Tempo de qualidade: por que é uma das expressões do momento e quais benefícios traz para a rotina

Além de definir o termo, psicólogos discutem como é possível desenvolver esse estado de escuta atenta e proximidade emocional em meio ao turbilhão de afazeres no cotidiano

Escrito por Diego Barbosa , diego.barbosa@svm.com.br
Legenda: Valorização da presença e do vínculo emocional são pontos-chave para entendimento do tempo de qualidade
Foto: Shutterstock

Ao passo que algumas expressões entram em desuso, outras facilmente ganham os dias. “Tempo de qualidade” é uma destas. Entrou para o vocabulário das redes sociais e adentrou as sessões de terapia – não necessariamente nessa ordem. É mencionada tanto entre jovens quanto entre pessoas de mais idade. Um viral, uma fixação. 

Mas, de fato, o que esse termo significa e quais impactos traz para o cotidiano? Basta dedicar atenção especial aos pares e ao mundo? Raquel Rodrigues diz ser possível ir um pouco mais além. De forma resumida, a sentença faz referência ao tempo que é dedicado exclusivamente para uma pessoa ou grupo de pessoas. 

Veja também

Conforme a psicóloga clínica especialista em Relacionamentos e Sexualidade, a expressão ganhou popularidade e tem sido bastante utilizada devido a diversos fatores do contexto atual, incluindo o uso crescente das redes sociais e do celular para inúmeras finalidades, dispersando a atenção. 

“Esse termo foi referenciado por Gary Chapman, autor do livro ‘As cinco linguagens do amor’, e é muito utilizado pela Psicologia. É descrito exatamente como uma das linguagens ou formas de expressão do amor. Foi, inclusive, a partir desse livro que o termo ficou mais conhecido e utilizado”.

Legenda: Observar como se sente, o que está fazendo e evitar distrações são bons passos para cultivar o tempo de qualidade
Foto: Shutterstock

Hoje, porém, a expressão assume outras conotações, sendo usada também para descrever um momento de atenção exclusiva e total – atenção plena, ou seja, de conexão profunda com alguém, seja amigo, namorado, filho e até consigo mesmo. Logo, ainda que tenha se expandido, o termo conserva o significado: valorização da presença e do vínculo emocional.

“Diria que ele é necessário independentemente da relação. Pode ser um hábito para o cultivo de vínculos, principalmente nos dias atuais, em que as pessoas, mesmo em presença física, estão distantes emocionalmente ou conectadas nos próprios aparelhos celulares”.

Foco no agora

Psicoterapeuta comportamental contextual, neuropsicóloga e professora, Amanda Barroso refina ainda mais o significado. Para ela, tempo de qualidade é ter um momento em que se está consciente e com a atenção direcionada ao agora. Não à toa, pode ser aplicado a qualquer instante, contanto que façamos o exercício de direcionar o foco da atenção para o presente.

Observar como se sente, o que está fazendo e evitar distrações são elementos-chave nesse processo. “É trazer a consciência, gentilmente, para o momento em que você está. As pessoas estão muito distraídas e cheias de coisas para fazer o tempo todo – pensando muito no futuro ou apenas rolando o feed sem estar atentas ao que está vendo. Trazer essa consciência para o que se faz é fugir dessa lógica da pressa, da correria, do estar alheio à própria vida”.

Além de conceito do já citado Gary Chapman, tempo de qualidade faz parte das práticas de Mindfulness (atenção plena) e é bem treinada em yoga, meditação e no Zen budismo. Na Psicologia, algumas abordagens trabalham diretamente com a atenção plena como forma de promover melhor qualidade de vida. 

Legenda: Diferenças na vida de quem tem tempo de qualidade estão relacionadas a várias mudanças
Foto: Shutterstock

Por outro lado, há muitas pesquisas mostrando a importância dessa pausa carinhosa para alívio do sofrimento e da dor. Autores como Kristin Neff, Paul Gilbert e Steven Hayes, junto a colaboradores, tratam a temática de forma mais aprofundada.

“Como na musculação – em que a gente treina um grupo de músculos que vão se tornando mais resistentes e fortes – a atenção plena precisa ser exercitada para que vá se tornando mais fácil de usar. Os treinos consistem em trazer a consciência para o momento presente e aprender a observar o próprio corpo e sentimentos. No tempo de qualidade, as distrações podem ocorrer, mas a pessoa gentilmente busca voltar a atenção para o que está fazendo”.

Ou seja: quanto mais nos dedicarmos ao conhecimento próprio e a estarmos atentos ao momento, menos transtornos e mais resiliência poderemos observar. As diferenças na vida de quem tem tempo de qualidade, conforme Amanda, estão relacionadas a várias mudanças.

  • Melhoria nos relacionamentos interpessoais e consigo;
  • Aumento da sensação de bem-estar;
  • Redução do sofrimento;
  • Maior conexão com as pessoas e com o ambiente;
  • Redução do estresse; 
  • Regulação da atenção;
  • Redução da compulsão alimentar

“Estamos sempre correndo, olhando lá pra frente, pensando no futuro, quando, na verdade, tudo o que podemos fazer pelo futuro está agora, no momento presente. Tornar-se consciente desse momento presente e usufruí-lo nos ajuda na construção de uma vida mais plena”.

Quando o tempo de qualidade é necessário?

Para responder à questão, o psicólogo clínico e professor do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade de Fortaleza, José Clerton Martins, se reporta à Teoria do Fluxo (Flow Theory). Criada pelo psicólogo húngaro Mihaly Csikszentmihalyi, busca compreender o que um indivíduo precisa para atingir um estado pleno de satisfação, concentração e motivação inerente à realização de uma tarefa. 

“O autor descreve um estado de total engajamento, em que as pessoas ficam cem por cento presentes e focadas. Ele chamou esse estado mental de experiência ideal, um fluxo que lhes permite desempenhar com prazer e eficiência tarefas que desafiam nossas habilidades”, contextualiza José Clerton.

Legenda: Psicólogo atenta para o profundo da vida: é precioso saborear as coisas
Foto: Shutterstock

Assim, a partir dessa teoria, podemos inferir que tempo de qualidade é aquele no qual se convoca por pura necessidade de entrega a um certo estado de satisfação – seja na busca de satisfação de uma necessidade, seja para um desafio ao qual colocamos em cheque nossa condição de superação. Após realizado o exercício, pela satisfação alcançada, sentimos a necessidade de voltar a experimentar todo o processo em novas superações.

A vida tomada por rotinas cada vez mais automatizadas, porém, nos leva a tempos monótonos, o que naturalmente nos lança a linhas de fuga em busca de sentido nos momentos e situações que possam nos proporcionar boas sensações. É quando José Clerton nos atenta, enfim, para o profundo da vida: é preciso saborear as coisas.

“Olhar com detalhe, assim como saborear a ponto de ‘saber sobre o sabor’, são atividades que convocam a qualificativos: ‘Nossa, como é gostoso’, ‘Que bonito, eu pude ver’. São expressões que dão conta do tempo investido em sentir, em perceber com os sentidos. Isso reflete a experiência estética no experimento do tempo e confere qualidade”.

Este conteúdo é útil para você?
Assuntos Relacionados