Edson Queiroz 100 anos: a trajetória do empresário que revolucionou o Ceará desde a indústria à educação

O nome dele seria Olavo. O pai achava sonoro e imponente, pouco convencional. Coisa de gente importante. Crescido, quase seguiu o desejo da mãe de se tornar padre. Mas a inquietude e descontração frente à severidade do seminário logo afugentaram a ideia. Tinha um prazer especial em comer carne assada na brasa e, entre um destino e outro nas viagens de bonde por Fortaleza, cantava a plenos pulmões, simulando voz de tenor.
Este é Edson Queiroz, ou a face menos conhecida de um dos mais relevantes nomes da História do Ceará. Com centenário de nascimento festejado neste sábado (12) – nasceu em Cascavel, Região Metropolitana de Fortaleza, a 12 de abril de 1925 – a trajetória do homem que mudou a fisionomia empresarial brasileira vai muito além do grandioso legado material.
Para compreender Edson na essência, é necessário olhar as entrelinhas. Notar gestos que o fizeram vivenciar experiências inesquecíveis e estar próximo de pessoas feito você e eu. “Ele tinha profunda informalidade e senso de humor. Essas, pra mim, são as grandes notas de destaque”, evidencia Lira Neto.
O jornalista assina “Edson Queiroz - Uma biografia” (Bella Editora, 2022), publicação na qual vida e trajetória do industrial cearense estão intrinsecamente ligadas ao Ceará, mais especificamente a Fortaleza. Pudera: ao chegar ainda jovem na Capital com a família fugindo da seca, em 1932, o pequeno desbravador pouco a pouco enxergou nos ares urbanos um poderoso horizonte de possibilidades. Aquele farol que impulsiona as coisas.
“São histórias – a dele e a de Fortaleza – que não dá para contar uma sem a outra. Tanto é que, por isso mesmo, destaquei bastante no livro o processo de evolução da capital cearense a partir da própria indução de desenvolvimento provocada por Edson”. Passam por essa ótica desde os primeiros grandes comércios à expansão imobiliária da cidade, bem como eventos de aparente menor relevância, mas capazes de desenhar um trajeto rico e inspirador.
Agente direto de mudanças
Nessa jornada, o que salta aos olhos é a percepção muito clara de que, ao mesmo tempo em que testemunhou significativa fase de transformações da metrópole, Edson se colocou como agente dessa voltagem de mudanças urbanas, políticas, econômicas, culturais e sociais. Lira Neto aponta que o empresário tinha consciência desse processo, ou seja, sabia a força da própria colaboração para o progresso do lugar onde estava.
“Acho que isso o diferencia como personagem e biografado de outras pessoas de seu tempo, época e local. Ele tinha consciência histórica do papel que representava”. Não que isso desfoque o modo como Edson lidava com os desafios e realidades ao redor, porém.
Do período de estudos no Colégio Cearense do Sagrado Coração ao despertar para o empreendedorismo – no primeiro negócio, improvisou um tabuleiro com pernas de madeira e passou a vender alfinetes, agulhas, fivelas e objetos dessa natureza, do estojo de costura da avó – tudo indicava que a sina para os negócios seria assumida com zelo e dedicação.
Ano após ano, foi avolumando conquistas. Se hoje o Grupo Edson Queiroz é o que é, deve-se muito a esses instantes iniciais de esforço e pioneirismo do próprio idealizador. O GEQ é um dos maiores conglomerados empresariais do Brasil, com mais de 70 anos de história, atuação em quatro negócios – Nacional Gás, Esmaltec, Minalba Brasil e Sistema Verdes Mares – e responsável pelo emprego direto de cerca de nove mil colaboradores.
Por meio de cada corporação e produto, está presente em mercados nacionais e internacionais, com credibilidade e satisfação. É o reflexo perfeito da mente aguçada de Edson e do espírito dele sempre à frente do próprio tempo – alinhado às modernidades, mas conservando leveza e bom humor.
“Os causos, histórias e piadas dele me cativaram na escrita da biografia. Ao mesmo tempo em que era muito rígido diante do cumprimento de tarefas e à exigência com a equipe, tinha essa nota de descontração e de simplicidade, de sentar no chão da fábrica e comer com os operários, de chupar picolé com eles… Isso, pra mim, é interessante porque ele não se encastela numa posição de inacessibilidade ou superioridade. É muito raro”.
Dentre os fatos mais curiosos, estão a vez em que subiu em uma das antenas da TV Verdes Mares para conferir, por conta própria, o funcionamento da estrutura; e quando, não suportando o ócio de estar em Nova York, tornou-se balconista temporário na cidade. Segundo Lira, Edson não tinha o discurso do trabalho como sacrifício. Para ele era como respirar, longe de qualquer moralismo da filosofia “o trabalho engrandece o homem”.
Entusiasta da educação
Presidente da Fundação Edson Queiroz – outra empreitada exitosa do industrial, resultado do desejo de promover a educação superior no Ceará e a responsabilidade social – Lenise Queiroz tem prazer em rememorar os passos do pai. Gosta de ressaltar a determinação dele. “Acho que o mundo tem poucas pessoas com esse afinco”, percebe. A vocação para investir em áreas tão importantes, segundo ela, esteve no íntimo dele desde sempre. É algo nato.
"Quando ainda não se falava em responsabilidade social e preocupação com funcionários, por exemplo, quando não existiam leis trabalhistas voltadas para benfeitorias, ele fez uma creche para beneficiar as mães que trabalhavam na fábrica. E todas essas funcionárias podiam até ter tempo para amamentar”
Ao mesmo tempo, a ousadia ilimitada e o desejo de ver o crescimento da cidade natal fez-lhe criar, em 1963, a Cascavel Castanha de Caju (Cascaju), beneficiando milhares de famílias e permitindo a reinvenção do município inclusive no artesanato – sobretudo a partir da produção de móveis feitos de cipó.
O mesmo princípio revolucionário foi aplicado no nascimento da Fundação Edson Queiroz. Um contexto local marcado por profundo déficit de escolaridade e quadro constrangedor de atraso regional motivaram o surgimento da instituição, em 26 de março de 1971. A Fundação foi um dos modos encontrados por Edson de retribuir, em forma de responsabilidade social, tudo o que o Ceará lhe concedera.
“Ele sempre falava: ‘Já fiz fábrica de muita coisa, agora quero ter uma fábrica de doutores. E será a melhor universidade’. Era muito positivo, um otimista mesmo. Foi quando começou o projeto da Universidade de Fortaleza”, recorda Lenise, destacando o fato de a instituição já surgir com o status de universidade – e não com o de faculdade, como é comum acontecer – devido à alta aposta do idealizador na empreitada que ali se formava.
Hoje, a Unifor tem 26 mil alunos e é a maior universidade privada do Norte e Nordeste do Brasil, com 40 cursos de Graduação, 17 Mestrados e Doutorados, 80 especializações e MBAs, além de 230 laboratórios para pesquisa e prática do estudante. Possui um campus de 720 mil m², e também oferece a prática de esportes e eventos de cultura e arte à comunidade.
Não à toa, na ocasião da inauguração da casa, em 1973, Edson ouviu de Jarbas Passarinho, Ministro da Educação à época: “Hoje eu vi uma universidade nascer e um homem chorar”. “Isso porque papai ficou tão emocionado que chorou naquele momento. Ele tinha aquela vontade e viu como foi difícil conquistar. O fato é que ele era muito imediatista. Estudava, estudava e, quando resolvia fazer uma coisa, era muito determinado”.
Enquanto pai também. Lenise situa que Edson Queiroz era um patriarca aos moldes da época em que viveu: exigia dos filhos respeito e disciplina, ao mesmo tempo que investia no desenvolvimento pessoal de cada um. Ela mesma, junto às irmãs Renata e Paula, viajou para vários lugares do Brasil e do mundo acompanhada do pai enquanto ele cuidava dos negócios.
“Sempre que a gente estava de férias, viajávamos para onde quer que ele fosse. E também tinha a minha mãe, uma pessoa com vontade de conhecer o mundo. Ele atendia aos pedidos dela, e crescia pessoalmente nessas viagens porque a curiosidade era tão grande que acabava conhecendo pessoas, conversando e desbravando muitas coisas que via lá fora”.
E considera: “Digo que ele viveu três vezes a idade dele. Não media esforços, tudo achava que era possível. Conseguia fazer acontecer, e transformava tudo com uma facilidade muito grande. Foi um divisor de águas para o desenvolvimento do Ceará”.
Ensinamentos permanentes
Se, entre outros detalhes, Lenise Queiroz também destaca o fato de o pai gostar de cantar e lidar com crianças – outros atributos menos conhecidos do empresário – Edson Queiroz Neto traz à fala o quanto o avô é manancial de ensinamentos até hoje. Embora tenha convivido pouco com ele, apenas até os cinco anos de idade, o presidente do Conselho de Administração do Grupo Edson Queiroz elenca belos e fartos predicados.
“Ele representa para mim um ser humano, empreendedor, homem de hombridade, de cumprimento de palavra, de muito trabalho, determinação e perseverança. Enfrentou muitos desafios na vida, mas sempre de cabeça erguida e fazendo o bem por onde passava, ajudando muitas pessoas”.
Quanto ao legado na família, união é palavra-mor, junto a exemplos práticos de como Edson ensinava aos filhos o poder da harmonia entre os pares. Edson Neto escutou do pai que, certa vez, o avô pegou uma maçã, entregou para cada filho e pediu para que espremessem a fruta. Ninguém conseguiu, haja vista a estrutura firme do alimento. Porém, ao reparti-la em seis pedaços – mesma quantidade de filhos – tudo ficou mais fácil.
“Outra forma que ele também trabalhou o assunto foi com lápis. Quando você pega um lápis, é possível quebrá-lo com facilidade. Mas quando são seis lápis, não é todo mundo que consegue quebrar. Em resumo, ele ensinou o que é união dessas duas formas, passando tudo para a minha avó e para a geração seguinte, dos meus tios e do meu pai”
Dona Yolanda, inclusive – outra das memórias queridas de Edson Neto – possuía uma estrela em formato de quebra-cabeça na qual cabiam seis nomes. Quando estava inteiro, o objeto resplandecia em vigor; quando não, perdia forma, restavam apenas as partes, metáfora eficiente para ensinar o quanto a sinergia entre os parentes é essencial.
Profissionalmente falando, um dos gestos mais emblemáticos de Edson Queiroz era considerar a questão da qualidade – "algo que continuamos focando até hoje para alcançar o maior nível possível dentro da proposta do produto a ser oferecido no mercado", enfatiza o neto. Por fim, priorizava muito a liquidez, para que, no momento em que movimentos econômicos acontecessem, a empresa estivesse sólida a fim de vencer os desafios.
Para o futuro, o esforço, segundo Edson Neto, é aperfeiçoar na quarta geração da família a educação relativa à governança de modo que o império idealizado por Edson siga glorioso. “Construímos programas de estágio e trainees para que nossos familiares, os futuros acionistas, sejam capacitados a fim de conhecer os negócios e tomar boas decisões no futuro”.
Conviver com Edson Queiroz
Enquanto Lenine Queiroz e Edson Queiroz Neto dividem tantas minúcias do modo de ser do pai e do avô, Ozeas Alves da Silva Filho reforça outros componentes: aqueles que só quem lidou tão próximo a ele profissionalmente pode saber. Durante um ano e meio, Ozeas exerceu o ofício de continuum do industrial.
“Sempre ficava resolvendo coisas quando ele queria fazer alguma compra ou tirar alguma dúvida sobre determinados documentos da minha área de trabalho”, diz ao iniciar no Grupo Edson Queiroz ainda adolescente, aos 14 anos. Agora, aos 61, é encarregado administrativo na empresa e se orgulha por estar na mesma corporação há 47 anos e ter conhecido Edson.
"Era uma pessoa maravilhosa. Falar dele é sempre gratificante para nós que trabalhamos na mesma época em que estava aqui. Viajava muito e, sempre que voltava, passava em todos os departamentos. Na época da Ceará Gás Butano [localizada na Rua Major Facundo, 144], ele visitava os funcionários com muita alegria, para saber como tudo estava. Era extrovertido, participava dos lanches. Com ele, sempre foi assim”
As festas de fim de ano seguiam na mesma toada, proporcionando inclusive momentos hilários. Um deles foi quando, ao sortear uma bicicleta para os funcionários, Edson montou ele mesmo o objeto e saiu andando com ela pelo salão. Para Ozeas, experiências feito essa o formaram como profissional e humano.
“Ele era extrovertido, mas, quando o assunto era trabalho, sempre foi muito sério. Era totalmente voltado ao trabalho. E percebendo como está hoje o Grupo Edson Queiroz, vemos o quanto ele estava à frente do próprio tempo. Conseguia juntar seriedade com essa leveza de ser uma pessoa descontraída e acessível”.
Se hoje o homem tem casa própria, filhos graduados e segue com a mesma disposição de continuar trabalhando na mesma empresa é porque muito aprendeu com quem era expert em ensinar. “Se me perguntarem hoje como se fica em uma empresa durante 47 anos, eu digo que é pelo trabalho. Não tem outro motivo”.
Memorial Edson Queiroz
Um cantinho todo especial guarda essa trajetória para que o público veja de perto. Localizado em Cascavel, o Memorial Edson Queiroz foi inaugurado em 7 de novembro de 2021 como forma de preservar o legado cultural, artístico e educacional de Edson.
Estão lá fotografias, documentos, árvore genealógica e toda uma fartura de informações para quem deseja adentrar no universo do notável cearense. Uma ala, por exemplo, é toda dedicada à biografia, incluindo curiosidades ligadas à família formada por ele, dona Yolanda Queiroz e os seis filhos – Airton, Myra Eliane, Edson Queiroz Filho, Renata, Lenise e Paula.
“Realizamos diversas exposições no Memorial, visitadas pela comunidade local. Todas são de suma importância, principalmente para a nova geração de estudantes e universitários, como forma de resgate cultural”, destaca Evânio Reis Bessa, diretor do equipamento.
Na visão dele, Edson Queiroz é um ilustre cascavelense e deixou um legado grandioso. "Edson Queiroz transformou Cascavel. Tudo mudou aqui. Crescemos em renda, população, bairros, mercearias, lojas, ruas…”, celebra.
Guardião do Memorial, Alvino Netto reitera a opinião do diretor ao rememorar a construção do equipamento que leva o nome de Edson. A sede fica no prédio da antiga Cadeia Pública e da Casa da Câmara dos Vereadores, inaugurado a 14 de julho de 1886, totalmente restaurado para abrigar o Memorial Edson Queiroz em homenagem ao filho ilustre da cidade.
Com o tempo, a estrutura entrou em ruína e foi aí que, em 2019, o então prefeito de Cascavel, Tiago Ribeiro, por meio da prefeitura de Cascavel, procurou o Dr. Igor Queiroz Barroso, neto mais velho do industrial, para pedir a criação do Memorial. Dito e feito. “Rapidamente transformou-se em local cultural, artístico e educacional”.
Não deixa de ser um espelho da multiplicidade de ações que o próprio Edson Queiroz fez durante toda a vida. As empresas sob a criação dele envolvem Educação (Universidade de Fortaleza), Comunicação (Sistema Verdes Mares), Água (Minalba Brasil), Eletrodomésticos (Esmaltec) e Gás (Nacional Gás), um panorama capaz de impactar a vida de milhões de cearenses.
“Acredito que a sensibilidade social dele – ao mesmo tempo que era um empresário, tinha sensibilidade de saber que o desenvolvimento do Ceará era necessário para os negócios dele – fez toda a diferença. Ele só conseguiria ser um empresário bem-sucedido se contribuísse com o desenvolvimento da terra em que as empresas dele estavam instaladas”, situa Lira Neto.
“Daí a preocupação com a educação, por exemplo, e com ações sociais. Por sinal, ele preferiu nunca divulgar estas últimas porque não fazia para exibição pública, mas a partir de uma consciência. Outro grande legado são os empreendimentos na área da Comunicação – não apenas para elevar o nível da informação, mas por ser algo estratégico do ponto de vista empresarial. São diferenciais que o tornam realmente um personagem singular”.