‘Fazer arte ao invés de ficar só na tela’: artista estimula pessoas a se reconectar com o desenho
Natural de Minas Gerais e residente em Fortaleza, Wagner Sales foi alfabetizado aos 15 anos, usou o desenho como forma de sobrevivência e hoje transfere o ofício para diferentes públicos

Só impressora faz desenho pronto. Gente que é gente rabisca, apaga, refaz. Realizamos movimentos assim desde muito pequenos e continuamos por, no mínimo, toda a vida. Moram artistas em nós. O sonho de Wagner Sales é fazer com que as pessoas, em qualquer período da existência, não esqueçam dessa máxima e a alimentem sempre.
Artista e professor natural de Itajubá, interior de Minas Gerais, e residente em Fortaleza, ele estimula diferentes públicos a se reconectar com o mundo por meio do desenho. Num universo cada vez mais mediado por telas, não é fácil esse retorno ao que geralmente pauta nossos primeiros contatos com a criatividade. Mas Wagner resiste.
“Precisamos de pessoas que façam arte ao invés de ficarem apenas na frente na tela de um celular ou de um computador. Acho que seria muito produtivo se todos fizessem assim”, defende enquanto desfila o pincel por uma superfície ou passa o lápis de cor por outra.
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Diariamente, ele acompanha, por meio de aulas particulares, crianças, adolescentes e até adultos ávidos por registrarem no papel aquilo que trazem no mais fundo da alma. Tem de tudo: representações realistas, de personagens de mangás, natureza-morta, anatomia, pose. São cinco anos de carreira que parecem 50, tamanha a extensão de possibilidades.
Abaixo, na publicação feita pelo próprio Wagner nas redes sociais, você vê os detalhes do trabalho desenvolvido por ele:
A história desse operário carinhoso das artes visuais revela verdades ainda maiores: a de que o desenho pode, inclusive, ser instrumento de sobrevivência. É para além da fonte de renda – algo, inclusive, conquistado por Wagner com o passar dos anos. Tem mais a ver com, de fato, depender dessa forma de arte e de comunicação para não sucumbir.
Entre 1994 e 1996, a mãe do artista notou dificuldades de aprendizagem no filho. A percepção fez com que ele frequentasse durante dois anos a Associação de Pais e Amigos Excepcionais (APAE) – organização sem fins lucrativos que age na defesa dos direitos e na promoção da inclusão social de pessoas com deficiência intelectual e/ou múltipla.
Quando, em 1998, a família mudou de endereço em busca de melhores condições, Wagner passou a estudar na Escola Especial, hoje Escola Novo Tempo. Foram quatro anos enfrentando desafios cognitivos, de absorção do conteúdo repassado em sala. Até que, nessa mesma escola, certo dia uma pessoa entrou munida de uma câmera de vídeo e perguntou aos alunos o que cada um queria para a instituição.
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Wagner, tão pequeno, não titubeou: “Quero que a escola deixe a gente expressar arte”. A fala revelou como o desenho era primordial para o menino, que aprendeu com o irmão as primeiras noções de simetria e proporção. E fez com que a percepção externa sobre ele gradualmente se transformasse. Passasse a considerar algo tão valioso.
“Desenhar foi minha válvula de escape para eu me entender e me aceitar. Aos poucos, comecei a perceber também que foi por onde passei a ser reconhecido. Na escola, eu era apenas ‘o garoto que desenha’. Mas depois tudo mudou”. Foi quando a vocação de Wagner despertou a atenção de uma jovem estudante de Educação Física.
Era Tatiana Zylberberg que, tempos depois, escreveu o livro “O menino que desenhava o invisível” e convidou Wagner para ilustrar a obra. A iniciativa abriu espaço para que tudo de bonito acontecesse na jornada do artista: a partir dali, aos 15 anos, ele se alfabetizou, passou a dar passos mais concretos na própria arte e se viu assinando cada vez mais trabalhos.
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Hoje, contabiliza, são mais de 40 pinturas realizadas, 150 projetos de ilustração – com alcance inclusive no exterior – e cerca de 30 desenhos realistas. Wagner gosta de pensar que muito dessa produção multifacetada tem a ver com talento, mas sobretudo com dedicação. Não à toa, encoraja os alunos a persistirem na arte, com esmero e entrega.
“Quando o primeiro livro que ilustrei foi publicado, dei o primeiro exemplar para a minha mãe. Ela estava muito emocionada, então falei, ‘mãe, é porque a senhora me deu muito lápis de cor, muitos cadernos de desenho, que hoje consegui ilustrar um livro’. Com meus alunos, tento equilibrar essa paixão”, explica, entre um suspiro e outro recordando dos fatos.
“Por mais que eu veja alguns erros, é importante não apagar do aluno a paixão por desenhar. Tento equilibrar: sei a hora de corrigir, e de olhar para a pessoa e entender que aquele é o momento dela e que, mais na frente, ela vai conseguir melhorar. Naquele instante, ela só não dá conta de fazer algumas coisas. É ser sensível ao percurso que o aluno está criando”.
É o que fundamenta a visão de Wagner sobre o amor. Para ele, é sentimento esperançoso, capaz de cultivar a vontade de estar entre o que enobrece o peito. Feito a pintura, o desenho, as cores, a arte. “O mais importante é que eu consiga tocar alguém por meio do que eu faço. Quando uma pessoa tem contato com uma obra de arte, acontece ali um encontro. Creio que é esse encontro que motiva o artista a continuar”.
Encontro que igualmente permite outros encontros. Wagner, por exemplo, nunca pensou que, outrora técnico em informática – motivado por um professor a ingressar na área – fosse um dia transformar a própria vocação em algo rentável e com possibilidade de mudar a vida de pessoas. Da mesma forma, jamais pensou que aquela curiosa estudante de Educação Física e autora do primeiro livro que ele ilustrou, Tatiana Zylberberg, fosse se tornar sua esposa.

“Porque a gente começou a namorar, mudei pra Fortaleza e aqui estou até hoje. Nossa amizade começou no extinto Orkut, depois foi para MSN, Facebook, Instagram, e sempre falamos de coisas profissionais. Até que resolvemos olhar pra essa parceria de longa data por um outro ângulo. Tatiana mudou minha vida. Se não fosse ela, nada seria possível”.
Wagner segue entre traços, linhas, formas e coloridos. Diante da tela em branco, inventa mundos possíveis. Aqueles em que todos podem apostar na vida ao também arriscar na beleza de criar.
*Esta é a história de amor de Wagner Sales pela pintura, o desenho e a vontade de compartilhar conhecimentos. Envie a sua também para diego.barbosa@svm.com.br. Qualquer que seja a história e o amor