Drag emociona ao mostrar reação dos pais por vê-la montada: ‘Fazem questão de dizer que me amam’

Mais conhecido como Matchara, Matheus Oliveira conquistou a internet nas últimas semanas com vídeo no qual o amor mostra uma das facetas mais bonitas: a do acolhimento sem limites

Escrito por
Diego Barbosa diego.barbosa@svm.com.br
Legenda: Matheus Oliveira/Matchara junto à família: amor que abraça e acolhe
Foto: Arquivo pessoal

Era uma noite pacata quando Matheus Oliveira decidiu: “Vou me maquiar”. Abriu o estojo, afinou os pincéis, caprichou nas cores. Estava concentrado, tinha facilidade com o ofício. Terminado o trabalho, saiu do quarto para mostrar. Foi imediato: “Como é que tu faz isso, Matheus?”, o pai, boquiaberto, disse de um lado. “Linda, perfeita, meu amor”, a mãe, sorridente, disse do outro. E assim o carinho ganhou a internet nas últimas semanas.

A cena faz parte do vídeo compartilhado nas redes sociais pelo próprio Matheus em 21 de maio, no qual ele descreve: “Me montei em casa e essa foi a reação dos meus pais”. Na legenda, vai ainda mais longe: “Eu sou muito sortudo. Meus pais são tudo pra mim”. A emoção, claro, foi geral: mais de 1 milhão e 200 mil curtidas e milhares de comentários trataram de reforçar a ternura depositada ali, em cada segundo de vídeo e de vida.

Privilégio é realmente palavra oportuna para definir a trajetória pessoal deste morador do Demócrito Rocha. Nascido em Fortaleza, ele tem raízes no interior, especificamente de Trairi – município onde os pais nasceram, se conheceram e começaram a constituir família. Ambos com 71 anos hoje, Raimundo e Liduína exerceram, respectivamente, os ofícios de carteiro e professora. A labuta era dividida com a criação dos filhos, Monalisa e Matheus.

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Este último recorda o quanto foi desejado desde o início. Foi concebido 14 anos depois da irmã, portanto com possibilidade de uma gravidez de risco. Os parentes avisaram à mãe, “Liduína, não faça isso”.Ela não arrefecia: “Posso morrer, mas vou ter o meu filho”. Dito e feito. No mundo além do útero, Matheus foi contornado de amor aos montes. Sempre querido, viveu uma infância plena de sentidos, vivências e bem-querer.

Havia um silêncio interno, contudo. Algo que ele não dizia nem a si mesmo, sobre a própria sexualidade. Quem vê hoje o rosto super maquiado do artista, não imagina que, quando criança, ele sentia vergonha de tudo. A sorte é que, além de contar com um carinho desmedido dos pais, encontrou nos hobbies da irmã um refúgio. Monalisa sempre adorou maquiagem, e isso proporcionou a Matheus instantes preciosos. 

Foi ela quem um dia saltou do sofá e propôs a ele: “Vamos te maquiar?”. Lançou mão de pincéis, bases e iluminadores, e pintou o rosto do irmão. Incrementou até com uma peruca meio esquecida de dona Liduína. O resultado, nesse primeiro momento, não agradou a Matheus, que pensou: “Ela não pode fazer isso comigo, vai pegar mal pra mim”. O tempo, porém, é astuto. Encontra formas misteriosas de acontecer. Tudo mudaria depois.

Não sem antes alguns desafios. No mesmo dia dessa maquiagem desajeitada, mas muito divertida, Monalisa publicou as fotos do irmão pintado nas redes sociais, e a reação de algumas tias surpreendeu o menino. “Disseram que eu deveria apagar aquilo, que iam me tirar da lista das pessoas que elas amavam porque eu estava me expondo. Ligaram até pro meu pai, comentando. Ele e minha mãe nem ligaram”.

Na imagem, o artista Matchara com a família
Legenda: Matchara e família: aconchego sentido em todos os instantes da vida
Foto: Arquivo pessoal

Seu Raimundo, decerto, não tinha condições de ver nada estranho naquilo. Enquanto trabalhava nos Correios, participou do grupo folclórico Terra do Sol. Atuavam à parte, viajavam para outros Estados e, entre uma apresentação e outra, os integrantes – incluindo seu Raimundo – se maquiavam como processo artístico. A arte de decorar o rosto, portanto, era sinônimo de elevação da alma. Se Matheus seguisse por esse rumo, estava tudo certo.

A ideia continua firme, persistente até hoje. Após assumir a sexualidade aos pais e, durante a pandemia de Covid-19, por meio do podcast “Santíssima Trindade das Perucas”, começar a se maquiar de verdade, Matheus se tornou Matchara. O apelido foi dado a um antigo colega de trabalho e nunca mais o largou. Virou nome. “Todo mundo me conhece assim, acabou virando meu nome de drag também. É sozinho, forte, marcante e nada comum”.

Entre lives, apresentações de K-pop, presença na abertura de eventos e muita criatividade, o artista encontra na arte também uma forma de renda. Atua como personagem vivo em eventos, sem deixar de lado o ato milagroso, transgressor e poderoso da maquiagem. Faz dela a seiva própria para continuar vivendo e sonhando.

Muito dessa força vem do aconchego do núcleo familiar, dos amigos, parceiros de trabalho e do próprio companheiro de vida.

“Sempre tive plena consciência do privilégio de ter os meus pais. Sempre. Então, os comentários tão amorosos no vídeo que viralizou não me causaram choque por achar ‘nossa, realmente sou privilegiado’. Na verdade, me fizeram valorizar ainda mais o que tenho”, celebra o filho, ao mesmo tempo que faz algo bonito: reacende a esperança em quem pertence à comunidade LGTB+ e não é acolhido dessa forma em casa.

Na imagem, os pais do artista Matchara, seu Raimundo e dona Liduína
Legenda: Das cores da vida para as cores no rosto, da infância à vida adulta: Matchara carrega amor dos pais para onde vai
Foto: Arquivo pessoal

"Pode ser que seus pais nunca aceitem quem você é. E isso pode abrir um buraco no coração, feridas que você vai levar para a vida toda. Caso isso aconteça – e eu espero que não – é muito comum que, nós, pessoas LGBT+, construamos outras famílias ao longo da vida para além da biológica. Acho muito importante ressignificar esse tipo de afeto para não carregarmos amargura dentro da gente, e isso ameaçar nosso futuro”.

Para o porvir, Matchara quer coisas muito simples. Já sonhou em ver neve no Canadá, já conjecturou ir para a Disney. São desejos que não morrem, mas parecem menores diante de um supremo: proporcionar uma vida confortável a si e aos pais por meio do trabalho com arte. Isso inclui, dentre outras coisas, a primeira viagem de avião de dona Liduína, dignidade para seu Raimundo aproveitar a aposentadoria, belezas, muitas belezas.

“Às vezes me pergunto se mereço tanto amor assim – da minha família, dos meus amigos, do meu namorado… Mas algo que gosto de saber é que, apesar de sempre ter contato com amor, ainda o valorizo. Não fiquei acostumado a ser amado. Pra mim, é importante a gente não normalizar as coisas em nossa vida – para o mal ou para o bem. Essa consciência nos ajuda a nunca deixar de valorizar o que importa”.

Então, da próxima vez que faltar amor por aí, não esquece daquele vídeo no qual nada fala mais alto que o bem-querer. É Matheus, Matchara, seu Raimundo, dona Liduína, tantos corações batendo e essa longa jornada de cuidado injetando no mundo segundinhos de doçura. Salvação pela coragem.

 

Esta é a história de amor de Matheus Oliveira/Matchara pelos pais, Raimundo e Liduína, e vice-versa. Envie a sua também para diego.barbosa@svm.com.br. Qualquer que seja a história e o amor

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