Conheça os cearenses que brilham no filme ‘O Agente Secreto’

Geane Albuquerque e Robério Diógenes estão no longa de Kleber Mendonça Filho, premiado em Cannes e representante do Brasil no Oscar.

Escrito por
João Gabriel Tréz joao.gabriel@svm.com.br
(Atualizado às 09:08)
Montagem de fotos de divulgação do filme 'O Agente Secreto'. À esquerda, o ator Robério Diógenes, de terno xadrez e óculos de sol, em pose de ação. À direita, a atriz Geane Albuquerque, com penteado volumoso, óculos e colete, com expressão séria.
Legenda: Cearenses Robério Diógenes e Geane Albuquerque se destacam no longa pernambucano "O Agente Secreto".
Foto: Divulgação.

De Parambu e de Caucaia para o mundo. É este o caminho que os cearenses Robério Diógenes — natural do município do Sertão dos Inhamuns — e Geane Albuquerque — nascida em Fortaleza, mas criada na Região Metropolitana da Capital — têm traçado desde que o longa “O Agente Secreto” estreou no Festival de Cannes, em maio deste ano.

Para 2026, a expectativa é que a dupla e a obra cheguem ao Oscar, prêmio no qual o filme representa o Brasil. Antes, porém, a produção dirigida por Kleber Mendonça Filho e protagonizada por Wagner Moura vem circulando em festivais e sessões de pré-estreias por todo o País e, nesta quinta (6), estreia oficialmente nos cinemas.

Entre viagens para apresentar o longa junto ao elenco e equipe, Robério e Geane falam ao Verso sobre as trajetórias que os levaram até "O Agente Secreto", a repercussão junto ao público brasileiro e estrangeiro, as expectativas pelo Oscar e o impacto do longa nas carreiras.

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Entrada no elenco

Em “O Agente Secreto”, Robério dá vida a Euclides, um delegado fora da lei que se envolve em esquemas violentos e cruza o caminho de Marcelo (Wagner Moura). É um dos principais personagens da produção.

Já Geane interpreta Elizângela, personagem que tem presença mais pontual, mas marcante em especial por trazer alguns dos principais momentos de humor no filme.

Ambos entraram no grande elenco do longa — comandado por Wagner, mas composto por nomes como Tânia Maria, Udo Kier, Maria Fernanda Cândido, Alice Carvalho, Isabel Zuáa e Gabriel Leone, entre vários outros — a partir de testes.

Close-up de quatro pessoas olhando atentamente de uma janela. O ator Wagner Moura (ao centro, de bigode e camisa azul) está ladeado por três mulheres com expressões sérias. Suzy Lopes, à esquerda, usa um lenço na cabeça. Ao lado dela, está Fafá Dantas. Geane Albuquerque, à direita, usa óculos e tem os braços cruzados. A cena compõe o filme 'O Agente Secreto'.
Legenda: As paraibanas Suzy Lopes e Fafá Dantas, o baiano Wagner Moura e a cearense Geane Albuquerque em imagem de divulgação de "O Agente Secreto".
Foto: CinemaScópio / Divulgação

Kleber sempre foi uma inspiração, acho que para qualquer artista brasileiro, de qualquer linguagem. Para mim, que sou atriz, os filmes dele sempre foram grandes lições”, aponta Geane.

“Minha experiência com o Kleber era de ser espectadora, admiradora e claro, sonhadora de poder um dia estar em um dos filmes dele”
Geane Albuquerque
atriz

Não foi a primeira vez que o cineasta trouxe artistas do Ceará em uma obra: em “Bacurau” (2019), codirigido com Juliano Dornelles, o elenco conta com Silvero Pereira, Rodger Rogério, Fabíola Líper e Uirá dos Reis.

À época do lançamento do filme anterior no Ceará, Robério lembra de prestigiar os “muitos atores cearenses amigos” em sessão especial no Cineteatro São Luiz. 

Cena do filme 'Bacurau', com o ator Silvero Pereira em destaque. Ele segura um facão e está ensanguentado, com uma feição de raiva.
Legenda: Em "Bacurau", o ator cearense Silvero Pereira interpreta o cangaceiro Lunga.
Foto: Divulgação.

Anteriormente, quando a produção procurava o elenco, ele havia se interessado em mandar material, mas não conseguiu fazê-lo a tempo. “Fiquei me sentindo mal (por) perder aquela oportunidade”, relembra.

Foi por isso que, quando os testes para “O Agente Secreto” abriram, Fabíola — amiga e parceira de trabalhos — fez questão de compartilhar a informação com Robério. 

Ao ser selecionado após diferentes etapas, ele ouviu do diretor: “Esse roteiro é escrito para um delegado que é pernambucano, mas gostei muito do seu teste. Não tem problema, o delegado pode ser cearense”, brincou Kleber.

Memórias de bastidores

Todo o processo de escolha do elenco se deu ao longo do primeiro semestre de 2024, com as filmagens ocorrendo entre junho e agosto

A experiência foi a primeira de Geane em um set de longa-metragem. Anteriormente, ela havia estreado em atuação de cinema em curtas do cineasta cearense Leonardo Mouramateus e, mais recentemente, participado da série "Se Avexe Não".

“Minha primeira memória (das gravações) foi o meu primeiro contato com Kleber, numa sala de ensaio, com o Leo Lacca, preparador de elenco, Wagner Moura e Buda Lira, personagem do núcleo que faço parte. Foi um local de nervosismo, mas de muita admiração e de celebração”
Geane Albuquerque
atriz

Para a atriz, a forma do diretor lidar com o elenco foi um destaque. “Kleber nos deixou muito à vontade. É uma conversa muito acolhedora que ele tem com todos os atores para explicar, contextualizar. Ele nunca se cansa de falar do filme, de se deter nos detalhes” aponta.

Outra memória especial para ela foi a gravação de uma cena aguardada, mas que não foi ensaiada — sem spoilers. “No dia, fiz de um take só. Kleber riu de primeira e disse ‘já temos’. Ficou marcada a satisfação de ter realizado bem o trabalho, da confiança que o Kleber teve”, orgulha-se.

Imagem de divulgação da comédia cearense 'O filho único do meu pai', com Jotapê Lima (à esquerda), Robério Diógenes (no meio) e Hiroldo Serra (à direita).
Legenda: Comédia cearense "O filho único do meu pai", com Jotapê Lima (à esquerda), Robério Diógenes (no meio) e Hiroldo Serra (à direita).
Foto: Divulgação.

Para Robério, o audiovisual já era conhecido, seja em teleaulas gravadas para a TV Ceará; comerciais; participações pontuais em “Onde Anda Você” (2004) e “Bezerra de Menezes: O Diário de um Espírito” (2008); ou presenças em obras como “Cine Holiúdy - O Astista Contra o Caba do Mal” (2004), “Greta” (2019) e “O Filho Único do Meu Pai” (2021).

Apesar do currículo, ele diz que “agarrou com unhas e dentes” a oportunidade de fazer “O Agente Secreto”. “É o meu grande momento, meu melhor trabalho, meu maior trabalho”, considera.

O peso da responsabilidade do papel como Euclides foi sendo compreendido pelo ator desde o recebimento do roteiro até quantidade de itens do personagem no dia da prova de figurino.

“Tinham as maletas de cada personagem. Na primeira maleta grande tinha ‘Wagner Moura’. Olhei pro lado e tinha outra: ‘Robério Diógenes’. ‘Meu Deus, essa coisa é grande’”, ri-se.

Antes de chegar às gravações, o ator se “preparou” vendo e revendo obras de Kleber e, até, lendo os roteiros dos longas anteriores do cineasta. “Consegui entender o universo dele, que é um diretor autoral, tem sua marca, sua escrita. Percebi o quanto gosta do tempo, da memória, do cinema, do registro”, exemplifica. 

“Depois, observava no set como ele conduzia os outros atores, como atuava o Wagner. Foi uma grande escola, uma grande experiência”, segue Robério.

De Cannes ao Brasil — e quiçá ao Oscar

“O Agente Secreto” teve estreia mundial no Festival de Cannes deste ano, em maio. Na ocasião, saiu vencedor de dois prêmios oficiais — Melhor Direção, para Kleber, e Melhor Ator, para Wagner Moura — e outros dois paralelos.

“Foi um momento único para mim como artista e para a carreira do filme”, atesta Robério. Após a exibição, ocorrida num cinema lotado com mais de 2 mil pessoas na plateia, o longa foi aplaudido por 13 minutos. 

Pelas ruas de Cannes e espaços do festival, o ator relata ter sido reconhecido e parabenizado pelo trabalho. “Foi o grande termômetro, a partir dali o filme ganhou outra força de divulgação”, aponta.

A partir de setembro, “O Agente Secreto” passou a circular pelo Brasil em sessões especiais e pré-estreias, incluindo passagem por Fortaleza no 35º Cine Ceará. Robério e Geane participaram dos eventos em cidades como Recife, Belém, São Paulo e Rio de Janeiro. 

Um grupo de sete pessoas, incluindo os atores cearenses Geane Albuquerque (de vestido preto, ao centro) e Robério Diógenes (de blusa laranja estampada, segurando um microfone), no palco de um evento de cinema (35º Cine Ceará). O restante das pessoas está sorrindo e aplaudindo, trajando roupas casuais e elegantes. A tela ao fundo exibe logotipos de patrocinadores e instituições culturais cearenses.
Legenda: Primeira exibição de "O Agente Secreto" em Fortaleza ocorreu no 35º Cine Ceará, em setembro.
Foto: Ana Raquel S / Divulgação.

“A recepção do público é sempre muito calorosa. A gente vê sessões esgotadas em minutos, segundos até, e também a torcida do público brasileiro pelo filme. É emocionante perceber pessoas valorizando e desejando o cinema brasileiro como um todo”, destaca Geane. 

“Está super bem recebido. A partir da estreia nacional e também internacional, tenho muita expectativa de (saber) como o grande público vai receber. Vai ser curioso entrar numa sessão comum e olhar a plateia”, dialoga Robério.

Em paralelo à circulação no Brasil, o longa de Kleber Mendonça Filho também segue no circuito internacional de festivais, trajetória que tem fortalecido a produção na corrida pelo Oscar.

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Além de ser considerada uma das favoritas à indicação na categoria de Melhor Filme Internacional, ela tem figurado como aposta de veículos especializados nas disputas de Ator, Direção, Roteiro Original e até Melhor Filme.

“Nesse momento já está sendo muito linda toda a campanha, mas chegar ao Oscar pode ser realmente um lugar de celebrar, de entender que a gente está fazendo um trabalho massa”, antevê Geane.

“O filme é muito digno, tem capacidade de ser indicado em qualquer categoria. A direção de arte é primorosa, o figurino é primoroso, os atores estão muito bem, tem um grande diretor”, confia Robério. 

“Essa campanha que ‘O Agente Secreto’ está fazendo fortalece imensamente a cadeia produtiva, a autoestima do cinema brasileiro e ajuda a abrir caminho para novas produções”, acrescenta o ator.

Percursos artísticos

Antes de chegarem neste momento, tanto Geane quanto Robério iniciaram os percursos artísticos no teatro cearense

Para ele, o início da relação com arte se deu ainda na infância, em Parambu. “Veio através do circo que chegava na cidade, os palhaços que passavam pela rua fazendo a divulgação. Era mágico, um encantamento”, recupera.

Assim como os filmes. Tinha o cineminha com os banquinhos dentro de um armazém improvisado. Ali eu assistia filmes de faroeste, de kung fu, e ficava com essa magia”, segue Robério.

Quatro homens, incluindo o ator Wagner Moura (ao centro, de camisa azul), estão reunidos em torno de uma cabine telefônica pública amarela ('orelhão') em um pátio. Os homens estão vestidos com roupas de época. À esquerda, o ator Ítalo Martins está de polo vermelha. Ao lado, de óculos escuros, gravata vinho, blusa social e terno estampados, está o cearense Robério Diógenes. À direita, Igor de Araújo, que está sorrindo.
Legenda: Pernambucano Ítalo Martins, cearense Robério Diógenes, baiano Wagner e alagoano Igor de Araújo em imagem de divulgação de "O Agente Secreto".
Foto: Divulgação.

Quando se mudou para Fortaleza para estudar no Colégio Militar, no começo da adolescência, aproveitou para se aproximar desse sonho. Encontrou o Curso de Arte Dramática da Universidade Federal do Ceará, a partir do qual enveredou na carreira.

No início dos anos 1980, estreou profissionalmente com o espetáculo “Blue Jeans”. Foi então que decidiu abrir mão do curso de Comunicação Social e enveredar na atuação.

“A partir daí, tinha certeza que era aquilo que queria para mim. A arte, o ofício do teatro e do ator estavam batendo na minha porta e aquilo era o que me movia”, considera.

No caso de Geane, o começo se deu também nos primeiros anos da adolescência. “Comecei a fazer teatro aos 12 anos com (a atriz) Georgina Castro, tive a sorte de encontrá-la no início da minha carreira. Ela dava aulas num polo de atendimento no município de Caucaia, no qual eu morava”, contextualiza.

Já nessa época, a atriz conheceu “companheiros de vida que até hoje fazem teatro”. Por volta de 2006, já em Fortaleza, Geane participou do Curso Princípios Básicos de Teatro, do Theatro José de Alencar. 

Ao mesmo tempo, já circulava com uma peça montada com os amigos do colégio, “Os Sinos”. “Foi um grande marco no início da minha carreira porque a gente viajava para festivais, ganhava prêmios”, lembra.

Com o espetáculo e o CPBT, decidiu deixar de lado a intenção de cursar Psicologia para entrar na primeira turma da licenciatura em Teatro do Instituto Federal do Ceará, em 2008. “Foi o que me deu tanto contato quanto conhecimento para poder decidir trilhar meu caminho profissional realmente nas artes cênicas”, demarca.

Reconhecimentos e projetos futuros

Para ambos os artistas, a experiência completa de “O Agente Secreto” é singular nas trajetórias, especialmente no que diz respeito ao reconhecimento dos pares e do público. Ainda mais especial, no Ceará.

Na avaliação de Robério, a presença no longa “dá um salto de possibilidade de trabalho”. A atuação como Euclides, ele considera, “pode ser um cartão de visita meu, do meu trabalho”. “Por isso digo que é o maior personagem, a maior oportunidade que um diretor pôde me proporcionar, ainda mais vindo de Kleber Mendonça”, celebra.

“Certamente é o auge da minha carreira, uma carreira traçada por mais de 20 anos. Estar nesse projeto nos dá muita visibilidade”, ecoa Geane. A atriz ressalta, ainda, os desafios para tal reconhecimento vindo a partir dos palcos.

“A gente vê investimento tanto do Estado quanto de outras iniciativas (para o audiovisual), que faz com que possamos ser capazes de produzir bons filmes, séries e celebrar nossa cultura. É bonito ver o Brasil valorizando e torcendo pela nossa cultura e nosso cinema”, inicia a atriz.

Retrato em preto e branco de Geane Albuquerque e Robério Diógenes. A mulher, à esquerda, sorri de forma vibrante, vestindo um vestido preto e botas. O homem, à direita, sorri levemente e veste jaqueta jeans e calças escuras, com o braço em volta do ombro dela. Ambos posam em frente a um fundo liso e claro.
Legenda: Cearenses de "O Agente Secreto", Geane Albuquerque e Robério Diógenes celebram a participação no premiado longa.
Foto: Nicolas Calligaro / Divulgação.

“Ele pode ser visto mais visto em massa do que o teatro. As pessoas precisam sair de casa para ver teatro, conhecer os seus artistas locais. Ainda é um grande desafio para a sociedade brasileira celebrar o teatro neste ponto”, avalia.

Um dos próximos projetos de Geane é, inclusive, com a Inquieta Cia., grupo de teatro, dança e performance de Fortaleza. “A gente tá no processo de feitura de um espetáculo chamado ‘Construção Civil’, que está com previsão de estreia para dezembro deste ano”, adianta.

Junto do projeto teatral, a cearense já tem novo longa para gravar no início de 2026, o primeiro no Ceará: a estreia no formato da diretora Natália Maia. Já Robério deve compor nova produção dirigida por profissionais da equipe técnica de “O Agente Secreto”, Matheus Farias e Enock Carvalho. 

Além dos impactos nas próprias carreiras, ambos destacam a relevância de representarem, eles próprios, também a cultura do Ceará. “A coisa mais legal é chegar em cada lugar e dizer ‘olha, sou cearense’. É um filme de muitos nordestinos, a gente vê uma pluralidade de muitos sotaques e temos dois cearenses”, ressalta a atriz.

Quatro pessoas sorrindo no palco de um cinema durante a pré-estreia do filme 'O Agente Secreto'. No centro, Robério Diógenes, um homem com camisa preta e um microfone, ri, ao lado de uma mulher de roupa branca, Geane Albuquerque também sorrindo. À esquerda, Cely Farias, uma mulher de vestido verde, também rindo. À direita, Fabio Rodrigues Filho, um homem de camisa branca de botões desabotoada no pescoço e calça escura. A tela ao fundo exibe o título do filme e a data '06 de novembro nos cinemas'.
Legenda: Robério Diógenes (ao centro, à esquerda, segurando microfone) e Geane Albuquerque (ao centro, à direita, de vestido branco) em pré-estreia de "O Agente Secreto" no Cinema do Dragão; à esquerda na foto, a atriz Cely Farias e, à direita, o curador Fabio Rodrigues Filho.
Foto: Ana Raquel S / Divulgação.

“O filme dialoga muito com o Brasil de forma geral, mas muito especialmente com o Nordeste. Eu e Geane estamos presentes representando o Ceará, dizendo que também estamos contando essa história”, dialoga Robério.

“A importância desse momento também é a de fortalecer o cinema nordestino e a da gente dizer que o cinema no Ceará também é potente. Temos a velha guarda e uma geração nova, diretores talentosíssimos, roteiristas, técnicos”, cita o ator.

“(Estar em 'O Agente Secreto') é também levar o Ceará, nossos artistas. É lindo ver isso acontecendo, muitas atrizes cearenses furando bloqueios geográficos e culturais. Poder estar nessa campanha representando o Ceará também é muito emocionante e prazeroso”, sustenta Geane.

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