Grupo Comédia Cearense reencena clássico ‘O Beijo no Asfalto’ após 62 anos para celebrar aniversário
Nova montagem do texto de Nelson Rodrigues faz parte das comemorações de 68 anos da companhia teatral cearense

Um texto teatral clássico e uma retomada histórica para celebrar o aniversário de um grupo pioneiro do Estado. Esses dois elementos marcam a reencenação, pelo Grupo Comédia Cearense, de “O Beijo no Asfalto”, célebre obra do dramaturgo Nelson Rodrigues de 1960.
Com debates contemporâneos como informações falsas, machismo e homofobia, a peça foi montada pela primeira vez no escopo da pioneira companhia em 1963, com participação de nomes como Haroldo Serra, B. de Paiva e Aderbal Freire Filho.
A nova versão vem na esteira das comemorações de 68 anos da Comédia Cearense. O espetáculo, com direção de Hiroldo Serra, terá estreia no próximo dia 3, às 20 horas, e seguirá em cartaz no Teatro Nadir Papi Saboya ao longo de maio, sempre aos sábados.
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Em entrevista por telefone ao Verso, Hiroldo — filho do casal Haroldo e Hiramisa Serra — partilha que, infelizmente, não há registros da montagem original.
“Apesar de a gente ter uma boa memória do grupo, não temos nenhuma fotografia e nada escrito sobre esse espetáculo. A mamãe está viva, mas não participou. O papai não está mais vivo, o Aderbal, o B. de Paiva também não, então realmente a gente ficou sem um registro sobre essa montagem dos anos 1960”
O fato, porém, foi um dos que “moveu” a atual formação do grupo a encenar novamente o clássico. Junto disso, Hiroldo destaca a importância de contar com um trabalho de Nelson Rodrigues no repertório.
Reconhecido pelas obras que tocam em questões ousadas e à frente do tempo, o dramaturgo propõe em “O Beijo no Asfalto” uma história que acompanha os impactos de uma notícia sensacionalista.
Na trama, Arandir, um homem casado, encontra um desconhecido que, à beira da morte, tem como último pedido um beijo na boca. O episódio é visto por um repórter sensacionalista que denuncia o fato a um delegado, leva como notícia para o jornal e cria um escândalo social de amplo alcance.
“É incrível como uma obra escrita há mais de 60 anos está tão atual hoje, haja vista que o mote principal é uma fake news. A partir dessa notícia a vida de uma pessoa vira de pernas pro ar na intimidade com a esposa, no trabalho, na vizinhança, na sociedade como um todo”, aponta Hiroldo.
“Essa é uma coisa interessante de montar o Nelson, porque as questões ainda hoje são as mesmas: o machismo, a homofobia. Ele perpassa a questão do feminicídio, do corpo da mulher, do abuso de autoridade por parte da polícia”, lista.
O diretor liga a situação ao contexto contemporâneo das redes sociais, onde informações falsas também encontram grande vazão. “(Hoje) é muito mais rápido do que naquela época, porque é mundial”, afirma.
Apesar da correlação entre tempos feita por Hiroldo, a peça da Comédia Cearense opta por manter o texto original, com o espetáculo sendo ambientado nos anos 1960. “A obra do Nelson é atemporal”, sustenta.
“Considero que o Nelson é um autor tão completo que não merece nenhum tipo de adaptação, ao meu ver. A gente não atualizou absolutamente nada, nem em termos de vocabulário, nem de modernização”, ressalta.
Um diferencial ocorre na forma, com a trilha sonora do pianista Ricardo Bacelar sendo tocado ao vivo durante o espetáculo.
Outro marco importante, ressalta Hiroldo, é que “O Beijo no Asfalto” marca o reencontro de duas atrizes com a Comédia Cearense após mais de três décadas: Manoela Bacelar — que vive Selminha, esposa de Arandir — e Márcia Sucupira — intérprete de Dália, cunhada do protagonista.
Um reencontro inicial numa produção de cinema aproximou de novo as duas do grupo, após anos sem atuar. “Elas passaram todos esses anos sem fazer teatro e se motivaram a voltar”, destaca.
Arandir é vivido por Roberto Reial, o repórter Amado Ribeiro pelo ator Luís Costa e o sogro Aprígio por Ildo Mota. Completam o elenco Amenhotep Rodrigues (Delegado Cunha), Natali Lima (D. Matilde), Érica Cardoso (Viúva/D. Judity), Paulo César Cândido (Aruba/Barros) e Rafael Xerez (Werneck).
A montagem de “O Beijo no Asfalto” é a peça celebrativa do aniversário da Comédia Cearense, que atua sem pausa há 68 anos. Em 2025, o grupo também apresentou a Paixão de Cristo e os infantis “Chapeuzinho Vermelho” e “Amor Astronômico”.
No segundo semestre, serão apresentados também o espetáculo adulto “Que Coincidência É O Amor” e os infantis “Pinóquio”, “A Noiva Cadáver” e “A Moura Torta”.
“Não estou conseguindo ainda visualizar como serão os 70 anos. Para o ano, tem um espetáculo que o Haroldo tinha muita vontade de montar e nunca montou, ‘A Mandrágora’, do Maquiavel”, cita como projeto futuro.
“A Comédia, nesses 68 anos, nunca deixou de montar pelo menos um espetáculo por semestre. Temos mais de 100 espetáculos e mais de 200 montagens. A Comédia nunca parou. Somos o grupo mais antigo do Brasil em atividade. 68 anos não é brincadeira”, atesta.
Comédia Cearense apresenta “O Beijo no Asfalto”
- Quando: sábados de maio, às 20 horas
- Onde: Teatro Nadir Papi Saboya (rua 8 de setembro, 1331 – Varjota)
- Quanto: R$ 50 (inteira) e R$ 25 (meia), à venda na bilheteria a partir das 19 horas em dias de espetáculo ou na plataforma Sympla
- Mais informações: @grupocomediacearense e (85) 9 9635-3475