Dia da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha é celebrado no Ceará; entenda importância da data

Dia 25 de julho é marcado por duas datas alusivas às lutas e conquistas de mulheres negras no mundo e no Brasil

Escrito por
João Gabriel Tréz joao.gabriel@svm.com.br
(Atualizado às 12:40)
Exposição na Casa do Barão de Camocim, com imagens como a da fotógrafa Flávia Almeida, compõe programação cultural em Fortaleza alusiva ao Dia da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha
Legenda: Exposição na Casa do Barão de Camocim, com imagens como a da fotógrafa Flávia Almeida, compõe programação cultural em Fortaleza alusiva ao Dia da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha
Foto: Flávia Almeida / Divulgação

A primeira foi estabelecida mundialmente em 1992, a segunda foi oficializada em contexto nacional em 2014, mas ambas se irmanam na intenção de celebração e visibilidade. Neste dia 25 de julho, são comemorados o Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha e Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra.

Em Fortaleza, equipamentos como a Casa do Barão de Camocim — ligada à Secretaria da Cultural da Capital — e a recém-inaugurada Galeria da Liberdade — vinculada ao Museu da Imagem e do Som (MIS), do Governo do Estado do Ceará — acolhem programações alusivas às datas nesta semana.

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Encontro de mulheres negras foi pontapé para criação da data

O marco fundante da data internacional foi um encontro de mulheres afro-latino-americanas e afro-caribenhas ocorrido em Santo Domingo, na República Dominicana. 

Zelma Madeira, secretária da Igualdade Racial do Ceará
Legenda: Zelma Madeira, secretária da Igualdade Racial do Ceará
Foto: Fabiane de Paula / SVM

“Esse encontro reuniu mulheres de diversos países para discutir as desigualdades tanto de gênero como as desigualdades e as vulnerabilidades de raça”, contextualiza Zelma Madeira, secretária da Igualdade Racial do Ceará, ao Verso.

“As questões ali debatidas eram acerca do racismo, do machismo, das desigualdades, dessas acumulações de desvantagens para nós, mulheres negras, na região”, segue.

Em diálogo, Ana Aline Furtado — primeira diretora da Casa do Barão de Camocim — ressalta que o momento de reunião nesse evento trouxe, também, mobilização. “As mulheres negras entendem que somente a partir de sua organização social e política e de base é que esta realidade pode ser transformada”, aponta.

Não (foi) só debater essas questões, mas apresentar proposituras. Quais ações poderiam ser feitas para combater essa gama de questões e de problemas que atingem esse grupo étnico-racial e de gênero?
Zelma Madeira
secretária da Igualdade Racial do Ceará

Como fruto do encontro, houve a criação da Rede de Mulheres Afro-latino-americanas e Afro-Caribenhas, encampando campanha em prol da criação da data com o apoio inclusive da Organização das Nações Unidas (ONU).

“A partir dessa mobilização dessas mulheres, iniciou-se um processo de reconhecimento internacional para que essa data virasse um dia que marcasse essa luta. A partir disso, era possível ter ali elementos de mobilização política e social”, segue Ana Aline.

25 de julho é também Dia de Tereza de Benguela e da Mulher Negra

“Nessa mesma linha, de demarcar a história da mulher negra, no Brasil foi instituído o Dia Nacional de Tereza de Benguela da Mulher Negra pela Lei 12.987 de 2014”, ensina Zelma.

O projeto de lei para a instauração da data foi proposta pela senadora Serys Slhessarenko (PT/MT) em fevereiro de 2009 e sancionado pela presidente Dilma Rousseff (PT) em junho do mesmo ano.

“Essa lei que institui esse dia nacional está diretamente ligada (ao Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha) porque é um reforço a uma pauta que liga muitas populações afrodiaspóricas, mas também negras espalhadas pelo mundo e todas as demandas com relação às lutas por direitos”, avança Ana Aline.

Quem foi Tereza de Benguela?

A diretora da Casa do Barão explica que a figura lembrada pela data nacional, Tereza de Benguela, foi uma liderança quilombola no século 18. 

Tereza de Benguela foi uma líder quilombola do século 18; não há imagens oficiais dela, que tem a imagem costumeiramente representada pela pintura 'Mullher negra sentada', de Félix Vallotton
Legenda: Tereza de Benguela foi uma líder quilombola do século 18; não há imagens oficiais dela, que tem a imagem costumeiramente representada pela pintura "Mullher negra sentada", de Félix Vallotton
Foto: Reprodução

A mulher, também conhecida como Rainha Tereza, governou o Quilombo do Quariterê, na região onde hoje é o estado do Mato Grosso.

“O que acontece é que a Tereza, após a morte do seu companheiro, que era uma das lideranças do movimento e que comandava aquela comunidade, assume o comando, organiza uma espécie de parlamento”, contextualiza.

Ana Aline Furtado é a primeira diretora da Casa do Barão de Camocim
Legenda: Ana Aline Furtado é a primeira diretora da Casa do Barão de Camocim
Foto: Divulgação/ICI

“Era um quilombo de grande importância no que diz respeito à produção, à resistência e também às investidas contra o sistema escravista. Essa mulher, por suas lutas por liberdade, se torna esse marco” segue.

A secretária Zelma ressalta, ainda, que a líder quilombola é figura de “grande referência” às mulheres negras “que resistem com inventividade”. “As nossas narrativas são negadas sistematicamente e por isso que a gente tem que demarcar em julho a força das mulheres negras, a resistência”

“Tereza de Benguela representa a força, inteligência, inventividade, criatividade e resistência de nós, mulheres negras, que ajudamos a edificar, construir essa grande nação Brasil”
Zelma Madeira
secretária da Igualdade Racial do Ceará

Reafirmação histórica

Seja na ordem simbólica ou prática, a instauração das duas datas e os eventos e programações alusivas a elas reforçam diferentes mensagens sobre as lutas e conquistas de mulheres negras no Brasil e no mundo.

“Essa data para nós é importante porque, além de visualizar as vulnerabilidades, também aponta potencialidades, resistências e como as mulheres negras latino-americanas e caribenhas têm feito o modo de vida, o modo de resistir, a inventividade em meio a tantas desigualdades”, sustenta Zelma.

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A secretária avalia a comemoração do dia e as atividades realizadas ao longo de todo o mês de julho como “um chamado para a sociedade entender os problemas que atingem diretamente essas mulheres” e uma forma de mostrar a necessidade de “oportunidades, políticas públicas e ações inclusivas”.

“É possível mudar e é por isso que essas mulheres estão em marcha. É por isso que nós, mulheres negras, tendemos a fazer as coisas com inventividade, mas precisamos ter a oportunidade de ter visibilidade positiva do que somos e do que podemos ainda construir nessa nação Brasil”
Zelma Madeira
secretária da Igualdade Racial do Ceará

Em diálogo, Ana Aline salienta que o debate advindo das datas vai “além da representação e da visibilidade”. É, como a gestora define, um ato “político” e de “reafirmação histórica” das lutas protagonizadas por mulheres negras.

“Para nós, o 25 de julho é para fazer lembrar, para fazer ver, mas principalmente para fazer escutar e para documentar nossos anseios, desejos, mas (também) as nossas lutas por direito, memória, justiça e verdade”, sustenta.

Programações para "repactuar" memórias

Além dos dois dias já citados do calendário oficial, o mês de julho também é marcado pela celebração do Dia da Mulher Africana, no dia 31. 

Em alusão à data, o Hub Porto Dragão acolhe em 1º de agosto, às 19h, o espetáculo musical “Ubuntu-Africa”, com a artista moçambicana Negra Moz.

Negra Moz apresenta musical 'Ubuntu-Africa' em 1º de agosto
Legenda: Negra Moz apresenta musical "Ubuntu-Africa" em 1º de agosto
Foto: Divulgação

Em ligação com as três datas, os próximos meses também serão marcados por movimentações prévias para a realização da 2ª Marcha Nacional das Mulheres Negras, em Brasília

O evento que irá ocorrer em novembro deste ano terá como tema “Mulheres negras em marcha por reparação e bem viver”. A previsão é de reunir 1 milhão de participantes.

“Tudo isso está diretamente conectado. Esse é um momento de luta e também de celebrar todas as nossas resistências e o fato de chegarmos até aqui pela tessitura do trabalho e das lutas por liberdade dessas mulheres negras”, ressalta Ana Aline.

Atividades culturais e solenidades referentes ao dia 25 de julho reforçam visibilidade e celebração de mulheres negras diversas
Legenda: Atividades culturais e solenidades referentes ao dia 25 de julho reforçam visibilidade e celebração de mulheres negras diversas
Foto: Ana Pinho / Divulgação

Na Casa do Barão de Camocim, a programação alusiva traz, nesta sexta (25), a abertura da exposição “Festa de negro é pra se libertar”, às 18h, que tem curadoria de Mayra Fernandes e Rodrigo Lopes. 

Nela, imagens de artistas como Ana Pinho, Flávia Almeida, Mayra Fernandes e Wallace Douglas evidenciam corpos e espiritualidades negras. A programação da Casa inclui oficina de gravura com Suellem Cosme na quinta (31), às 14h, voltada a pessoas negras.

A gestora ainda ressalta a importância de “pautar essa memória negra, essas negras histórias” em um equipamento como a própria Casa do Barão de Camocim.

Abertura da exposição “Festa de negro é pra se libertar”
Com a presença do pai de santo Giuliano Freitas, Feira Negra, além de apresentações musicais de DJs Negona, Viúva Negra e Molhadonas

  • Quando: sexta, 25, às 18h; em cartaz até 13 de setembro
  • Onde: Casa do Barão de Camocim (Rua Gen. Sampaio, 1632 – Centro)
  • Gratuito, aberto ao público e com classificação indicativa livre.
  • Mais informações: @casa.baraodecamocim

Oficina de Gravura “Akoma Ntoso”, com Suellem Cosme

  • Quando: quinta, 31, às 14h
  • Onde: Casa do Barão de Camocim (Rua Gen. Sampaio, 1632 – Centro)
  • Gratuito, com 10 vagas voltadas à pessoas negras e classificação indicativa livre
  • Inscrições e mais informações: @casa.baraodecamocim

Julho das Mulheres Negras

Roda de conversa “Mulheres Negras em Movimento”, com mediação de Cícera Barbosa e participação de Hilana Monteiro, Dediane Sousa, Dione Silva e Joelma Gentil + apresentação musical com Nega Lu

  • Quando: sexta, 25, de 15h às 19h30
  • Onde: MIS (av. Barão de Studart, 410, Meireles)
  • Gratuito, aberto ao público e com classificação indicativa livre.
  • Mais informações: @mis_ceara

6º Prêmio Tereza de Benguela – Homenagem à Luta e Resistência

  • Entregue para Lucineide Almeida, Veronica Neves, Valeria Neves, Dandara Albuquerque, Claudiana de Araújo, Aluizia de Oliveira, Kátia Rogeria, Margarida Marques e Mártir Silva
  • Quando: sexta, 25, às 18h
  • Onde: Adufc (av. da Universidade, 2346, Benfica)
  • Mais informações: @mnu.ceara

Gira de Terreiro com Terreiro Mestra Mãe Alexandrina 

Musical "Ubuntu-África" com Negra Moz

  • Quando: 1º de agosto, às 19h
  • Onde: Hub Cultural Porto Dragão (R. Bóris, 90 C - Centro, Fortaleza - CE)
  • Quanto: R$ 20 (inteira) e R$10 (meia); à venda na plataforma Sympla 
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