Do ouvido ao bolso: o desafio das Conferências LGBTI+

4ª Conferência Nacional dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+ acontecerá de 21 a 25 de outubro de 2025, em Brasília

Escrito por
Dediane Souza producaodiario@svm.com.br
Legenda: É oportuno lembrarmos também que, sem acesso aos recursos públicos e à agenda governamental, um processo de escuta pública tão potente pode virar mera pirotecnia e foto para as redes sociais
Foto: Divulgação

Não é à toa que a Constituição Federal de 1988 é costumeiramente chamada de “Constituição Cidadã”. Nossa Carta Magna traduziu explicitamente alguns dos sentimentos mais presentes na sociedade brasileira do pós-Ditatura, o de que a democracia precisa ser protegida e que ela passa, necessariamente, pela presença do povo na gestão do poder. Uma das inovações que mais expressou esse sentimento foi a previsão legal de que a sociedade tem o direito de participar e exercer o controle social das políticas públicas.

As conferências e conselhos de políticas e direitos são algumas das formas mais consolidadas de participação popular no Brasil. Elas têm servido, cada uma no que lhe compete, para que se debata, proponha, avalie e fiscalize aquilo que o Estado oferece em termos de serviços à sociedade. Esses espaços promovem o diálogo entre o poder público, a sociedade civil e demais pessoas interessadas na pauta. Sem eles, não existem políticas públicas que atendam às nossas necessidades ou que que tenham a nossa cara.

Você sabia que o governo brasileiro foi o primeiro no mundo a convocar o seu povo e as diversas pastas dos três entes federativos a pensarem ações de promoção de direitos da população LGBTI+ e para o combate à discriminação, no ano de 2008? Pois bem, apesar das limitações, a realização de conferências nacional, estaduais e municipais LGBTI+ fomentou a elaboração de planos e políticas governamentais afirmativas e intersetoriais até então inéditos na nossa história política. Outras convocações ocorreram em 2011 e 2016, antecedendo um triste hiato de 9 anos desde a última edição da Conferência Nacional.

O limbo a que foram submetidas as políticas e os espaços de participação social para LGBTI+ nos últimos anos é um reflexo do Governo Bolsonaro, da perseguição aos direitos de grupos submetidos à inferiorização social e do sucateamento das instâncias constitucionais de participação, elementos característicos do seu mandato como Presidente da República.

Vivemos agora o processo de retomada das conferências e de reconstrução dos conselhos ligados às políticas sociais e aos direitos humanos, não só para LGBTI+. A 4ª Conferência Nacional dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+ acontecerá de 21 a 25 de outubro de 2025, em Brasília, mas muitos municípios e estados já realizaram também - neste primeiro semestre - as suas conferências de direitos para mulheres, pessoas idosas, de Assistência Social etc.

Falando nisso, a etapa do Ceará ocorreu nos últimos dias no SESC Iparana, com a participação de representantes da sociedade civil e de órgãos governamentais de diversas regiões do estado. O município de Fortaleza, que já esteve na vanguarda das políticas para LGBTI+ no Brasil, lamentavelmente, não realizou etapa própria. Nossos/as delegados/as para a Conferência Estadual LGBTI+ saíram de conferências regionais e livres.

Digo isso por entender a importância de diferentes instâncias dos governos terem convocado suas respectivas etapas locais, eleito propostas e delegados/as para a Conferência Nacional LGBTQIA+, num esforço para restabelecer o tão ameaçado direito à participação social no país.

As Conferências LGBTI+ no Brasil são eventos essenciais não só para a proposição de políticas públicas, mas também para a organização da nossa luta. Somos o país mais violento para travestis e transexuais no mundo e temos muitos debates e consensos a construirmos nesse ciclo:  nomenclatura do movimento, defesa da democracia, combate ao conservadorismo e, principalmente, quais as respostas governamentais são urgentes às vulnerabilidades que nos acometem hoje.

É oportuno lembrarmos também que, sem acesso aos recursos públicos e à agenda governamental, um processo de escuta pública tão potente pode virar mera pirotecnia e foto para as redes sociais. Debates e propostas jogados ao fundo das gavetas não mudarão a nossa realidade. Por isso, desejo um bom trabalho na Conferência Nacional dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+, na expectativa de que os movimentos sociais, ativistas e gestores governamentais envolvidos sigam firmes no propósito de garantir políticas públicas efetivas de promoção dos direitos de LGBTI+, todos os dias.

Em suma, não basta sermos escutadas se não formos ouvidas de fato. Esse é o desafio da 4ª Conferência Nacional dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+, pois a verdadeira participação social supõe termos voz, mas também os bolsos e o coração da engrenagem, requer estarmos vivas e sentadas à mesa!

*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião da autora.