Avó lê ‘Crepúsculo’ pela primeira vez aos 90 anos e se apaixona
Lourdinha Reis é natural do Maranhão e já confessou ser team Edward.
Esqueça livros de autoajuda ou de cunho espiritual. Sentadinha no terraço, entre plantas e a luz da manhã, dona Lourdinha Reis acompanha nada mais, nada menos, que a história protagonizada por Bella, Edward e Jacob. Aos 90 anos, a senhora nordestina, moradora de São Luís, no Maranhão, lê a Saga Crepúsculo pela primeira vez, e adora a trama.
“Estava procurando algo novo para ler, e meus netos tinham a saga inteira em casa. Comecei recentemente, tem dois meses que comecei a acompanhar. Minha neta me apresentou, me deu o livro, e agora estou lendo e amando”, conta, adiantando que é Team Edward.
Ela ainda não tem um volume favorito – afinal, agora finaliza a segunda parte da série, “Lua Nova” – mas ressalta apreciar a leitura de romances. Gostou bastante desse novo universo com vampiros, humanos e lobisomens. “Fiquei encantada com os personagens. A cena em que Edward conta que é um vampiro para Bella é minha preferida”.
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A afeição pelo enredo foi tão grande que transbordou as páginas. Tão logo concluiu a leitura de “Crepúsculo”, o primeiro da saga, dona Lourdinha correu para a TV a fim de assistir à adaptação cinematográfica, com Kristen Stewart, Robert Pattinson e Taylor Lautner no elenco. A experiência foi aprovada, mas com ressalvas.
“Preferi o livro por conta dos detalhes. Tem momentos entre os personagens, sobre os relacionamentos deles, que o filme não conseguiu expressar. Agora, quando finalizar a leitura de ‘Lua Nova’, vou assistir ao filme e farei assim com os outros também”.
Como começou o amor pelos livros
Natural de São João dos Patos, município do interior do Maranhão, Lourdinha Reis é a segunda mais velha de 11 irmãos. Sempre gostou de cuidar. Tomava conta dos irmãos menores e lembra de, em casa, ter um circo. “Eu era a trapezista, fazia drama e, como ninguém queria ser, acabava sendo a palhaça também”, recorda, aos risos.
Passada essa época, mudou de cidade durante a adolescência – algumas vezes para estudar – até chegar na capital do Maranhão, São Luís, onde mora até hoje. No lugar, também fez curso de Contabilidade, conheceu o marido, teve três filhos e oito netos e, na pandemia, uma das netas, Mariana Luz, a incentivou a gravar conteúdos para a internet.
“Assim, redescobri minha alma de artista que estava guardada desde a infância”. A leitura entrou na rota desse circuito – inserida em uma rotina que envolve cafezinho da tarde, atividades em grupo de idosos, caça-palavras e passear pela cidade.
Uma vez adorar conhecer novos mundos, dona Lourdinha tem facilidade para viajar na história dos personagens, e reconhece que o hábito faz muito bem para a própria saúde mental, além de auxiliar na memória.
Além da Saga Crepúsculo, a série que ocupa o coração da nonagenária é “Anne de Green Gables”, escrita pela canadense L. M. Montgomery. O contato com esse tipo de literatura, originalmente voltada para o público adolescente, faz com que a senhora pulse ainda mais vida. “Tenho 90 anos, mas me sinto jovem”, celebra.
“Entrar nesse novo universo está me fazendo descobrir sentimentos incríveis. A história dos personagens, a leitura com detalhes e sintonia entre o universo escrito e os personagens é o que faz um bom livro. A dica para quem quer começar a ter frequência de leitura é iniciar por algo que você goste, se identifique, e depois ir além, explorando outros conteúdos”.
Benefícios da leitura
Estimular o cérebro, reduzir o estresse e melhorar o humor são alguns dos atributos extraordinários da leitura, o que contribui para preservar o senso pessoal de propósito e identidade. Quem contextualiza é Hugo Iglesias Torres de Moraes, psicólogo clínico e neuropsicólogo. Segundo ele, há diversos estudos sobre o assunto.
“Eles mostram que esse pode ser um hábito fundamental para a proteção contra o declínio cognitivo e uma proteção a mais para o emocional, muitas vezes dando até um senso de boa e velha companhia”. Caso a prática ganhe constância, pode até integrar processos de proteção contra questões mais sérias, a exemplo de depressão e isolamento social.
Socialização por meio de clubes de livros, conversas estimulantes e novas trocas e conexões é exemplo claro desse alcance coletivo do ato de ler. “A leitura ativa áreas relacionadas à linguagem, memória, atenção, percepção e imaginação, fortalecendo conexões neurais e estimulando a neuroplasticidade, ou seja, a capacidade do cérebro de se reorganizar e criar novas conexões”, situa Hugo.
A leitura estimula o que a Psicologia chama de reserva cognitiva – tipo de proteção que ajuda o cérebro a resistir melhor aos efeitos naturais do envelhecimento e até de doenças neurodegenerativas. Também melhora a fluidez verbal, o raciocínio e a memória de trabalho, funcionando mesmo como uma academia mental, que nos mantém afiados.
“Em linhas gerais, quanto mais se lê, mais se é desafiado a compreender, imaginar e relembrar. Isso mantém nossas sinapses vivas, preservando nossas capacidades mentais”, explica o neuropsicólogo.
Leitura versus estímulos digitais
Embora a par de todas as vantagens proporcionadas pelo ato, é praticamente senso comum o quanto a dedicação à leitura tem sido desafiadora e cada vez mais rara nos dias de hoje. No labirinto de telas, ela se torna atividade de resistência por exigir concentração, continuidade e reflexão – qualidades cada vez mais incomuns.
O psicólogo Hugo Iglesias, por sua vez, ressalta: o hábito melhora a atenção, o foco e a paciência mental, ajudando o leitor a desacelerar e a se reconectar com o próprio tempo interno. “Outra coisa que essa resistência pode ajudar é na empatia, ampliada por meio do entendimento de diferentes pontos de vista, contribuindo para melhor regulação emocional”.
Isso acontece sobretudo com a leitura de ficção, a exemplo da Saga Crepúsculo, acompanhada por dona Lourdinha Reis. Nessa categoria literária, adentramos em novas atmosferas, na cabeça do autor. Entender o drama de um livro assim nos tira da ambição, da unilateralidade e da intencionalidade de nossa era com tendências superficiais.
“Essa serenidade representa, portanto, um cultivo interior. Ela aprofunda o pensamento, amplia a empatia e reforça comportamentos mais humanos e reflexivos, o que beneficia não apenas os idosos, mas todas as faixas etárias”, completa Hugo.
Família unida pela literatura
Artista visual e criadora de conteúdo, Mariana Luz – conhecida como Mari Vida ilustrada – comemora o fato de dona Lourdinha se interessar pela leitura. Foi a neta quem teve a ideia de apresentar à avó os volumes da Saga Crepúsculo. Nesse caminho, duas surpresas se sobressaíram: o amor da senhora pela história e a repercussão nas redes sociais.
“Fiquei surpresa com a interação. E vi que a leitura pode atravessar gerações e alcançar todas as idades. Minha avó é tudo pra mim. Ela me criou junto com meu avô. Meus pais se separaram cedo, e eu e meu irmão fomos morar com nossos avós maternos. Digo que nossa conexão vem antes da maternidade, ela é minha melhor amiga e minha pessoa nesse mundo”.
Por sinal, a própria dona Lourdinha influenciou Mari. Desde que a neta se entende por gente, a avó sempre está com um livro na mão. “E ela lê rápido, viu?”, gargalha. “Não moro mais com ela, mas quase todo dia estou com ela, gravando, levando pra fazer alguma atividade ou passando um tempo de qualidade juntas”.
Nesse cotidiano de carinho e amor, sobram aprendizados. Um dos principais é que idade é apenas um número, e que a energia está nas nossas escolhas. Sempre é possível descobrir, fazer algo novo, arriscar ou até resgatar sonhos esquecidos ou engavetados.
“Ela me ensina diariamente que nunca é tarde para ser o que você quiser ser. Eu espero que os netos mundo afora apreciem muito os próprios avós e não percam de viver essa relação e parceria. A troca é tão valiosa, a gente aprende tanto com eles… É muito especial”.
Agora elas têm vários planos. Um deles é assistir aos filmes da saga na telona. Em comemoração aos 20 anos de lançamento dos livros, todos os filmes da Saga Crepúsculo serão reexibidos nos cinemas americanos. Ainda não há confirmação se o mesmo acontecerá no Brasil, mas avó e neta já estão preparadas para o grande momento. “Ganhamos até a edição especial de 20 anos do livro presente da editora Intrínseca. Coisa mais linda”.