Saúde mental pode impactar longevidade de atuais gerações, indica estudo
De ansiedade a hipermedicação, questões além das físicas determinam alcance de vida ativa mais longa.
Ter acesso a lazer, conseguir cultivar autoestima, desfrutar a vida e se concentrar em tarefas cotidianas são, entre muitos, fatores indispensáveis para viver mais – e desafios às atuais gerações. É o que aponta um estudo sobre longevidade divulgado em São Paulo (SP) neste mês.
O Diário do Nordeste acompanhou o lançamento da segunda edição do Indicador de Longevidade Pessoal (ILP), que em 2025 ouviu 4.400 pessoas de todas as regiões do Brasil para fazer um “raio-x” do que leva a uma vida mais longa e ativa.
Os resultados foram divulgados como parte da programação do 18º Fórum da Longevidade, realizado no Teatro Bradesco no dia 21 de outubro, em São Paulo.
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Questões de saúde mental e finanças lideram como as maiores preocupações dos brasileiros, contabilizando as pontuações mais baixas no ILP. Na média nacional, as áreas alcançaram apenas 56 e 47 pontos, respectivamente.
O ILP fornece uma espécie de “nota da longevidade” (veja como descobrir a sua, ao final da reportagem), de 0 a 100, e é composto por seis pilares:
- Atitudes em relação à longevidade (20 pontos): conhecimento do conceito, importância atribuída à longevidade, aprendizagem e etarismo internalizado;
- Saúde física (20 pontos): hábitos alimentares, prática de atividade física, consumo de álcool, tabagismo, qualidade do sono e da saúde;
- Saúde mental (20 pontos): desfrutar a vida, lazer, sentimentos negativos, autoestima, concentração nas tarefas cotidianas;
- Interações sociais e meio ambiente (20 pontos): relações pessoais, apoio social, crenças, vida sexual e ambiente;
- Cuidados de saúde e prevenção (10 pontos): satisfação com acesso a serviços de saúde, atitude de prevenção e cuidados preventivos;
- Finanças (10 pontos): metas financeiras, controle de gastos, endividamento e planejamento para aposentadoria.
Ansiedade e ‘hipermedicação’
A cada dez brasileiros, nove reconhecem que as ações de saúde mental ajudam na longevidade. A proporção é maior entre pessoas acima de 50 anos: 98% delas percebem que “cuidar da mente é cuidar da vida”. Entre jovens de até 29 anos, a proporção cai para 89%, segundo dados do ILP.
Apesar disso, quando questionados sobre os hábitos preventivos e de saúde mental, os brasileiros registraram o segundo pior resultado entre os seis pilares do ILP. Principalmente os mais jovens.
Para Ana Julião, gerente geral da Edelman Brasil, empresa parceira da pesquisa, as questões de saúde mental se tornaram mais relevantes depois da pandemia de Covid-19, “cenário que tornou muito visíveis situações já enfrentadas pelas pessoas”.
“Outras questões também, como a excessiva polarização, os conflitos, as angústias que as pessoas vivem em relação a medos de desemprego, de perder a saúde, fizeram com que o tema saúde mental se tornasse muito relevante para o contexto e o entendimento de longevidade”, complementa.
A constatação de que “a gente ainda não se recuperou” dos efeitos da pandemia é endossada pelo médico gerontólogo Alexandre Kalache, presidente do Centro Internacional de Longevidade no Brasil e ex-diretor de envelhecimento e saúde da Organização Mundial da Saúde (OMS), em entrevista ao Diário do Nordeste.
“Há um peso grande na saúde mental não só pela Covid longa, mas por essa ansiedade toda que vivemos. Eu próprio sofro até hoje. Porque eu esperava que a gente saísse daquele assalto à nossa integridade de forma mais solidária, humanizada, menos individualista. E não estou vendo isso”, lamenta o médico.
O cenário tem levado a outra preocupação, como observa o médico: o uso massivo de medicações, cujos impactos na longevidade – envelhecimento ativo e com qualidade – ainda nem podem ser mensurados.
“É uma geração hipermedicada. Você forma gerações que estão abusando de drogas sem que a gente tenha uma noção exata do que isso vai significar não só a longo, mas a médio e curto prazos”, avalia Kalache.
Para além dos remédios, drogas como o tabaco e a nicotina são outros pontos que devem interferir na longevidade das atuais gerações, como alerta a médica pneumologista Margareth Dalcolmo, pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
A proporção de adultos fumantes nas capitais brasileiras voltou a crescer depois de 20 anos em queda, saltando de 9,3% em 2023 para 11,6% em 2024, de acordo com dados preliminares do Ministério da Saúde.
Dalcolmo define que, além dos convencionais, “os cigarros eletrônicos são uma tragédia”, porque a população jovem é “um mercado altamente atrativo para a indústria que produz dispositivos eletrônicos de fumar”.
Apesar de não atribuir necessariamente o aumento do uso a questões de saúde mental, a médica é categórica ao afirmar que os malefícios do fumo incidem de forma severa sobre a saúde de forma geral – e, portanto, sobre a longevidade.
“Faz muito mal pra saúde e compromete as gerações que precisam viver muito no Brasil pra dar conta do balanço demográfico desfavorável. Qualquer coisa que interfira na perspectiva de uma geração que tem que crescer saudável nos preocupa”, pondera a pneumologista.
Saúde física x saúde mental
A preocupação se justifica porque fortalecer a saúde física para, então, ter repercussões positivas na mente é estratégia fundamental para uma vida mais longeva, como reforçou Márcio Atalla, educador físico e consultor em saúde e estilo de vida, em entrevista ao Diário do Nordeste.
“Quando você faz atividade física, tem benefícios tanto na sua saúde cognitiva quanto emocional. Em dois, três meses, melhora a sua memória, produz novos neurônios, melhora o humor e diminui a chance de ansiedade e depressão”, lista o educador.
Quando você tem uma vida ativa, consegue colher ao final da vida não só todos esses benefícios em relação a uma melhor cognição, mas também diminuir a chance de doenças da mente como o Alzheimer.
Saúdes física e mental, portanto, são indissociáveis e devem ter igual atenção. “A relação é direta, e a gente nunca teve antes tanta condição e tanta informação para construir um envelhecimento saudável como hoje”, finaliza o educador físico.
Profissionais de saúde não estão preparados
Diante da urgência em preparar o corpo e priorizar o cuidado com a mente para chegar à velhice emerge outro temor, como destaca Alexandre Kalache: “tenho muito medo de não ver as escolas médicas preparadas para esses desafios”.
O gerontólogo afirma que “houve uma proliferação assustadora de escolas médicas”, e questiona “quem são esses docentes que irão preparar os profissionais da saúde de um futuro imediato”.
Você precisa humanizar. Essa longa vida é cheia de cascas de bananas e pedras pra tropeçar. É preciso estar muito mais afiado sobre longevidade, ciente de que existe uma pandemia da solidão, que afeta sobretudo os idosos. E como é triste você não longa-viver, mas apenas prolongar uma sobrevivência, que não é o que a gente quer.
Kalache alerta ainda que o desafio não incide apenas sobre a medicina, mas sobre todas as áreas da sociedade, como finanças, design, engenharia e planejamento urbano.
“A gente quer manter qualidade de vida à medida em que envelhece, seja qual for a idade. E se não há quadros profissionais pra isso… A revolução da longevidade obriga que a sociedade como um todo tenha políticas e respostas pra esses desafios”, sentencia o especialista.
Como calcular o Indicador de Longevidade Pessoal
Para responder as perguntas sobre os seis pilares para a longevidade e obter a média do ILP, é possível acessar o site do teste. Ao final do quiz, são mostradas as pontuações médias geral e de cada área da vida – como saúde física, mental e finanças.
*A repórter viajou a convite do Grupo Bradesco Seguros.