Projeto leva filmes cearenses a escolas públicas e prova que é possível aproximar cinema e educação
Lei federal prevê mínimo de duas horas mensais de produção nacional nas escolas de Educação Básica do País
É lei: as escolas da educação básica do Brasil devem exibir filmes nacionais por no mínimo duas horas por mês. Apesar da medida já ter mais de 10 anos, a aplicação prática do que prevê a Lei Federal nº 13.006, de 23 de junho de 2014, é envolta por desafios que vão do conhecimento da determinação por parte de profissionais da educação a questões estruturais.
A referida lei acrescenta ao texto da Lei nº 9.934, conhecida como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 1996, a seguinte determinação:
“A exibição de filmes de produção nacional constituirá componente curricular complementar integrado à proposta pedagógica da escola, sendo a sua exibição obrigatória por, no mínimo, 2 (duas) horas mensais”
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“Embora tenha essa lei, infelizmente muitas escolas não cumprem”, reconhece o professor Emerson Praciano. O docente é criador de uma iniciativa que comprova a potencialidade mútua da aproximação entre cinema e educação.
Criado há 12 anos, o projeto Cine Marvin — de difusão e produção de filmes por alunos de Ensino Médio de escolas públicas do Ceará — já atingiu mais de 2 mil estudantes — em maioria do Ensino Médio, apesar de ter experiências também no Ensino Fundamental e na Educação de Jovens e Adultos (EJA).
Atualmente, a iniciativa acontece em duas Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral do Estado: EEMTI José Alexandre, em Caucaia, e EEMTI Maria Margarida, no bairro Conjunto Esperança, em Fortaleza.
Projeto difunde e estimula produção audiovisual no Estado
Iniciado na Escola Estadual de Educação Profissional Marvin, no Pirambu, o projeto surgiu como apoio às aulas de filosofia de Emerson, graduado na área e também com formações em história e audiovisual.
“Sempre entendi que filosofia, história, podiam ser, além de teóricas, disciplinas práticas”, partilha o docente. A partir desse entendimento, ele passou a estimular a produção de filmes ligados a conteúdos das aulas por parte dos alunos.
“Produzindo, a gente foi percebendo a importância de assistir outros filmes, aí surge essa ideia: no lugar de exibir filmes de fora, vamos exibir os filmes cearenses”, segue Emerson. “Inicialmente, era nas aulas de filosofia e sociologia e até mesmo em intervalos de almoço”, explica.
Depois, com a instauração das disciplinas eletivas no Ensino Médio, a iniciativa se estendeu para aquelas ligadas ao cinema. No escopo da produção, Emerson computa mais de 50 curtas-metragens feitos pelos estudantes.
“A gente faz o debate a partir de alguns questionamentos que são falados antes da exibição, para que o aluno possa assistir ao filme a partir desse olhar. A gente olha o conteúdo, a temática e também a linguagem cinematográfica”, elenca.
Curtas e longas, ficções e documentários, muito da produção do Estado passou pelo projeto. Nomes ligados ao cinema em diferentes funções, como a atriz Karla Karenina, os cineastas Marilena Lima, Wolney Oliveira e Halder Gomes, já tiveram aproximação com o projeto.
Para novembro, há a previsão de presença do diretor Déo Cardoso, que estará disponível para conversar com os alunos após a exibição do longa “Cabeça de Nêgo” na escola.
A exibição de filmes, defende o professor, “não é exibir por exibir” ou “porque algum professor saiu”.
A prática ajuda na visibilidade da produção do Estado — “um filme cearense chama mais atenção, eles ficam mais atentos”, diz sobre os alunos — e auxilia no repasse de conteúdos — “um professor de humanas, para falar de um conceito às vezes abstrato, pode passar um filme para ajudar nesse entendimento”.
Cinema na escola, escola no cinema
Emerson, ressalta, ainda, a importância de aproximar os alunos dos espaços de cinema do Estado. “Todo ano a gente leva os alunos para o Cineteatro São Luiz e exibe os filmes produzidos nas escolas”, afirma.
Momentos do tipo já contaram, até, com pais e responsáveis no público, ressaltando que o potencial de iniciativas do tipo vai além somente dos estudantes.
O próximo evento ligado ao projeto ocorre em 19 de novembro, quando serão exibidos três filmes feitos por estudantes e um longa de comédia, “Filosofia de Boteco”, dirigido por ele
“A Secretaria (da Cultura) tem, principalmente através dos equipamentos, tanto o Cineteatro São Luiz como o Cinema do Dragão, relações com a rede de escolas (estaduais)”, dialoga Luisa Cela, titular da pasta no Estado.
Programas como Escola no Cinema e São Luiz Itinerante auxiliam a relação entre educação básica e cinema a partir de atividades de exibição e formação, destaca a secretária. Já Emerson informa que, entre os alunos que participam de sessões no equipamento, é comum que a grande maioria esteja pela primeira vez não somente no cineteatro, mas numa sala de cinema.
Luisa acrescenta, ainda, que o São Luiz também atua em outras frentes ligadas à educação. “Ele fez um trabalho importante também na consolidação de acervo de filmes que tem livre exibição e podem ser utilizados, para disponibilizar às escolas e também centros socioeducativos”, avança.
O que falta para fortalecer o cumprimento da lei?
“Falta a gente divulgar mais”, opina Emerson. Ao passo que destaca que “existem outras experiências em outras escolas em todo o Ceará”, ele também reconhece: “Entendo que, por falta de conhecimento, às vezes os professores não executam a lei”.
Além disso, o docente também lembra da importância do papel das instâncias do poder público.
“Nós conseguimos ajuda financeira para ter ônibus, mas há vezes que falta apoio para isso, para o aluno ter acesso e conhecer equipamentos culturais da cidade”, aponta.
A dificuldade é reconhecida pela secretária. “A gente tem escolas longe de Fortaleza que vêm (aos equipamentos), mas são minoria. A maioria é de Fortaleza ou região metropolitana”, aponta.
“A gente tem esse desafio tanto da necessidade de ter mais salas públicas de cinema, sejam municipais ou estaduais, como de garantir exibição dentro dos espaços das escolas”, avança a secretária. “As escolas estaduais têm boas estruturas, auditórios que têm condições de fazer”, completa.
Assegurar que as escolas “tenham condições de respeitar a legislação”, elenca Luisa, inclui “estrutura física, formação para os professores, construção de um acervo que possa ser utilizado”.
“A Secretaria da Cultura está sempre à disposição da Seduc (Secretaria da Educação) e das secretarias municipais para auxiliar nesse processo”, afirma a secretária, que ressalta também o papel central do Governo Federal nesse trabalho de aproximação.
“Tanto a cultura tem muito a ganhar, porque você vai garantir formação de plateia, quanto o aspecto de formação — quando você atravessa conteúdos com uma experiência audiovisual, isso acessa outros canais da pessoa, puxa outro tipo de reflexão”