Ceará ganha primeira graduação em cinema do interior com curso da UFCA previsto para 2027
Curso de Cinema e Audiovisual da Universidade Federal do Cariri marca avanço na interiorização de formação na área no Estado
Após mais de 10 anos desde a primeira proposta de criação de uma graduação em Cinema e Audiovisual na Universidade Federal do Cariri (UFCA), a instituição de ensino sediada em Juazeiro do Norte finalmente ganhará o esperado curso, com previsão da primeira turma para 2027.
A futura graduação, que terá foco em educação, será a segunda em uma universidade pública federal no Ceará e a primeira do interior do Estado. A nível regional, será somente a segunda em uma cidade interiorana no Nordeste.
Para esta coluna, professores e pesquisadores apontam os ganhos dessa conquista para o cinema e a educação no Estado, que incluem a interiorização de formação continuada em audiovisual e a ampliação de oportunidades de inserção profissional.
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Demanda por graduação em Cinema no Cariri começou em 2014
A novidade foi anunciada no evento Cariri é Cinema: I Encontro de Cinema e Educação da UFCA, realizado há duas semanas na Universidade pelo projeto de extensão Corte Seco Revista, do curso de Jornalismo da UFCA.
A luta em prol da oficialização do curso, porém, vem desde o começo da trajetória de autonomia da instituição, criada oficialmente em 2013.
“(Na época), vários projetos de novos cursos foram apresentados. Então, em 2014, já existia uma primeira proposta de criação de uma graduação em Cinema e Audiovisual. Naquele momento, outros cursos tiveram prioridade de criação e a ideia arrefeceu”, recupera Rodrigo Capistrano, professor de jornalismo da instituição, coordenador adjunto da Corte Seco e um dos articuladores do movimento.
Outra tentativa de implantar a graduação ocorreu entre 2018 e 2019, “porém esbarramos em cortes orçamentários do Governo Federal e na pandemia da COVID-19”, segue o professor.
Em “novo momento de expansão”, a criação de cursos voltou ao debate da comunidade acadêmica em 2023 e a demanda pela graduação em Cinema e Audiovisual se intensificou a partir de “um processo de mobilização dentro e fora da comunidade acadêmica”.
Mobilização para criação do novo curso
Ao longo de 2024, projetos de cultura e extensão ligados ao cinema foram intensificados e a produção audiovisual já desenvolvida por alunos e egressos foi mais visibilizada. Outras ações envolveram a articulação de diálogos com cineastas, instituições culturais, gestores e políticos de todo o Estado.
“Nos últimos meses, fizemos reuniões com a gestão superior da universidade falando sobre a importância do curso, desenvolvemos um abaixo-assinado que teve como título ‘O Cariri merece uma graduação em Cinema’, que alcançou quase mil assinaturas, conseguimos marcar com o deputado estadual Guilherme Sampaio uma audiência pública para debater a criação do curso”
A audiência pública citada encerrou o encontro Cariri é Cinema e foi nela que o reitor da UFCA Silvério Paiva anunciou a garantia da criação do curso para 2027.
Coordenadora da Corte Seco e também professora do curso de Jornalismo da UFCA e articuladora da mobilização, Isadora Rodrigues explica que “o anúncio feito pelo reitor indica que, a partir das articulações com o MEC, o curso terá o apoio necessário para sua abertura, incluindo a liberação de códigos de vagas para professores e técnicos”.
“O próximo passo será a elaboração do Projeto Pedagógico do Curso (PPC), conduzido por uma comissão formada por professores e técnicos da UFCA, além de colaboradores da UFC e da UFF”, avança.
A professora destrincha que a proposta do PCC, uma vez finalizada, passará por análise e aprovação da Pró-Reitoria de Graduação, depois pela Câmara Acadêmica e, finalmente, pelo Conselho Universitário da UFCA.
“A previsão é que o projeto seja aprovado no Consuni nos primeiros meses de 2026, permitindo sua oferta no SISU (Sistema de Seleção Unificada) de 2027, que utiliza as notas do ENEM de 2026”, prevê.
Graduação terá foco em educação
Diferentemente do curso da UFC, a graduação em Cinema e Audiovisual da UFCA será uma licenciatura. Conforme Isadora, somente outras duas graduações desse tipo são ofertadas no Brasil, ambas no Rio de Janeiro (UFF e UERJ).
O foco do curso na instituição caririense, ressalta a professora, será “na formação de educadores de cinema e audiovisual”. “Os egressos poderão atuar na Educação Básica, no Ensino Superior, em escolas e cursos livres de cinema e audiovisual, oficinas e práticas educativas em museus, cineclubes e outros espaços culturais”, elenca.
A graduação deve ter ainda espaço para pesquisa e “não perde de vista a dimensão prática e criativa do audiovisual, abrigando disciplinas técnicas e ateliês de realização pensando em processos de realização mais coletivos e transversais”, acrescenta.
A ampliação de oportunidades de inserção profissional a partir do futuro curso é outro ponto abordado por Isadora. “O mercado para o ensino do audiovisual tem se expandido em escolas, centros culturais e projetos sociais. Assim, o curso contribui para consolidar o Cariri como polo cultural e formativo”, acrescenta.
Para o pesquisador Marcelo Ikeda, professor do curso de Cinema e Audiovisual da Universidade Federal do Ceará (UFC), a escolha pela modalidade de licenciatura desponta como potencial diferencial para a UFCA.
“São pouquíssimos os cursos de licenciatura em Cinema e Audiovisual no Brasil. Esse curso já tem um perfil que é complementar a outras formações de cinema e audiovisual, da Unifor e da UFC, que são bacharelados”, explica.
O pesquisador sublinha, ainda, a importância da aproximação das dimensões do cinema e da educação a partir da lei nº 13.006, que prevê a exibição de filmes brasileiros nas escolas.
Procurado pela coluna com demandas sobre o acompanhamento e atuação no processo de criação da graduação e, também, os ganhos da oficialização do curso, o Ministério da Educação afirmou que “reconhece que a mobilização representa um esforço pela expansão do ensino superior público, gratuito e de qualidade, marca da rede de universidades federais brasileiras”.
Avanço na interiorização
A citada expansão é destacada por Ikeda no recente livro “Panorama do Mercado Audiovisual do Nordeste”. Na publicação, que aborda diferentes frentes de mercado, a criação de diferentes cursos de graduação na área desde os anos 2000 é mapeada.
“(Antes) só existiam universidades públicas de cinema no Rio, São Paulo e Brasília. No Nordeste inteiro, se alguém quisesse estudar cinema teria que necessariamente ir para (lá). A partir de 2005, com programas do governo Lula, houve a expansão das universidades federais e, com isso, de cursos de arte de cultura, cinema e audiovisual”
No mapeamento da publicação, a Bahia é destaque com duas graduações no interior do Estado, sendo uma na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), no município de Cachoeira, e outra na Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB), em Vitória da Conquista.
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O curso na UFCA, então, é apenas o segundo de uma instituição federal que será implantado em uma cidade do interior nordestino. “A criação representa um avanço significativo para o cinema cearense e para a interiorização da formação em audiovisual no Nordeste”, sustenta Isadora.
“Com a licenciatura em Cinema e Audiovisual no Cariri, o Ceará passa a oferecer formação superior continuada em um território que já possui uma produção pulsante, marcada pela atuação de cineclubes, mostras e festivais, coletivos e novos realizadores. Isso representa o reconhecimento de uma história centenária de cinema e a abertura de novas possibilidades para as próximas gerações”
Para Ikeda, a graduação se insere em um cenário “potencial de crescimento no interior dos estados”. “Um curso de graduação numa universidade federal certamente é um elemento importante nesse contexto”, aponta, pela “possibilidade de formação continuada”.
“Alguns cursos estaduais, municipais ou livres sofrem com descontinuidades por conta de carências nesse fluxo de financiamento. Numa universidade federal, você tem uma perspectiva mais estável”
Na visão do pesquisador, a oficialização da graduação ainda depõe sobre a importância de investimentos em áreas formativas.
“A gente sabe que a política pública, historicamente no Brasil e também no Ceará, é muito concentrada na produção de obras, então investimentos na formação são fundamentais para o desenvolvimento da cadeia produtiva de forma mais integrada, articulada, especialmente no interior do estado”, sustenta.
Um exemplo dessa integração é o curso da UFRB, já citado pelo pesquisador e ressaltado por ele como uma experiência de “participação expressiva no audiovisual brasileiro”.
No âmbito da graduação do Recôncavo Baiano, Ikeda destaca experiências como o Cachoeira.Doc, festival voltado de documentários que contribuiu com o espaço de exibição e reflexão da produção independente do País, e a formação de realizadores de relevância nacional, como Glenda Nicácio e Ary Rosa, diretores do premiado “Café com Canela” (2017).
“Esse é um exemplo dos frutos de uma universidade no interior do Nordeste. A UFCA, com opções e caminhos diferentes, tem tudo para também contribuir nesse processo de crescimento e diversificação do audiovisual brasileiro”, antevê o pesquisador.