‘O Auto da Compadecida 2' se apoia em nostalgia e carisma do elenco, mas fica à sombra da primeira parte

Com estreia marcada para 25 de dezembro, continuação do filme de 2000 retoma personagens e estrutura da trama original

(Atualizado às 12:35, em 13 de Dezembro de 2024)
'O Auto da Compadecida 2' acompanha novos planos e histórias de Chicó (Selton Mello) e João Grilo (Matheus Nachtergaele)
Legenda: 'O Auto da Compadecida 2' acompanha novos planos e histórias de Chicó (Selton Mello) e João Grilo (Matheus Nachtergaele)
Foto: Laura Campanella / Divulgação

“Esse filme eu já vi”, diz um personagem-chave de “O Auto da Compadecida 2” a determinada altura da obra. A frase surge no roteiro na chave do humor, mas acaba se tornando simbólica a ponto de resumir em si os prós e os contras da sequência do sucesso lançado em 2000 e baseado na obra de Ariano Suassuna.

Ao passo que retomar personagens como os carismáticos Chicó (Selton Mello) e João Grilo (Matheus Nachtergaele), bordões reconhecidos ainda hoje e até estruturas narrativas completas conquista pela nostalgia e familiaridade, há, também, uma sensação constante de repetição sem o brilho da obra original.

Com estreia marcada nos cinemas brasileiros para o dia 25 de dezembro, a continuação narra o reencontro de João Grilo e Chicó após décadas de separação.

Veja também

O primeiro desapareceu há 20 anos da cidade de Taperoá, enquanto o segundo lá permaneceu para recontar a história de ressurreição do amigo e esperar notícias da também sumida esposa Rosinha (Virginia Cavendish).

A volta de João Grilo impacta a cidade de diversas formas, seja pela devoção do povo ao milagre concretizado por Nossa Senhora ou pelo interesse dos dois principais candidatos à Prefeitura do município pelo cobiçado e “abençoado” apoio eleitoral do ressuscitado.

A disputa é apenas uma desculpa para João Grilo se aproveitar da situação e tentar se dar bem com os dois lados, sempre puxando Chicó para o meio das confusões.

João Grilo (Matheus Nachtergaele, no meio) se envolve em confusão eleitoral com os candidatos Coronel Ernani (Humberto Martins, à esquerda) e Arlindo (Eduardo Sterblitch) no longa
Legenda: João Grilo (Matheus Nachtergaele, no meio) se envolve em confusão eleitoral com os candidatos Coronel Ernani (Humberto Martins, à esquerda) e Arlindo (Eduardo Sterblitch) no longa
Foto: Laura Campanella / Divulgação
 

O roteiro é criação original para a sequência, tendo sido escrito pelo co-diretor Guel Arraes e João Falcão com colaboração de Adriana Falcão e Jorge Furtado, uma vez que Suassuna não produziu continuação oficial da obra.

Há, sim, autorreferências deliberadas — como as citações aos célebres bordões “não sei, só sei que foi assim” e “fica rico, fica pobre” —, mas as citações ao primeiro filme vão além da homenagem e acabam espelhando, até, a estrutura narrativa. 

Decerto, novos contextos e personagens são adicionados na produção, mas elementos e situações do roteiro são tão facilmente identificáveis que demonstram a dificuldade de construir à sombra de obras de repercussão tão grande quanto as de Suassuna e o primeiro longa.

Gravações da sequência de 'O Auto da Compadecida' ocorreram em estúdio, escolha que traz questões estéticas à obra
Legenda: Gravações da sequência de 'O Auto da Compadecida' ocorreram em estúdio, escolha que traz questões estéticas à obra
Foto: Laura Campanella / Divulgação

Cenário artificial 

“Sombra”, inclusive, é termo escolhido aqui para abrir espaço, também, para um dos problemas mais flagrantes de “O Auto da Compadecida 2”. As gravações da produção ocorreram em estúdio, opção que evidencia um caráter mais artificial. 

O fato não seria, em si, um porém. A escuridão em muitas sequências e cenas, no entanto, certamente o é. Poder-se-ia justificá-la como também “escolha estética”, mas as sombras até nos rostos dos personagens dificultam ver o que de fato está acontecendo.

É a inserção de novas figuras — como os candidatos Coronel Ernani (Humberto Martins) e Arlindo (Eduardo Sterblitch), o malandro Antonio do Amor (Luis Miranda) e a filha do coronel Clarabela (Fabíula Nascimento) —  um dos acertos do filme — mais pelo carisma do elenco do que pela proposta narrativa em si, diga-se.

Antonio do Amor (Luis Miranda) é uma das adições do longa ao universo de Ariano Suassuna
Legenda: Antonio do Amor (Luis Miranda) é uma das adições do longa ao universo de Ariano Suassuna
Foto: Laura Campanella / Divulgação

Outro acerto, ligado a este já citado, é o coletivo de atuações no longa. “O Auto da Compadecida 2” é, em essência, uma comédia e os trabalhos de corpo e timing dos novos nomes do elenco contribuem para a construção do gênero.

As composições de destaque, porém, ficam mesmo para a conhecida e querida dupla protagonista. Matheus Nachtergaele é, sem revelar detalhes da trama, demandado de “formas diferentes” pela sequência. 

Já assistir a Selton Mello como o “frouxo” e terno Chicó ao mesmo tempo em que está em cartaz seu Rubens Paiva, do premiado “Ainda Estou Aqui”, cria diálogos interessantes sobre as qualidades do ator.

São justamente Chicó, João Grilo, Rosinha, Joaquim Brejeiro (Enrique Díaz), os novos personagens e, acima de tudo, a reverência a Ariano Suassuna que sustentam “O Auto da Compadecida 2”. Reconhecer tais elementos ajuda, mas a experiência completa esbarra nas citadas "sombras" reais e simbólicas.

Confira o trailer

O Auto da Compadecida 2

Este conteúdo é útil para você?
Assuntos Relacionados