De aluna a professora: violinista da periferia de Fortaleza incentiva crianças a lutar pelos sonhos
Thais Amâncio ingressou no Instituto de Música Jacques Klein aos 9 anos; hoje, aos 22, diz que a vivência com o violino ensinou que amor é, sobretudo, paciência

A gente não tem muita dimensão do mundo aos nove anos. Não dá para ver tão longe, a vista da inocência embaça certas coisas. Você olha para si mesmo e diz, “esta é a minha realidade”. Por isso mesmo, quando estimulada naquela idade a dizer o que queria ser quando crescer, Thais Amâncio não sabia ao certo. A resposta escapava, ficava no limbo.
Felizmente, como num lance certeiro do destino, ela deu um passo muito concreto naquele mesmo período: ingressou em um curso de música. Havia um lugar próximo de casa – no bairro Passaré – que despertou o interesse da mãe em fazer com que a primogênita realizasse o próprio sonho de infância da matriarca: aprender a tocar violino.
Trata-se do Instituto de Música Jacques Klein, cujo roteiro de atividades, para além das práticas esportivas, também reserva ensinamentos sobre instrumentos variados. O espaço foi fundado em 2012 com o objetivo de inspirar crianças e jovens a ir além das barreiras econômicas e sociais por meio de ações de cidadania, respeito, convivência e arte.
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Thais foi uma dessas que se inspiraram tanto a ponto de transbordar – não que os desafios tenham sido poucos no caminho, claro. “Pensei em desistir, principalmente na adolescência, quando tinha 16 ou 17 anos. Gostava muito de tocar violino, mas nesse período da vida você fica meio perdido, quer fazer várias coisas. Mas minha mãe insistiu”, conta.
Dona Íris, de fato, bateu o pé e não deixou que a filha arredasse presença daquilo que poderia fazê-la voar. Professores da instituição também lutaram para que a pequena continuasse, e o resultado foi além do esperado. Thais não somente persistiu na lida como tornou novas todas as coisas sobre si mesma. Começou a se enxergar mais dotada de habilidades.
“Sempre houve muito estudo de minha parte e esforço de outras pessoas para eu não desistir. Mas valeu a pena ter continuado. O violino é um instrumento bastante complexo. O maior desafio pra mim é saber que você vai estudá-lo para a vida inteira. Se você passa uma semana sem estudar, meu Deus, chega a próxima semana e já era”.
Não à toa, a rotina de idas ao Instituto mudou pouco a pouco. Inicialmente, ela ia apenas duas vezes por semana – logo, com menos tempo dedicado ao instrumento. Ao ser aprovada no teste para ingressar na orquestra da instituição, porém, passou a investir mais horas no trato com o violino. Aluna aplicada e merecedora do que o futuro escondia.
Porque, na sequência, foi convidada a mudar de status: passar de estudante a professora. Dividir com quem chega os saberes ocupantes das mãos, das partituras, do olhar que enxerga esperança. Não escondeu a surpresa. “Fiquei assustada diante da responsabilidade. Mas, a partir do acompanhamento de outros professores em sala de aula, consegui ficar melhor”.
Um nítido – e belíssimo – divisor de águas. Chegou até a alterar o modo como ela passou a se encarar como aluna. Percebeu melhor, por exemplo, como alguém é instigado a estudar; que ensinar pessoas pode ser tanto bonito quanto desafiador; e a importância do posicionamento adequado em determinadas situações por parte de quem assume uma sala de aula.
Pequenos fragmentos de vida que deseja cativar no peito: aprender, mergulhar e dividir, para nunca deixar de se lançar em águas mais profundas. Como quando, nesse mesmo movimento de conquistas enormes, foi convidada para tocar o primeiro solo com orquestra em dezembro de 2023 no palco histórico do Cineteatro São Luiz. Dia luminoso.
“Me sinto muito viva tocando com orquestra. Era um sonho meu. Sempre assistia aos solistas na TV e na internet – como eles se comportavam no palco e tal. Quando chegou minha vez, foi incrível. O Cineteatro estava lotado, a ansiedade queria tomar de conta, mas deu tudo certo”. Essa emoção, a propósito, integra os próximos sonhos que deseja realizar.
Ter cada vez mais afinidade com o violino, ocupar mais praças ao lado dele e motivar mais gente a embarcar na música são metas inadiáveis. “Acho que aqui em Fortaleza temos um potencial muito grande pra fazer melhor na área da educação musical – tanto no que diz respeito ao canto quanto à prática instrumental. Muitas crianças com certeza adorariam fazer aula de violão e de piano, por exemplo, e não têm acesso a isso”.
Quando assim fala, recorda dos primeiros passos e se emociona. O primeiro violino foi presente de Natal dos avós. Dos quatro que já teve, o que começou tudo foi aquele pequeno, compatível com a estatura de menina. Hoje, aos 22 anos, Thais consegue comprar os próprios instrumentos e se orgulha disso. É sinal de beleza, de avanço.
E, além dos alunos, leva mais gente junto. Os irmãos de sangue, Lara e Levi, seguem o mesmo rastro da artista – para alegria do Instituto Jacques Klein e total glória de dona Íris, mãe da trupe. A vida sorri quando mãos passeiam por cordas, vibram na frequência exata e conferem novo sentido ao que está ao redor.
“A vivência com o violino me ensinou que amor é paciência. Hoje tem dias que acordo e não estou a fim de estudar, acho que não vou conseguir tocar determinado trecho… Então preciso ter paciência pra perceber que, apesar de num momento as coisas não estarem saindo, no outro pode acontecer que sim. Olhar com calma os detalhes é importante”.
Do chão de casa, da escola, para os palcos do mundo, Thais Amâncio quer mesmo é se espalhar. Feito o som, propagar-se com ternura em vibrações mil. “A gente pode ir até onde a gente quiser”.
Esta é a história de amor de Thais Amâncio pelo violino e a música. Envie a sua também para diego.barbosa@svm.com.br. Qualquer que seja a história e o amor.