Sabia que existe uma Paris no sertão cearense? Documentário explica por que Icó é mais francesa que você imagina
Produção integra a série “Ceará Francês” e mostra os motivos pelos quais Icó foi decisiva para o desenvolvimento do Estado e como a cidade mantém a paisagem afrancesada até hoje

Não precisa percorrer sete mil quilômetros para chegar à França. A quatro horas de Fortaleza, está a Paris do Sertão. Essa, pelo menos, é a forma como ficou conhecido Icó, município do interior cearense no epicentro de um documentário que resgata as raízes francesas em solo alencarino – e é incrível a constatação do quanto somos imersos nessa cultura.
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“Icó, a Paris do Sertão” surpreende pela quantidade de detalhes franceses presentes no horizonte icoense. Está em tudo: arquitetura, divisão territorial, costumes e até mesmo na moda. “Visitar a cidade hoje é voltar um pouquinho no tempo e entender como ela era bonita e permanece assim. Mais ainda: é saber que o povo tem esse sentimento de pertencimento”.
Quem fala é Roberto Bomfim, documentarista à frente do trabalho junto ao diretor de fotografia Eduardo Barros. Há mais de 10 anos ele desenvolve o projeto de pesquisa “Ceará Francês”, o qual busca celebrar a história e influências culturais francesas ainda vivas nas diferentes regiões do Estado. No caso de Icó, há vários elementos curiosos e importantes.
Para começar, a cidade – cujo nome tem origem indígena e significa “rio da roça” – tem 342 anos de história (mais antiga que Fortaleza) e nasceu como uma tribo tapuia pertencente à nação Kariri. Esse povoado habitava as margens do rio Salgado e, com o tempo, presenciou a chegada de duas famílias, Fonseca e Monte, responsáveis pelas primeiras movimentações.
Icó prosperou sobretudo devido a duas estradas gerais que integravam diretamente os fluxos econômicos nacionais. Resultado: chegou a ser a maior cidade da província do Ceará, atingindo o posto de capital entre outubro de 1823 e janeiro de 1824. Os primeiros indícios da influência francesa foram conferidos a partir de viagens dos filhos dos grandes fazendeiros. Ao retornar para casa depois de estudar em Paris, traziam conhecimentos e costumes.

Mas o verdadeiro divisor de águas nesse panorama foi mesmo Pedro Théberge. Tão logo desembarcou no Ceará, o médico e historiador francês encantou-se com a terra e quis fazê-la prosperar. Torná-la uma Paris. Pouco a pouco, convocando mais pessoas para perto, o visionário europeu conseguiu e fez história.
Onde encontrar a França em Icó
Essa fartura de informações é apresentada de forma atraente no documentário, com quase 24 minutos de duração. Nele, são entrevistados nomes como o pesquisador e memorialista icoense Altino Afonso Medeiros. O estudioso se debruça sobre a história do município há décadas e carrega na fala diversas curiosidades acerca do objeto de mergulho.
Segundo ele, a alcunha “Icó, a Paris do Sertão” foi cunhada pelo jornal Pedro II, editado em Fortaleza, em março de 1861, e segue até hoje – haja vista a força francesa na cidade. “Théberge veio para o Ceará e fez um resgate da história do Estado desde os primórdios, produzindo pesquisa primária, documentos. Entre outras coisas, ele desenhou o mapa cartográfico da província do Ceará, ainda hoje uma referência”, diz Altino.

Outras contribuições seminais de Théberge foram a construção do teatro da cidade, o Teatro da Ribeira dos Icós, considerado o primeiro do Ceará – erguido em estilo neoclássico com inspiração palladiana; cemitério; açudes; e o Largo do Théberge, o maior centro comercial da província à época. Falecido a 8 de maio de 1864, o francês deixou inestimável herança.
“O documentário recupera esse legado francês no Ceará, mostrando como essa presença fez com que Icó se transformasse em um local lindo – que, segundo a tataraneta de Pedro Théberge, foi uma das cidades com mais pianos no Brasil no século XIX. Antes da Belle Époque em Fortaleza, Icó já se transformava nessa cidade”, situa Roberto Bomfim.
O futuro de Icó
A partir de um passado e presente tão amplos, a produção audiovisual também se pergunta para onde caminha o futuro de Icó. São os próprios moradores que respondem. O bordado, por exemplo, é arte que deve seguir por anos encantando pessoas de dentro e de fora do município – sobretudo por possuir um estilo específico, o rococó, assinatura genuinamente franco-icoense. A potencialidade da energia solar também é outra aposta para o devir.
Por sinal, um dos maiores méritos de “Icó, a Paris do Sertão” é exatamente esse: com cuidado, objetividade e precisão, o documentário passeia por todas as questões mais relevantes da história do município – do nascimento e desenvolvimento à derrocada enquanto potência econômica cearense – de modo a despertar o interesse e a valorização do lugar.

“E há franceses retornando à cidade por meio da empresa Qair Brasil, parceira da produção do documentário. O que eles estão fazendo por Icó é entender que o município tem muito futuro, e hoje o futuro é a energia eólica, solar. Por isso, para mim, essa Paris do Sertão continua, e poucas pessoas sabem disso. Mas, se elas forem a Icó a turismo e já tiverem essa informação, o olhar é diferente”, acredita Bomfim.
Lançado no dia 31 de janeiro – em celebração aos 200 anos das relações diplomáticas entre Brasil e França, completos em 2025 – o documentário está disponível no YouTube e é o primeiro da série “Ceará Francês”, com nove episódios. Os próximos serão sobre a influência francesa em Fortaleza e, na sequência, na Ibiapaba, tendo como foco os municípios de Viçosa, Sobral e Camocim.