacional equilibrado, capaz de sustentar a boa fase do cinema brasileiro por muitos anos”, antevê a pasta.

Este conteúdo é útil para você?
Assuntos Relacionados