Escolha de 'O Agente Secreto' ao Oscar reflete interesse público e boa safra do cinema brasileiro
Burburinho no processo de escolha do representante brasileiro no Oscar, feita pela Academia Brasileira de Cinema (ABC), evidencia movimentos da produção nacional
A escolha do premiado longa “O Agente Secreto” como representante do Brasil para a categoria de Melhor Filme Internacional do Oscar 2026 ,anunciada nesta segunda (15) pela Academia Brasileira de Cinema (ABC), encerrou um intenso debate nas redes sociais e veículos de imprensa que pôs em polos antagônicos o filme de Kleber Mendonça Filho e “Manas”, de Marianna Brennand, ao longo da última semana.
Entre excessos, rumores e torcidas, a abrangência das discussões sobre o processo de escolha neste ano — na esteira da inédita vitória do País no prêmio com “Ainda Estou Aqui”, em março — pode ser encarada como sintoma de dois movimentos irmanados: o potencial de interesse do público nas obras nacionais e a boa safra de produção.
Escolhida por uma comissão de 15 profissionais do audiovisual ligados à ABC, a produção pernambucana “O Agente Secreto” reuniu qualidade, força para campanha e apoio suficientes para tentar trazer um segundo troféu na próxima edição do prêmio.
Veja também
Com distribuição da Neon — empresa responsável pela campanha do grande vencedor do Oscar desta edição, “Anora” —, dois prêmios oficiais no Festival de Cannes e reconhecimento internacional do protagonista Wagner Moura, o filme de Kleber foi considerado “favorito” desde o começo do processo.
No entanto, movimentos recentes de apoios internacionais e nacionais ao primeiro longa de ficção de Marianna — incluindo sessão nos EUA com Sean Penn e Julia Roberts e até carta aberta assinada por CEOs de 70 empresas brasileiras — alavancaram a narrativa de possível “zebra”.
A situação escalonou e, inclusive, se desenvolveu em acusações de “lobby”, desinformação e outros aspectos excessivos.
“Manas”, no entanto, era uma entre um total de seis produções que poderiam ser escolhidas pela comissão de seleção neste momento. A lista anterior, de habilitados, tinha 16 filmes, incluindo o cearense “A Praia do Fim do Mundo”.
Elogiados longas como “Malu”, “Homem com H”, “Baby”, “O Último Azul” e “Oeste Outra Vez”, com respectivas premiações nacionais e internacionais, também constaram na listagem.
Disputa de torcidas nas redes
No meio do “Fla x Flu” — como membros da comissão de seleção adjetivaram a situação após o anúncio oficial —, a atriz Fernanda Torres, protagonista de “Ainda Estou Aqui”, viu uma postagem celebratória sobre “Manas” ser interpretada como exemplo do “lobby” em prol do filme no processo de escolha.
Rapidamente, tratou de compartilhar vídeos e celebrações de outras obras no páreo e, ainda, gravar um depoimento celebratório, acima de tudo, do cenário da produção nacional.
“Antes de tudo, eu tô muito feliz com a safra de cinema desse ano no Brasil. Filmes incríveis, diferentes (...). A gente só tem a comemorar, porque o cinema brasileiro de vez em quando morre, mas ele renasce. Aí, quando ele renasce, ele vem com essa força, é uma fênix”
A mesma Fernanda Torres, antes mesmo de ser indicada ao Oscar por “Ainda Estou Aqui”, já havia falado sobre o orgulho do brasileiro ao ver o reconhecimento público daquilo que lhe pertence.
“Quando alguém fura a fronteira e leva algo que nos é pessoal para fora, é essa espécie de sentimento de ‘olha o que a gente tem de rico’”, definiu a atriz em entrevista concedida em novembro de 2024.
O envolvimento do público brasileiro com a campanha do filme de Walter Salles demonstrou a força do potencial desse engajamento orgulhoso — visto também, é possível apontar, no abrangente interesse inédito no processo de escolha do representante deste ano.
Entre diferentes papeis, práticos ou simbólicos, premiações como o Oscar funcionam como vitrine. Após o reconhecimento do Brasil neste ano, é natural que os holofotes em cada passo até a edição do ano que vem se intensifiquem.
Veja também
O escalonamento acusatório surgiu como efeito colateral, altamente indesejado. Há outro lado da moeda, porém, quiçá utópico: é possível transformar a celeuma em público brasileiro para os 16 filmes da lista inicial da ABC? Mais: é possível que outras produções do País sejam alavancadas junto?
Dados divulgados pela Agência Nacional de Cinema (Ancine) mostra que, em 2025, o público de filmes brasileiros cresceu 21,1% em relação ao mesmo período de 2024, com destaque não apenas para “Ainda Estou Aqui”, mas também “O Auto da Compadecida 2”, “Chico Bento e a Goiabeira Maraviosa”, “Vitória” e “Homem Com H”.
Para que o cenário sonhado de repercussão e público se concretize, ressalte-se, segue importante que os longas ocupem as salas de forma justa, que pautas como a necessária regulamentação de streamings sejam aprovadas. Engajamento e identificação do público, vê-se, já estão garantidos.
Quais as fases para conseguir indicação ao Oscar?
O processo interno foi apenas o passo inicial para que o filme de Kleber, nos próximos meses, se viabilize para emplacar presença na lista final de indicados ao Oscar de Melhor Filme Internacional.
Agora, “O Agente Secreto” irá disputar com dezenas de produções de todo o mundo submetidas à Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, que realiza a premiação, pelos respectivos países.
Até o fechamento deste texto, outras 49 nações já tinham anunciado os representantes. Esses 50 filmes farão campanha junto aos integrantes da AMPAS, na sigla em inglês, um processo necessário para que o filme seja visto e, então, votado.
As próximas fases incluem a divulgação de uma lista de 15 longas “pré-finalistas” da categoria no dia 16 de dezembro e, então, o anúncio dos cinco indicados finais em 22 de janeiro de 2026. A cerimônia de premiação está prevista para 15 de março de 2026.
Além da disputa de Melhor Filme Internacional, "O Agente Secreto" pode ser indicado a outras categorias. Veículos dos EUA já citam o nome de Wagner Moura como possibilidade em Melhor Ator, por exemplo.
Kleber Mendonça Filho também vem sendo cogitado como indicado em Melhor Roteiro Original e o próprio longa consta como provável indicado a Melhor Filme.