Ópera do Ceará: adaptação de obra de Mozart estreia em Fortaleza com orquestra completa

‘Bastião e Bastiana’ recria história criada em 1768, pelo austríaco, e a traz para o Sertão nordestino da atualidade

Escrito por
Ana Beatriz Caldas beatriz.caldas@svm.com.br
Elenco é formado por integrantes do coletivo Trupecantes - Companhia de Artes
Legenda: Elenco é formado por integrantes do coletivo Trupecantes
Foto: Casa de Vovó Dedé/Divulgação

Após quase 15 anos, a capital cearense recebe, nesta quarta-feira (21), a apresentação de uma ópera. Realizada pela Orquestra Sinfônica da Universidade Federal do Ceará (UFC), sob regência do maestro Leandro Serafim, “Bastião e Bastiana” é uma adaptação da ópera cômica “Bastien und Bastienne” (1768), uma das primeiras obras de Mozart, e conta com versões de 15 árias do compositor austríaco.

Com  texto do dramaturgo cearense Alan Mendonça, o espetáculo estreia em sessão dupla no Theatro José de Alencar, com apresentações às 18h e às 20h. Os ingressos custam R$ 40 (inteira) e R$ 20 (meia-entrada). O elenco da ópera é formado por Daniel Sombra, Gabriel Cintra, Jefferson André, Juju Weyne e Matheus Marques, que também fazem parte do coletivo Trupecantes – Companhia de Artes.

A Orquestra Sinfônica da UFC, que completa uma década de atuação neste ano, é constituída por alunos do curso de graduação em Música e dos cursos de extensão em instrumentos musicais da instituição.

O maestro regente da Orquestra, Leandro Serafim, conta que a iniciativa demorou a tomar corpo por falta de recursos financeiros e técnicos, já que a equipe ainda estava em desenvolvimento. Foi só em dezembro de 2023, após a realização do concerto “Uma Noite de Mozart”, que os dirigentes da orquestra perceberam que os alunos já tinham maturidade profissional para o desafio e começaram a esboçar o projeto.

Poética e forma de narrar nordestina

No ano passado, a escolha pela opereta de Mozart foi feita. No entanto, antes mesmo do início dos ensaios, Leandro e os demais membros da orquestra decidiram que, para um público ainda pouco acostumado a óperas, seria melhor traduzi-la – não só do alemão para o português, mas para uma linguagem que aproxima a plateia do elenco, um “português-brasileiro-nordestino”.

Elementos que rementem ao Sertão nordestino compõem cenário e figurino
Legenda: Elementos que rementem ao Sertão nordestino compõem cenário e figurino
Foto: Casa de Vovó Dedé/Divulgação

Responsável pela adaptação do texto, o escritor, compositor e dramaturgo Alan Mendonça explica que o trabalho foi feito em parceria com o cantor e professor Daniel Sombra, que interpreta Bastião e traduziu a obra do alemão para o português. A partir da tradução, Mendonça foi convidado a dar “toques cearenses” à opereta. O primeiro passo foi a tradução imediata do título para “Bastião e Bastiana”.

“Já arrastei a chinela no Sertão do juízo e propus ao Sombra que tirássemos a história dos campos da Europa medieval e trouxéssemos para um Sertão nordestino atual e, mais do que isto, que a poética e a forma de narrar fossem também nordestinas”, explica o dramaturgo.

“É assim que entram falas em rimas, à semelhança das estruturas dos cordéis, e o mago da versão original vira o duo tradicional dos autos nordestinos: anjo e diabo, além da criação de um narrador com ares de Mateus, figura de reisado”, completa.

Veja também

Alto custo e ausência de políticas públicas são desafios

Ópera cômica será a primeira apresentada na Capital em mais de uma década
Legenda: Ópera cômica será a primeira apresentada na Capital em mais de uma década
Foto: Casa de Vovó Dedé/Divulgação

Intérprete de Bastiana, a atriz e cantora lírica Juju Weyne se dividiu entre o papel da protagonista e uma série de outras funções: elaboração de figurino e maquiagem, desenho de iluminação cênica e apoio na produção e direção de elenco foram algumas das tarefas para ajudar a colocar o espetáculo no palco.

“É uma oportunidade incrível poder contribuir com o meu conhecimento na realização dessa ópera”, comenta a artista, que se encantou pela música clássica ainda criança e cresceu com a vontade de participar de uma ópera.

“Logo no primeiro ano de faculdade, me tornei bolsista, e foi quando pude começar a pagar aulas com professor particular para estudar o canto lírico. Desde então, não parei de estudar e tive a oportunidade de cantar e atuar em diversos espetáculos, até conhecer a Orquestra Sinfônica da UFC em 2023 e realizar o meu sonho de infância”, conta Juju.

“Interpretar Bastiana foi um desafio, pois era uma grande responsabilidade e iria requerer estudo, disciplina e dedicação exclusiva. Porém, também foi um presente incomensurável”, completa.

Os desafios individuais dos artistas líricos cearenses são parte de um cenário mais amplo. Segundo o maestro Leandro Serafim, a última ópera completa apresentada na Capital aconteceu há 14 anos, justamente pela logística e pelo alto custo da realização de um espetáculo nesse formato.

“Desde 2011 que não é realizada uma ópera aqui – e quando eu digo realizada, digo com orquestra, com cantores, com figurino, com cenário, uma orquestra completa, uma ópera completa, e não somente trechos. Porque isso sim, muitas vezes, é realizado por vários grupos”, explica Serafim.

“Bastião e Bastiana”, por exemplo, levou meses para conseguir pauta nos teatros da Cidade. “É extremamente difícil conseguir pautas no Theatro José de Alencar e no Cineteatro São Luiz para as orquestras aqui em Fortaleza. Isso é uma realidade difícil”, completa o maestro. Por isso, o grupo ainda não sabe quando serão realizadas novas apresentações do espetáculo em Fortaleza.

Assim como o maestro da orquestra, o dramaturgo Alan Mendonça acredita que ainda não há políticas públicas suficientes para possibilitar iniciativas do gênero. “A raridade de um espetáculo em ópera em Fortaleza (ou em qualquer cidade do Estado do Ceará) é um fruto seco da seca em investimentos por parte das gestões públicas de cultura em amplos e diversos processos formativos, populares e de base. Recursos existem aos montes”, lamenta o escritor.

A questão impacta, inclusive, a formação de plateia desse tipo de espetáculo. Para driblar as dificuldades e conquistar o público, além da adaptação do texto, houve uma readequação da duração da peça. Se uma ópera geralmente chega a ter 2h30 ou até 3h de duração, o espetáculo terá 1h15, mas cumprindo todos os requisitos de uma ópera.

Além importância cultural da iniciativa, Leandro Serafim destaca a importância da realização como percurso educativo para os membros da Orquestra Sinfônica da UFC. “Nós estamos fazendo isso como um projeto formativo”, destaca. “Tanto dos cantores, quanto da própria orquestra”.

Na sessão dupla de estreia, cada apresentação poderá receber até 300 pessoas – um número reduzido, em decorrência de um problema no ar-condicionado do TJA. “Mas, se nós tivéssemos outros convites, ou financiamento externo para poder realizar gratuitamente em algum lugar, com certeza nós reproduziríamos novamente”, almeja o maestro.

Serviço
Ópera “Bastião e Bastiana” – Orquestra Sinfônica da UFC
Quando: Quarta-feira, 21 de maio, às 18h e às 20h
Onde: Theatro José de Alencar (rua Liberato Barroso, 525 - Centro)
Ingressos: R$ 40 (inteira) R$ 20 (meia-entrada) | Vendas na bilheteria do Theatro José de Alencar e no Sympla
Mais informações: @osufc_fortaleza

Este conteúdo é útil para você?
Assuntos Relacionados