Com lançamento de livro infantil, Jarid Arraes destaca importância de histórias positivas e inclusivas para crianças
Livro 'Cordéis para crianças incríveis' foi lançado pela Companhia das Letrinhas no fim de 2024
Em mais uma demonstração de que ainda pretende explorar muitos caminhos na literatura, a escritora cearense Jarid Arraes fez sua estreia, no fim do ano passado, na literatura infantil. Com ilustrações de Veridiana Scarpelli, o livro “Cordéis para crianças incríveis” foi publicado pela Companhia das Letrinhas e reúne quatro histórias – uma delas inédita – destinadas a crianças de todas as idades.
Fazer com que o maior número de meninas e meninos se vejam no livro, aliás, foi um ponto fundamental para Jarid desde o início do projeto. A obra traz, como protagonistas dos cordéis, quatro meninas com diferentes perfis, sonhos e desafios – uma criança negra que embarca em uma jornada para aprender a amar o cabelo crespo; outra que deseja ser bailarina, mas precisa enfrentar a gordofobia; uma princesa angolana que passa por um momento de tristeza e encontra na amizade a chave para seguir; e uma menina que sofre um acidente e, com a ajuda de uma “cadeira mágica”, consegue voltar a se movimentar.
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Segundo Jarid, as histórias falam, sobretudo, “de autonomia, autoconfiança, amizade e comunidade”. A ideia da autora é que, a cada cordel, as crianças possam não só se sentir representadas, mas também identificar o protagonismo de outras crianças, entendendo a importância de respeitar – e admirar – as diferenças.
“Pensei com muito carinho e com muito cuidado sobre a aparência delas”, comentou Jarid. “Queria que elas fossem diferentes umas das outras; que tivesse não só uma personagem negra, mas uma personagem branca, uma personagem que se assemelhasse mais a uma aparência indígena e uma personagem que se assemelhasse mais a uma personagem asiática, do Leste Asiático”, pontua.
O cuidado vai além de uma preocupação meramente conceitual. Segundo Jarid, a ideia era publicar um livro que pudesse “chegar pronto” nas escolas para ser trabalhado junto às crianças, já que muitas de suas publicações costumam ser utilizadas na sala de aula. “E é isso que eu mais desejo mesmo, que esse livro faça diferença na vida das pessoas, na vida dos estudantes”, comenta.
O cordel tem essa característica maravilhosa de ser interdisciplinar. A gente pode usar o cordel numa aula de português, na aula de literatura. Entrando nos temas que eu tenho no cordel, dá para usar na aula de geografia, de história, dá para levar para muitas frentes, de muitas formas, e fazer com que as histórias se tornem muito mais atrativas.”
Não é a primeira vez que a autora, filha e neta de cordelistas, usa o cordel para ecoar mensagens de empoderamento e representatividade. Cordelista há mais de uma década e com dezenas de títulos publicados em folhetos, a escritora publicou, em 2017, o livro “Heroínas Negras Brasileiras em 15 Cordéis”.
A obra resgata perfis de personalidades negras com papel marcante na história do Brasil, como Carolina Maria de Jesus, Dandara dos Palmares e Tereza de Benguela.
Jarid ganhou projeção nacional com o livro de contos “Redemoinho em dia quente”, vencedor do prêmio APCA de 2019. Ela também publicou “As lendas de Dandara” (2016), “Um buraco com meu nome” (2018) e “Corpo desfeito” (2022).
Apesar de a estreia oficial na literatura infantil ter ocorrido apenas em 2024, Jarid explica que o interesse pelo nicho é antigo: alguns de seus primeiros cordéis, escritos há mais de dez anos, foram escritos para crianças.
Três das quatro histórias que constam em “Cordéis incríveis para crianças”, aliás, estavam engavetadas há certo tempo, esperando a hora certa para ganhar o mundo, e ganharam edição caprichada na coletânea.
Cordel como ferramenta de cura e educação
A escrita dos cordéis infantis presentes no novo livro mantém características já conhecidas da escrita de Jarid na prosa e na poesia, como o protagonismo feminino, a abordagem de diversas temáticas sociais e um olhar delicado para o trauma e a ausência.
A coletânea recém-lançada, inclusive, é parte da vontade de trazer à luz temas ainda pouco explorados na literatura infantil, especialmente de cordel – o que, de certo modo, acaba servindo como estratégia de cura para a criança que a própria Jarid foi um dia.
“Me lembro de um dia muito marcante, que foi o dia em que minha prima falou que queria alisar o cabelo. Ela devia ter uns quatro, cinco anos, e tinha um cabelo igual ao meu”, relembra.
“E eu entendo de onde vinha essa vontade dela de alisar o cabelo, porque eu passei por isso quando era criança e adolescente também. Alisei meu cabelo até os 19 anos, que foi quando eu comecei a ler sobre questões de gênero e raciais”, completa.
Foi essa memória que a inspirou a escrever um dos “cordéis incríveis”. O texto narra a história de uma princesa que possui cachos mágicos, responsáveis por abençoar o reino onde ela vive. Um dia, um monstro decide estragar o cabelo da menina, que perde a magia. Só quando uma bruxa sábia decide ajudá-la a fazer com que os cachos cresçam saudáveis novamente, o reino encontra um final feliz.
“Quando eu estava crescendo, eu tinha acesso às histórias em que as protagonistas eram sempre crianças brancas, ninguém se parecia comigo de alguma forma, nem estavam num contexto social ou geográfico parecido com o meu. Então, eu tomo isso como uma espécie de 'missão', sabe?”, declara.
“É também uma maneira de valorizar a literatura de cordel, porque eu acho que ela sofre bastante preconceito e exclusão no meio literário”, completa.
A escritora destaca que, apesar de trazer temas sociais, não considera seu primeiro infantil como “panfletário”. Pelo contrário: sua ideia é ajudar os pequenos e suas famílias a quebrarem barreiras de maneira natural, para que as crianças aprendam a refletir sobre si mesmas e sobre o outro.
“Acho que essa é a maneira mais bonita e a maneira que mais se internaliza na gente, quando a gente lê algo que transforma nossa visão de mundo ou então constrói uma visão de mundo positiva, que é o que eu quero propor para as crianças”, conclui.
Em 2025, escritora prepara lançamentos para crianças e adultos
Animada ao falar da chegada à prateleira de histórias infantis, Jarid conta que tem encarado os projetos na área com uma responsabilidade muito maior, sabendo do impacto que a literatura pode ter na vida de meninas e meninos.
“Quero que as crianças tenham acesso a histórias positivas, histórias em que elas consigam dialogar com a vida delas de uma maneira bonita, de uma maneira encorajadora”, pontua a escritora.
A autora afirma que, nos próximos anos, pretende continuar “desenvolvendo a habilidade de se comunicar com as crianças por meio da literatura, especialmente pela literatura de cordel”.
Eu gosto muito de histórias tristes, muito trágicas, dramáticas e de coisas muito feias. A literatura para crianças é esse espaço em que eu coloco ali a minha intenção de fazer algo colorido, feliz.”
No momento, a autora divide o tempo entre a pesquisa para novas obras infantis, a edição de seu segundo livro de poesias – já concluído, mas ainda sem data de lançamento –, a escrita de um livro de contos de horror e a produção de cursos e mentorias literárias, algo a que pretende se dedicar com mais afinco durante o novo ano.
Outros projetos voltados para o meio literário incluem a mediação de clubes de leitura e uma série de oficinas de escrita gratuitas para os leitores.
“Quero retribuir o apoio que as pessoas me ofertam, e muitas dessas pessoas que me leem e me acompanham são pessoas que também querem escrever e publicar suas obras”, comenta. As atividades costumam ser divulgadas em grupos de WhatsApp e nas redes sociais da autora.
“Eu realmente só cheguei aonde cheguei porque eu construí uma comunidade muito forte, uma amizade com os meus leitores, então eu quero sempre conseguir honrar isso e mostrar que eu valorizo isso”, completa.
Serviço
“Cordéis Para Crianças Incríveis”, de Jarid Arraes (Companhia das Letrinhas, 2024)
Disponível no site da Companhia das Letras, nas livrarias e em lojas virtuais
Acompanhe a autora nas redes sociais: @jaridarraes