O menino que teve a vida transformada por uma chance numa escola de música clássica em Iguatu abraça os ritmos populares com os quais cresceu para popularizar o instrumento nas redes sociais
Ítalo Nogueira toca funk e forró no violoncelo por teimosia. O músico que deixou Iguatu - uma cidade de pouco mais de 100 mil habitantes a 360 quilômetros de Fortaleza - para estudar música clássica na França nunca se conformou que a sua vivência popular mal coubesse no ambiente erudito no qual adentrava e se destacava. Por isso, seu instrumento agora ecoa da banda Líbanos a Anitta e Harmonia do Samba. “Quero derrubar o mito de que violoncelo é só para música clássica e levar o instrumento a mais gente”, diz.
É que Ítalo nasceu em um sertão onde música clássica era coisa rara. Cresceu ouvindo forró e pop rock. Aos 13 anos, colocou na cabeça que queria aprender a tocar violão para reproduzir esses ritmos. Mas abraçou a única oportunidade possível: aproveitar a chance de estudar música clássica na recém-criada escola de música erudita na cidade, uma homenagem ao maestro cearense Eleazar de Carvalho.
O menino, que nunca havia estudado música, precisou colar no teste para conseguir uma vaga. Quando lhe perguntaram a qual instrumento clássico queria se dedicar, escolheu o violoncelo sem nunca haver manuseado um antes. “Pelo nome, achei que o violoncelo tinha a ver com violão e escolhi”, conta, rindo.
Mas ele se apaixonou pelo instrumento e se destacou tanto nos estudos que viu as oportunidades se abrirem para levar aquele menino de Iguatu para o mundo. Fez curso de inglês com bolsa, conseguiu uma chance para estudar música na França, fez graduação na Paraíba e passou em concurso para integrar as orquestras sinfônicas da Bahia e da Universidade Federal da Bahia.
Aos 31 anos, o menino que sonhava em conseguir tocar pop rock em Iguatu agora consegue um feito expressivo num país desacostumado a valorizar a cultura: viver de música. Poderia ficar por aí, não fosse a teimosia que sempre o acompanhou gritar que ele precisava fazer algo contra o incômodo dos preconceitos contra os ritmos populares em meio à música de concerto.
“Gosto de ser do contra”, ele diz. Talvez tenha sido isso que o fez abrir uma conta no Instagram e no Tik Tok para publicar vídeos nos quais toca do forró ao funk no clássico violoncelo. “Toco as músicas que gosto no instrumento”, conta.
Ítalo morou em Iguatu até os 18 anos, quando se mudou para estudar na França. Filho de uma secretária, cresceu com a mãe e a avó mergulhado na vivência de interior, com as referências chegando principalmente pelo rádio e com o que tocava nas festas de padroeiro da cidade. “O que tocava era só forró. Nos anos 2000 não chegava muita coisa como hoje. Minha cultura era a do rádio que eu ouvia dos vizinhos”, lembra.
A primeira vez que viralizou na internet foi ao tocar a música da Wandinha, da série A Família Adams. Foi aí que viu o potencial para mostrar seu trabalho misturando um instrumento erudito a músicas populares. Tocou forró, funk, axé. E viu novas portas se abrirem. Ítalo se apresentou com músicos de renome como Caetano Veloso e Alceu Valença. E está prestes a ver lançado um projeto audiovisual do Xanddy do Harmonia do Samba do qual participa.
Passear por tantos universos, para ele, é uma forma de dar a meninos como ele foi a chance de conhecer mais culturas: “Quero mostrar o potencial do violoncelo para quem nunca viu um. Eu mesmo nunca tinha visto, antes de tocar na escola”.