Com discussão sobre envelhecimento, Parada pela Diversidade Sexual homenageia Thina Rodrigues
Nesta edição, uma novidade: pela primeira vez, o posto de madrinha é dividido entre duas pessoas
A XXIV Parada pela Diversidade Sexual do Ceará, realizada neste domingo (29), homenageou a ativista Thina Rodrigues, idealizadora da Associação de Travestis do Ceará (Atrac). A Avenida Beira-Mar foi palco do evento, que iniciou às 13h, mas tomou corpo no fim da tarde. A expectativa era receber 1 milhão de pessoas.
Nesta edição, uma novidade: pela primeira vez, o posto de madrinha é dividido entre duas pessoas. São elas Viviane Venâncio e Labelle Rainbow, ativistas dos direitos de travestis e transexuais, além de figuras ligadas afetiva e profissionalmente ao legado de Thina.
A dupla assumiu a função neste ano para representar a discussão sobre violência e direito de envelhecer com dignidade na população LGBTI+, inspirada por Thina. Com o tema "Quem Chora por Nós?", a parada de 2025 busca jogar luz sobre personalidades mais experientes na luta de quem adota identidades de gênero e sexualidades diversas.
Dáry Bezerra, presidenta do Grupo de Resistência Asa Branca (Grab), apontou que as populações LGBTI+ passaram por um processo de exclusão histórico, com poucas garantias de direitos.
“As que conseguem chegar na velhice, como homens gays e mulheres lésbicas e bissexuais, chegam de forma precarizada, sem previdência privada, educação e, consequentemente, sem acessar o mercado de trabalho. [...] No caso das pessoas trans e travestis, que têm uma estimativa de vida de 35 anos, a grande maioria não consegue chegar ao envelhecimento, porque suas vidas são interrompidas pela violência”, observou.
O cenário, então, demanda iniciativas que garantam o envelhecimento digno de pessoas trans e travestis, defende Bezerra. Essa é uma discussão essencial na edição de 2025 da Parada pela Diversidade Sexual do Ceará.
“Saber que um milhão de pessoas vêm para a Avenida Beira-Mar para celebrar a vida, o orgulho de ser quem se é, mas também para nos apoiar nas nossas questões políticas principais, isso é muito importante”, afirmou a representante da Grab.
Madrinhas de 2025
A madrinha do ano passado foi Dediane Souza, que é jornalista, mestra em antropologia UFC/UNILAB e doutoranda em Antropologia Social - PPGAS/UFRN. Além disso, é colunista do Diário do Nordeste.
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Ela passou a faixa para as novas madrinhas neste domingo, com discurso destacando a importância de homenagear em vida duas travestis negras que muito fizeram e fazem pelo movimento LGBTQIAP+ do Ceará.
Viviane, por exemplo, está na faixa etária dos “50+”, como ela brinca, e acumula ao menos 30 anos de luta dentro do movimento.
“Eu me sinto extremamente, duplamente, triplamente parabenizada. [...] Esse ano eu recebi o reconhecimento de 30 anos de luta dentro do movimento, buscando para a nossa classe LGBTQIA+, grifando para travestis e transexuais, uma saúde psicológica, mental, e isso pra mim é muito gratificante”, comentou Viviane.
Viviane de Oya, como também é conhecida, é conhecida especialmente pela sua atuação como educadora popular em saúde sexual, desenvolvendo ações entre profissionais do sexo e povos de terreiro. Ela também integrou a equipe do Centro de Referência LGBT Janaína Dutra, acolhendo centenas de vítimas de violência LGBTI+fóbicas.
Já Labelle tem uma trajetória lembrada em projetos sociais de juventude, tornando-se referência nos debates sobre cidadania para pessoas trans e travestis no Ceará. Filha do Grande Bom Jardim, construiu um ativismo ramificado, que aborda desde a formação política à difusão da cultura LGBTI+.
Ela vê o título de madrinha da parada com o “pé no chão” de quem tem uma jornada longa de luta.
“Esse lugar é dado, ele é um convite para nós, travestis pretas, que já construímos essa parada há muito tempo, então é uma oportunidade de celebrar, homenagear, mas também de colocar em foco uma produção intelectual e de construção política que essas travestis, essas corpas pretas, já fazem há muito tempo”, disse, citando Thina Rodrigues.
“Trazer a Thina no dia de hoje, faz aí cinco anos da ausência dela nessa batalha, é extremamente simbólico e emocionante porque coloca novamente a Thina na rua, na avenida, mas também celebrando e convidando as pessoas a refletir sobre isso num debate com a sociedade para além somente da população LGBT”, complementou Labelle.
Além da luta, a festa
José Henrique Freitas, professor recifense que mora em Fortaleza há seis de seus 36 anos de vida, marca presença na parada em todos os anos. Neste domingo, foi à Beira-Mar com os amigos Maurício e Renne.
Ele vê o evento como um movimento político e como uma oportunidade de dar uma nova perspectiva de envelhecimento para pessoas jovens da comunidade LGBTI+, que acabam invisibilizando quem veio antes.
“É interessante falar sobre isso para a gente criar essa reflexão de que quem veio antes foi que permitiu que a gente estivesse aqui hoje. A gente estava vendo aqui um monte de gente jovem, de 18, 19, 20 anos, talvez vindo pela primeira vez na parada e ouvindo que envelhecer é um processo natural e que é importante para a gente, principalmente para continuar criando os nossos afetos enquanto comunidade”, argumentou José Henrique.
O costureiro Victor Emanuel, 23, que foi à Parada pela Diversidade com um grupo de amigos, vê o evento como um momento de celebração.
“É um momento onde a gente pode expressar, soltar a nossa voz, dizer quem nós somos, para que viemos e por que estamos aqui. Antes de nós, aconteceram muitos marcos na história de muitas pessoas que morreram, que se sacrificaram, para hoje a gente poder estar aqui na rua mostrando quem nós somos, gritando, levando à frente a bandeira”, declarou.
A auxiliar de serviços gerais Daniela Viana, 31, por sua vez, entende que o momento é de “tirar fora os preconceitos no mundo”. Ela foi ao evento com a esposa, Nayara, e amigas. “Tem muita gente que não respeita a vida pessoal de cada um”, pontuou. “E a importância política desse evento é ter quem apoie a gente”, completou.
Quem é Thina Rodrigues
Natural de Brejo Santo, município do interior do Ceará, a homenageada Thina Rodrigues teve trajetória de vida marcada pela luta contra preconceitos e discriminações a transexuais e travestis cearenses. Ainda aos 17 anos, foi expulsa de casa, e aos 20 foi presa “apenas por ser quem é”, como relatou, em novembro de 2019, em entrevista ao Diário do Nordeste.
Foi nas vivências pessoas e também na coletividade onde Thina encontrou força e fundou, há duas décadas, junto à ativista Janaína Dutra, a Atrac, a qual presidia até pouco tempo antes da sua morte.
“Começamos a lutar pelo direito de ir e vir e de existir de todas nós. Passamos a ser protagonistas das nossas próprias histórias. A nova geração está vivendo o que construímos para ela, mas o preconceito não vai acabar. Cada menina maltratada na escola, no posto de saúde, me machuca. A luta precisa continuar", disse Thina, em 2019.
Na mesma entrevista, sobre o Dia Internacional da Memória Trans (20/11), a ativista revelou como queria ser lembrada pelas novas gerações. “Apenas como uma pessoa simples, lutadora, ativista e militante, que vai ficar muito feliz quando as travestis e trans forem aceitas de forma plena”.
Em junho de 2020, essa jornada foi interrompida. Aos 57 anos, ela foi vítima da Covid-19. De acordo com nota de pesar da Coordenadoria Especial para a Diversidade Sexual, Thina teve uma parada cardíaca e não resistiu ao agravamento da infecção.