Salas populares, circulação e mais: como a Ceará Filmes pode contribuir com o setor audiovisual
Consultor de implementação da Ceará Filmes, projeto do Governo do Estado para desenvolver o audiovisual cearense, destaca próximos passos da concretização da entidade
Demandas e prioridades da classe audiovisual cearense serão protagonistas nesta semana do processo de concretização da Ceará Filmes, projeto do Governo do Estado dedicado ao desenvolvimento do setor que, como adiantou a coluna, deve tramitar em 2025 e ser implantado em 2026.
Um passo crucial e anterior, no entanto, ocorre nesta segunda (18) e terça (19). Nas datas, a Secretaria da Cultura do Ceará irá realizar o Seminário Ceará Filmes, que propõe ser um momento de escuta e construção de bases e diretrizes para a estruturação da entidade.
Veja também
O evento, cujas inscrições foram encerradas na semana passada, ocorre na Escola Porto Iracema das Artes e no Museu da Imagem e do Som. O processo para a concretização da Ceará Filmes já vem ocorrendo desde o início deste ano.
Grupos de trabalho foram instaurados e uma consultoria de implantação foi contratada. O responsável por ela é Alfredo Manevy, pesquisador em políticas culturais, professor e ex-secretário executivo do Ministério da Cultura entre 2008 e 2010.
O especialista coordenou a implantação da Spcine — tendo sido presidente da entidade — e acompanhou o processo da Bahia Filmes, ambas empresas públicas que podem servir como referências à experiência cearense.
Modelos possíveis — agência ou empresa pública — para a instituição, próximas etapas da concretização dela, importância da participação social e impactos da instauração da Ceará Filmes para diferentes segmentos do audiovisual além da produção são alguns dos pontos destrinchados pelo especialista em entrevista à coluna.
Quais os critérios que ajudam a definir a escolha do modelo da entidade, se empresa pública ou agência? Quais as distinções conceituais e práticas entre as duas?
Alfredo Manevy - A escolha a ser feita pela Secult diz respeito fundamentalmente à finalidade e política da instituição. Por isso está sendo feito uma escuta com o setor, para entender e construir antes qual é o diagnóstico do qual se parte e, portanto, qual a agenda da nova organização. A depender da agenda, das necessidades e objetivos, o modelo de empresa pode fazer mais sentido, ou de agência. É o escopo da política que determina o modelo.
Pela realidade de iniciativas semelhantes que já existem pelo Brasil, qual mais se adequa? Para o Ceará, especificamente, o que pode pesar para um ou para o outro?
Alfredo Manevy - No Brasil, temos dois modelos em vigência: da Spcine e Riofilme, que são empresas, e temos modelos de agência para o turismo, por exemplo. No caso de São Paulo pesou na escolha a finalidade econômica, de estimular esta dimensão da atividade, e uma política baseada em resultados, e na capacidade de retorno dos investimentos. Isso não impede de atender também a objetivos sociais, como salas públicas de cinema, mas significa compreender que o setor gera emprego e renda, e isso é muito importante. No caso de agência, pesa mais a lógica de prestação de certos serviços pelo Estado, e menos a de investimento.
Veja também
O Seminário Ceará Filmes é um dos passos previstos para a concretização da entidade, processo já em curso desde os grupos de trabalho instaurados e o início da consultoria, por exemplo. Qual a situação atual desse processo e como esse momento de escuta deve ajudar a guiar os próximos passos e a escolha das prioridades da iniciativa?
Alfredo Manevy - A escuta e consolidação de um plano de diretrizes da futura instituição viabiliza o desenho da organização. A escuta tem algumas etapas: seminário, um GT com 30 dias para analisar o projeto inicial, e depois consulta pública, para que todos tenham oportunidade de participar, o que é uma preocupação da Secult. O passo seguinte é o desenho técnico do projeto e a tramitação dentro do poder executivo, por diversas secretarias. Para, no fim, o governo enviar um projeto de lei.
A Secult está agora fazendo essa escuta que é muito necessária e importante para ter um projeto sólido e alinhado com as expectativas e necessidades do setor.
De que formas, para além do olhar e da ação de fomento e apoio à produção, uma iniciativa como a Ceará Filmes também consegue auxiliar em aspectos cruciais para o desenvolvimento do audiovisual, como formação e distribuição?
Alfredo Manevy - Na distribuição e promoção do cinema, ela poderá ter um papel importante, criando melhores condições de filmes cearenses para circular no Brasil e no mundo. Hoje temos centenas de filmes produzidos no Brasil por ano com dificuldades de chegar à sociedade, seja em salas, seja via TV ou streaming. Na formação me parece que trata-se de ver quais os eventuais gargalos do mercado e, para tanto, ela pode atuar diretamente ou fortalecer o que já existe, apoiando ou parceirizando com as instituições que já fazem um excelente trabalho.
A partir das experiências de pensamento e concretização das empresas públicas Bahia Filmes e Spcine, que mudanças e resultados na cadeia audiovisual foram operadas e sentidas nesses locais e podem ser esperadas para o Ceará?
Alfredo Manevy - Na Spcine, por exemplo, houve um forte incremento das filmagens na cidade, com uma film commission muito eficiente. Também houve uma melhoria na posição do filme paulista, no mercado nacional e internacional. Outro passo importante foi a criação de salas populares nas periferias que hoje chegam a 2 milhões de bilhetes. Isso formou público jovem para o cinema e para o filme nacional. A Bahia Filmes ainda não foi constituída, está em tramitação avançada, e certamente poderá atuar em parceria com a Ceara Filmes em certos objetivos comuns. Podemos esperar uma política mais robusta para o audiovisual cearense, porque uma organização assim dará apoio especializado e terá informações precisas sobre a dinâmica econômica e social.