Novas informações sobre o assassinato de Marielle, uma mulher preta eleita pelo povo, marcaram a véspera deste Dia da Mulher Negra. As histórias dela, de Tereza de Benguela e de Lélia Gonzalez são exemplos da resistência preta que atravessa os séculos
Quando Marielle Franco foi assassinada, eu fazia um mestrado profissional em Jornalismo em um dos maiores jornais do mundo, na Espanha. Não demorou para que a notícia ficasse entre as mais acessadas no site do El País. Lembro do choque (como uma mulher em pleno exercício de um cargo de poder poderia ser assassinada tão brutalmente?) e do rosto da então vereadora do Rio de Janeiro estampando um telão no meio da redação gringa, que mostrava, minuto a minuto, as notícias de maior repercussão.
No mesmo ano, voltei ao Brasil. Passei a cobrir parte das investigações do que lá fora foi visto com horror. Acompanhei os desdobramentos do caso: um crime que tirou uma mulher preta do poder, mas falhou na tentativa de silenciá-la.
Surgiram depois outras Marielles, que avançaram por espaços de poder com todas as dificuldades para tentar mover estruturas da sociedade. Enquanto homens brancos com cargos de poder quebravam placas com o nome da vereadora, multiplicaram-se as vozes cobrando respostas. Quem matou Marielle?
Agora - cinco anos depois do crime e às vésperas do Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha celebrado neste 25 de julho - novas informações vieram à tona. O ex-policial militar Élcio Queiroz assumiu sua participação no crime e delatou que o ex-PM Ronnie Lessa teria dado os tiros que mataram a vereadora após um evento simbólico na Casa das Pretas.
Um novo personagem surgiu: o policial Macalé, que teria feito a ponte entre o mandante e o executor de Marielle. Ainda faltam muitas respostas. Quem mandou matar Marielle? E por quê?
No Dia da Mulher Negra, Marielle há de ser celebrada com indignação. Do alto do meu privilégio de mulher branca, espero que ela siga presente e continue fortalecendo duas causas urgentes neste país que guinou ao conservadorismo: o feminismo e o antirracismo.
No Brasil, 25 de julho é também uma data para lembrar de Tereza de Benguela, uma escrava que virou rainha e liderou um quilombo no século XVIII. Esquecida da história oficial, não sabemos ao certo se Tereza era brasileira ou africana.
Sabemos que ela liderou por duas décadas a resistência contra a política escravista e comandou o Quilombo Quaritetê, no Mato Grosso. Acabou chamada de rainha por liderar uma comunidade com cerca de uma centena de índios e negros. O Brasil também escolheu 25 de julho para reverenciá-la no Dia da Mulher Negra.
O Brasil é de mulheres pretas
A ativista e filósofa Ângela Davis diz que quando uma mulher negra se movimenta, toda a sociedade se movimenta com ela. Referência global na luta feminista e antirracista, ela sugeriu aos brasileiros numa visita ao país que olhassem para si. Que ouvissem a mineira Lélia Gonzalez.
Eu sinto que estou sendo escolhida para representar o feminismo negro. Mas por que aqui no Brasil vocês precisam buscar essa referência nos Estados Unidos? Acho que aprendi mais com Lélia Gonzalez do que vocês aprenderão comigo
Lélia foi uma das mais importantes pensadoras da condição da mulher preta no Brasil. Nasceu em Belo Horizonte em 1935. Filha de operário negro e empregada doméstica, mergulhou na academia e deixou um rico acervo de discussão sobre raça e gênero, passeando pela antropologia, filosofia, psicanálise e candomblé.
Assim como Marielle, se candidatou a cargos públicos no Rio de Janeiro e militou com grupos progressistas. Defendeu o feminismo afro-latino-americano. Foi mais reconhecida no exterior que dentro do seu país.
Marielle, Lélia e Tereza são exemplos da resistência preta em épocas diferentes, em séculos diferentes. Que suas vozes continuem ecoando. Por mais Marielles, Lélias e Terezas.