Cearense Darks Miranda ganha prêmio nacional por obra que explora escultura, performance e audiovisual

Nascida em Fortaleza e radicada no Rio de Janeiro, artista plástica e cineasta venceu o Prêmio Pipa 2025

Escrito por
João Gabriel Tréz joao.gabriel@svm.com.br
(Atualizado às 12:48)
Nascida em Fortaleza e radicada no Rio de Janeiro, Darks Miranda foi reconhecida pelo Prêmio Pipa 2025
Legenda: Nascida em Fortaleza e radicada no Rio de Janeiro, Darks Miranda foi reconhecida pelo Prêmio Pipa 2025
Foto: Rafael Salim / Divulgação

O humano e o monstruoso. A natureza e o artifício. O plano e o tridimensional. Friccionando fronteiras temáticas, estéticas e técnicas, a cearense Darks Miranda tem firmado uma obra inventiva no cenário das artes no Brasil. 

Recém-laureada com o Prêmio Pipa 2025 — comenda de divulgação da arte contemporânea no País criada em 2010 —, a artista plástica e cineasta fala ao Verso sobre trajetória e interesses de produção.

O reconhecimento da premiação veio em um momento no qual Darks tem mergulhado em especial na produção de esculturas. Além dessa atuação, ela já vinha construindo trajetória no audiovisual, tanto como montadora premiada quanto criando filmes também fronteiriços, como “A Maldição Tropical” (2016) e “Lambada Estranha” (2020).

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Contatos iniciais com arte

O início de tudo veio, no entanto, em casa. Filha do músico Manassés de Sousa e da bailarina Jimena Marques, Darks teve uma infância de convivência direta com o meio artístico, ainda que de uma forma que define como intuitiva e sensorial.

“Meus pais são artistas extremamente sensíveis e talentosos, mas nunca foram intelectuais, não fizeram faculdade”, contextualiza em entrevista ao Verso.

Cearense nasceu em Fortaleza e se radicou no Rio de Janeiro
Legenda: Cearense nasceu em Fortaleza e se radicou no Rio de Janeiro
Foto: Katalin Deér / Divulgação

“Então cresci ouvindo meu pai tocar, vendo minha mãe dançar, mas arte não era exatamente um assunto discutido em casa. Também não era uma casa cheia de livros… Então pra mim a arte sempre foi algo meio intuitivo e sensorial, pouco intelectual”, recupera.

A experiência em casa, bem como as influências e ensinamentos da tia — a cineasta cearense Roberta Marques — ajudaram a moldar o interesse por diferentes linguagens, mas foi pela música que uma relação de arte como refúgio se firmou.

No início da adolescência de Darks, os pais dela se separaram e ela viveu um “momento delicado”: “Uma depressão que me acompanhou durante toda a adolescência e o início da vida adulta, e não tenho dúvida de que a música me salvou nessa época”.

Como numa contraposição ao pai, que tocava música popular brasileira, se tornou “uma adolescente do contra”, com predileção para subgêneros do rock. A ida a shows em casas como Gaia e El Bodegón, a experiência de uma banda só de meninas, garimpos na Galeria Pedro Jorge e a descoberta de fóruns virtuais marcaram o período.

"Ver imagens e ouvir sons"

O interesse por cinema veio depois, já no fim do ensino médio, nutrido por locações de VHS e idas a cineclubes na Casa Amarela Eusélio Oliveira e no Dragão do Mar. Na época, no início dos anos 2000, a decisão foi por cursar faculdade na área, mas não havia opções em Fortaleza. 

Darks, então, apostou no curso de Cinema na Universidade Federal Fluminense, em Niterói, onde se manteve com trabalho e ajuda financeira da avó.

Na graduação, teve contato com mais cineclubes e mostras, bem como revistas de crítica e, também, sets de filmagem de colegas.

Nessas experiências, se aproximou da montagem cinematográfica. A “estreia” como montadora foi em uma obra filmada em 16mm, com processo de montagem manual, na moviola. 

“Era ao mesmo tempo muito físico e introspectivo. Precisava de muita concentração e imersão pra ficar olhando várias vezes a mesma imagem, ouvindo várias vezes o mesmo som. Já era o que eu gostava de fazer: ver imagens e ouvir sons”
Darks Miranda
artista plástica e cineasta

O primeiro set profissional foi o do curta “Cine Holliúdy”, de Halder Gomes, e a partir dali Darks passou a trabalhar em longas no Rio de Janeiro, em São Paulo e em Fortaleza. Com o documentário “A vida privada dos hipopótamos” (2014), venceu prêmios de melhor montagem no Festival do Rio e no Cine Ceará.

Montagem como processo escultórico

O trabalho na área, considera Darks, a levou para um lugar de “outra relação com os sons e imagens”. Apesar de não criá-las, ela era quem teria “mais familiaridade” com o material. Foi a partir disso que, ao iniciar a produção dos próprios filmes, apostou em imagens de arquivos diversos como norte criativo.

“Como os filmes não tinham dinheiro, no início eu ia catando imagens na internet, mesmo, um pouco como as músicas que eu catava madrugada adentro durante a adolescência”, relaciona. 

Frame do filme 'Celularrr', realizado por Darks Miranda durante a pandemia
Legenda: Frame do filme "Celularrr", realizado por Darks Miranda durante a pandemia
Foto: Reprodução

“Os processos eram bem caseiros, manuais, e eu sentia que cada imagem tinha sua própria materialidade, natureza, proveniência, textura, cor, compressão, falhas… Intuitivamente e processualmente fui entendendo que estava interessada, mais do que em narrativas e tramas, na plasticidade e materialidade do audiovisual” 
Darks Miranda
artista plástica e cineasta

Tal interesse já prenunciava o caminho de Darks até a produção em artes plásticas e, impactada pela leitura do texto “O legado de Jackson Pollock” (1958), do pintor e artista performático Allan Kaprow, teve um entendimento pronunciado da amplitude possível da arte.

“Vejo a montagem no audiovisual como um processo escultórico”, correlaciona a artista. “As coisas se conectam e a minha forma de trabalhar com imagens acabou me levando pra performance, pra escultura… Mas o caminho não é tão fluido assim e exige uma dedicação e uma prática constantes, de aprendizado mesmo”, aprofunda.

Obra apresentada na 14ª Bienal do Mercosul

Instalação apresentada por Darks Miranda na 14ª Bienal do Mercosul, na Fundação Iberê Camargo, em Porto Alegre

Esculturas de Darks Miranda apresentam hibridismo entre referências humanas e da natureza; nas duas primeiras fotos, vista da instalação da 14ª Bienal do Mercosul, e, na última, a obra 'Por trinta dias, molhe com leite de vaca no qual três morcegos tenham se afogado' (2023)
Legenda: Esculturas de Darks Miranda apresentam hibridismo entre referências humanas e da natureza; nas duas primeiras fotos, vista da instalação da 14ª Bienal do Mercosul, e, na última, a obra "Por trinta dias, molhe com leite de vaca no qual três morcegos tenham se afogado" (2023)
Foto: Thiele Elissa / Divulgação e Ana Pigosso / Divulgação

Darks reconhece “certa natureza do trabalho” comum a obras de diferentes formatos, como vídeos e esculturas, mas diferencia as “dores e prazeres” dos processos de fazer um filme — “ligar o computador e passar horas sentada em frente a uma tela editando” — daquelas de uma escultura — “passar o dia no ateliê lidando com os materiais, sentada, em pé, agachada, modelando, cortando, pintando…”.

“O que eu quero dizer é que existe um pensamento de montagem e aglomeração de fragmentos que atravessa os filmes, as performances e as esculturas, mas o processo e fazer de cada prática, pra mim, é muito diferente”
Darks Miranda
artista plástica e cineasta

Relação com o Ceará

Apesar de nascida em Fortaleza e ter permanecido na cidade até o final da adolescência, Darks reconhece ter criado “vida afetiva e profissional muito ligada ao Rio de Janeiro”. 

Não deixou, no entanto, de voltar à cidade natal para visitar a mãe. “Por muito tempo a minha relação com a cidade era mais familiar mesmo. A maioria dos meus amigos de Fortaleza também migrou pro Sudeste, eventualmente, e isso é um traço de gerações anteriores, mas ainda da minha geração, que nasceu nos anos 1980”, observa.

Obra
Legenda: Obra "A primeira pele" (2023), de Darks Miranda
Foto: Ana Pigosso/Divulgação

Também não deixou de acompanhar a produção artística daqui. “Por conta de uma grande melhora no contexto de fomento e formação das artes e do cinema no Ceará, as novas gerações têm ficado mais, persistido e criado uma cena riquíssima não só em Fortaleza, mas em muitos outros polos do Estado”, avalia.

O cenário local tem possibilitado que Darks esteja, mais recentemente, experimentando relações artísticas e profissionais com o Ceará. “Por conta dessa efervescência consegui, recentemente, ir a Fortaleza a trabalho, convidada a dar uma oficina no Porto Iracema, e pude conhecer uma série de artistas, curadores e atores culturais brilhantes”, ilustra.

Darks reconhece que há percalços e dificuldades nas cenas de arte, mas destaca, em especial, “a quantidade de talentos e iniciativas artísticas no Ceará”. Em 2024, ela participou pela primeira vez de uma exposição composta por artistas cearenses de diferentes gerações, ocorrida em  São Paulo.

“Inevitavelmente me sinto meio filha pródiga. Eu nunca expus no Ceará e, atualmente, esse é um dos meus maiores desejos. Poder voltar pra casa um dia pra tocar junto práticas, ensinamentos e aprendizados nas artes e no cinema”, antevê.

Projetos e exposições

O desejo expressado, ela adianta, já está próximo de ocorrer. “No momento, estou desenvolvendo projetos em Fortaleza que serão apresentados ao público no final do ano. Será a primeira vez que mostrarei meus trabalhos escultóricos no Ceará e pra mim é uma alegria e realização enormes”, celebra.

Mais cedo em 2025, Darks também participou como artista convidada da 14ª Bienal do Mercosul, realizada em Porto Alegre. Ainda para este ano, além da circulação no estado de nascença, participará em setembro de uma exposição coletiva em Zurique, na Suíça.

Pela vitória no Prêmio Pipa — que foi partilhada com os artistas Andréa Hygino, Flávia Ventura e a dupla Gabriel Haddad e Leonardo Bora —, Darks participará de exposição ainda neste ano no Rio de Janeiro.

Cearenses no Prêmio Pipa

O Prêmio Pipa é uma das comendas entregues anualmente pelo Instituto Pipa e ocorre desde 2010. Nele, um conselho da instituição é responsável pela escolha dos vencedores. Já no Prêmio Pipa Online, o público pode votar entre parte dos artistas indicados naquele ano.

Na trajetória da premiação, dezenas de nomes cearenses já foram indicados e há, inclusive, vencedores. Só na edição deste ano, outros três artistas nascidos ou radicados no Ceará foram indicados: o quixeloense Arivânio, a itaremense Navegante Tremembé e a piauiense radicada em Fortaleza Jane Batista

A realização do Prêmio Pipa Online 2025 será dividida em dois turnos de votações marcadas para o próximo mês de agosto. 

Entre os vencedores, a professora, artista e pesquisadora Renata Felinto, nascida em São Paulo e radicada no Crato, foi escolhida na edição de 2020. Em 2024, o fotógrafo cratense Samuel Macedo venceu o Prêmio Pipa Online. Já em 2014, o caucaiense Diego de Santos foi o mais votado na premiação virtual.

Ao longo dos anos, nomes como Acidum Project, Sy Gomes, Maria Macêdo, Juno B., Wellington Gadelha, Trojany, Naiana Magalhães e Charles Lessa foram alguns dos cearenses indicados.

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