Avó lê ‘Crepúsculo’ pela primeira vez aos 90 anos e se apaixona

Lourdinha Reis é natural do Maranhão e já confessou ser team Edward.

Escrito por
Diego Barbosa diego.barbosa@svm.com.br
Na imagem, uma idosa, identificada na legenda como Dona Lourdinha Reis, de pele clara, cabelos brancos presos em um coque e óculos redondos, sorri enquanto segura um livro contra o peito com as duas mãos. Ela está vestindo uma blusa de manga curta com estampa floral verde e rosa sobre um fundo verde escuro e uma saia marrom de comprimento médio. O livro que ela segura é o primeiro volume da série Crepúsculo, com a capa que apresenta duas mãos segurando uma maçã vermelha. Ela está em pé na frente de uma parede com azulejos brancos e beges com um padrão floral repetitivo. A luz está clara, provavelmente natural.
Legenda: Trama protagonizada por Bella, Edward e Jacob tem sido o chamego de dona Lourdinha Reis nos últimos meses.
Foto: Arquivo pessoal.

Esqueça livros de autoajuda ou de cunho espiritual. Sentadinha no terraço, entre plantas e a luz da manhã, dona Lourdinha Reis acompanha nada mais, nada menos, que a história protagonizada por Bella, Edward e Jacob. Aos 90 anos, a senhora nordestina, moradora de São Luís, no Maranhão, lê a Saga Crepúsculo pela primeira vez, e adora a trama.

“Estava procurando algo novo para ler, e meus netos tinham a saga inteira em casa. Comecei recentemente, tem dois meses que comecei a acompanhar. Minha neta me apresentou, me deu o livro, e agora estou lendo e amando”, conta, adiantando que é Team Edward.

Ela ainda não tem um volume favorito – afinal, agora finaliza a segunda parte da série, “Lua Nova” – mas ressalta apreciar a leitura de romances. Gostou bastante desse novo universo com vampiros, humanos e lobisomens. “Fiquei encantada com os personagens.  A cena em que Edward conta que é um vampiro para Bella é minha preferida”.

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A afeição pelo enredo foi tão grande que transbordou as páginas. Tão logo concluiu a leitura de “Crepúsculo”, o primeiro da saga, dona Lourdinha correu para a TV a fim de assistir à adaptação cinematográfica, com Kristen Stewart, Robert Pattinson e Taylor Lautner no elenco. A experiência foi aprovada, mas com ressalvas.

“Preferi o livro por conta dos detalhes. Tem momentos entre os personagens, sobre os relacionamentos deles, que o filme não conseguiu expressar. Agora, quando finalizar a leitura de ‘Lua Nova’, vou assistir ao filme e farei assim com os outros também”.

Como começou o amor pelos livros

Natural de São João dos Patos, município do interior do Maranhão, Lourdinha Reis é a segunda mais velha de 11 irmãos. Sempre gostou de cuidar. Tomava conta dos irmãos menores e lembra de, em casa, ter um circo. “Eu era a trapezista, fazia drama e, como ninguém queria ser, acabava sendo a palhaça também”, recorda, aos risos.

Passada essa época, mudou de cidade durante a adolescência – algumas vezes para estudar – até chegar na capital do Maranhão, São Luís, onde mora até hoje. No lugar, também fez curso de Contabilidade, conheceu o marido, teve três filhos e oito netos e, na pandemia, uma das netas, Mariana Luz, a incentivou a gravar conteúdos para a internet.

Na imagem, uma foto em close de Dona Lourdinha Reis, a fã sênior da saga Crepúsculo, sorrindo, vestindo uma roupa moderna e casual em um dia ensolarado ao ar livre. Ela tem cabelos brancos curtos e óculos de sol com lentes azuis claras. Ela está vestindo uma camiseta preta com a imagem de Edward Cullen (interpretado pelo ator Robert Pattinson) em uma moldura de coração laranja. Acima da imagem, lê-se
Legenda: Dona Lourdinha Reis é declaradamente team Edward.
Foto: Arquivo pessoal.

“Assim, redescobri minha alma de artista que estava guardada desde a infância”. A leitura entrou na rota desse circuito – inserida em uma rotina que envolve cafezinho da tarde, atividades em grupo de idosos, caça-palavras e passear pela cidade.

Uma vez adorar conhecer novos mundos, dona Lourdinha tem facilidade para viajar na história dos personagens, e reconhece que o hábito faz muito bem para a própria saúde mental, além de auxiliar na memória.

Na imagem, uma foto em close de Dona Lourdinha Reis, de pele clara e cabelos brancos, sentada em uma cadeira de madeira em um ambiente interno. Ela está usando óculos de grau e tem uma expressão serena e um leve sorriso. Ela abraça um livro de capa vermelha com a ilustração de uma jovem ruiva no campo. O título do livro é Anne de Green Gables, de Lucy Maud Montgomery. Ela está vestindo uma camiseta branca com uma estampa centralizada de uma mulher de cabelo ruivo com tranças e uma coroa de flores. Abaixo da imagem, um banner diz:
Legenda: Além da Saga Crepúsculo, a série que ocupa o coração da nonagenária é “Anne de Green Gables”.
Foto: Arquivo pessoal.

Além da Saga Crepúsculo, a série que ocupa o coração da nonagenária é “Anne de Green Gables”, escrita pela canadense L. M. Montgomery. O contato com esse tipo de literatura, originalmente voltada para o público adolescente, faz com que a senhora pulse ainda mais vida. “Tenho 90 anos, mas me sinto jovem”, celebra.

“Entrar nesse novo universo está me fazendo descobrir sentimentos incríveis. A história dos personagens, a leitura com detalhes e sintonia entre o universo escrito e os personagens é o que faz um bom livro. A dica para quem quer começar a ter frequência de leitura é iniciar por algo que você goste, se identifique, e depois ir além, explorando outros conteúdos”.

Benefícios da leitura

Estimular o cérebro, reduzir o estresse e melhorar o humor são alguns dos atributos extraordinários da leitura, o que contribui para preservar o senso pessoal de propósito e identidade. Quem contextualiza é Hugo Iglesias Torres de Moraes, psicólogo clínico e neuropsicólogo. Segundo ele, há diversos estudos sobre o assunto.

“Eles mostram que esse pode ser um hábito fundamental para a proteção contra o declínio cognitivo e uma proteção a mais para o emocional, muitas vezes dando até um senso de boa e velha companhia”. Caso a prática ganhe constância, pode até integrar processos de proteção contra questões mais sérias, a exemplo de depressão e isolamento social.

Socialização por meio de clubes de livros, conversas estimulantes e novas trocas e conexões é exemplo claro desse alcance coletivo do ato de ler. “A leitura ativa áreas relacionadas à linguagem, memória, atenção, percepção e imaginação, fortalecendo conexões neurais e estimulando a neuroplasticidade, ou seja, a capacidade do cérebro de se reorganizar e criar novas conexões”, situa Hugo.

A leitura estimula o que a Psicologia chama de reserva cognitiva – tipo de proteção que ajuda o cérebro a resistir melhor aos efeitos naturais do envelhecimento e até de doenças neurodegenerativas. Também melhora a fluidez verbal, o raciocínio e a memória de trabalho, funcionando mesmo como uma academia mental, que nos mantém afiados. 

“Em linhas gerais, quanto mais se lê, mais se é desafiado a compreender, imaginar e relembrar. Isso mantém nossas sinapses vivas, preservando nossas capacidades mentais”, explica o neuropsicólogo. 

Leitura versus estímulos digitais

Embora a par de todas as vantagens proporcionadas pelo ato, é praticamente senso comum o quanto a dedicação à leitura tem sido desafiadora e cada vez mais rara nos dias de hoje. No labirinto de telas, ela se torna atividade de resistência por exigir concentração, continuidade e reflexão – qualidades cada vez mais incomuns.

O psicólogo Hugo Iglesias, por sua vez, ressalta: o hábito melhora a atenção, o foco e a paciência mental, ajudando o leitor a desacelerar e a se reconectar com o próprio tempo interno. “Outra coisa que essa resistência pode ajudar é na empatia, ampliada por meio do entendimento de diferentes pontos de vista, contribuindo para melhor regulação emocional”.

Na imagem, uma foto de close de Dona Lourdinha Reis, de pele clara e cabelos brancos puxados para trás com uma tiara preta, concentrada na leitura de um livro. Ela está sentada em uma poltrona estofada e veste uma blusa com estampa abstrata nas cores laranja e amarelo. O livro está aberto em primeiro plano, com parte de uma imagem de uma mulher ruiva na capa visível. Ao fundo, em uma parede de cor creme, há duas peças de arte emolduradas: à esquerda, um quadro simples de tom claro com escrita sutil; à direita, um quadro de madeira mais grosso com uma decoração em azul escuro e um barquinho de origami branco.
Legenda: Segundo psicólogo, leitura melhora a atenção, o foco e a paciência mental.
Foto: Arquivo pessoal.

Isso acontece sobretudo com a leitura de ficção, a exemplo da Saga Crepúsculo, acompanhada por dona Lourdinha Reis. Nessa categoria literária, adentramos em novas atmosferas, na cabeça do autor. Entender o drama de um livro assim nos tira da ambição, da unilateralidade e da intencionalidade de nossa era com tendências superficiais.

“Essa serenidade representa, portanto, um cultivo interior. Ela aprofunda o pensamento, amplia a empatia e reforça comportamentos mais humanos e reflexivos, o que beneficia não apenas os idosos, mas todas as faixas etárias”, completa Hugo.

Família unida pela literatura

Artista visual e criadora de conteúdo, Mariana Luz – conhecida como Mari Vida ilustrada – comemora o fato de dona Lourdinha se interessar pela leitura. Foi a neta quem teve a ideia de apresentar à avó os volumes da Saga Crepúsculo. Nesse caminho, duas surpresas se sobressaíram: o amor da senhora pela história e a repercussão nas redes sociais.

“Fiquei surpresa com a interação. E vi que a leitura pode atravessar gerações e alcançar todas as idades. Minha avó é tudo pra mim. Ela me criou junto com meu avô. Meus pais se separaram cedo, e eu e meu irmão fomos morar com nossos avós maternos. Digo que nossa conexão vem antes da maternidade, ela é minha melhor amiga e minha pessoa nesse mundo”.

Na imagem, uma selfie vertical em que Dona Lourdinha Reis e uma mulher mais jovem estão lado a lado, sorrindo para a câmera em um dia ensolarado. Dona Lourdinha, de pele clara e cabelo branco, usa uma blusa marrom claro com bolinhas pretas e um batom vermelho vibrante. Ela também está usando um relógio de pulso prateado e brincos pequenos. A mulher mais jovem tem cabelo castanho-avermelhado e está usando uma camiseta azul vibrante e batom vermelho. Ela tem uma tatuagem no braço esquerdo que parece dizer
Legenda: Dona Lourdinha e a neta, Mariana Luz, compartilham o gosto pela leitura e pela amizade.
Foto: Arquivo pessoal.

Por sinal, a própria dona Lourdinha influenciou Mari. Desde que a neta se entende por gente, a avó sempre está com um livro na mão. “E ela lê rápido, viu?”, gargalha. “Não moro mais com ela, mas quase todo dia estou com ela, gravando, levando pra fazer alguma atividade ou passando um tempo de qualidade juntas”.

Nesse cotidiano de carinho e amor, sobram aprendizados. Um dos principais é que idade é apenas um número, e que a energia está nas nossas escolhas. Sempre é possível descobrir, fazer algo novo, arriscar ou até resgatar sonhos esquecidos ou engavetados. 

“Ela me ensina diariamente que nunca é tarde para ser o que você quiser ser. Eu espero que os netos mundo afora apreciem muito os próprios avós e não percam de viver essa relação e parceria. A troca é tão valiosa, a gente aprende tanto com eles… É muito especial”.

Agora elas têm vários planos. Um deles é assistir aos filmes da saga na telona. Em comemoração aos 20 anos de lançamento dos livros, todos os filmes da Saga Crepúsculo serão reexibidos nos cinemas americanos. Ainda não há confirmação se o mesmo acontecerá no Brasil, mas avó e neta já estão preparadas para o grande momento. “Ganhamos até a edição especial de 20 anos do livro presente da editora Intrínseca. Coisa mais linda”.

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