Tarifa de Trump afeta agro do Ceará com contêineres parados e risco aos setores de sucos e pescados
Setor tem produtos comercializados com os EUA que só são plantados e colhidos no Nordeste brasileiro
O Ceará já registra pelo menos 15 contêineres parados no Porto do Pecém, após o anúncio do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, sobre a imposição de tarifas de 50% sobre produtos brasileiros a partir de 1º de agosto.
As empresas que decidiram pela paralisação temem que as mercadorias não cheguem ao destino antes da vigência da taxa, permanecendo em trânsito durante esse período.
De acordo com Augusto Fernandes, CEO da JM Negócios Internacionais, empresa especializada em despacho aduaneiro e frete internacional, esses contêineres contêm produtos como mel e cera de carnaúba, que estão entre os principais itens exportados do Ceará para os EUA.
A situação, mesmo antes da entrada em vigor da tarifa, expõe os potenciais impactos das novas regras sobre o agronegócio cearense.
O setor acompanha o desenrolar dos acontecimentos com preocupação, sobretudo nos segmentos de pescados e sucos de fruta.
Segundo dados do ComexStat, plataforma do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), o Ceará já exportou mais de US$ 1 bilhão em 2025.
Desse total, US$ 246 milhões (aproximadamente R$ 1,3 bilhão na conversão) — ou 23% — foram vendas do agronegócio cearense.
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Embora a liderança das exportações cearenses fique com produtos como aço e ligas metálicas, responsáveis por 50% do total do comercializado com o exterior entre janeiro e junho de 2025, o agronegócio do Estado exporta itens que só existem no Nordeste brasileiro, como a cera de carnaúba.
A principal fatia desse mercado, de acordo com a Comex Stat, fica para os produtos classificados como 'outros peixes, exceto fígados, ovas e sêmen'. Nos seis primeiros meses deste ano, foram US$ 16,2 milhões em exportações desses pescados somente para os EUA, responsáveis por 1,5% de tudo o que foi comercializado com o exterior.
Logo na sequência estão 'sucos (sumos) de qualquer outra fruta ou produto hortícola'. Em valores absolutos, os EUA receberam US$ 15,1 milhões desses alimentos do Ceará, 1,4% de todas as exportações do Estado no primeiro semestre de 2025.
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A produção de pescados é uma das que mais comercializa produtos do Ceará com o exterior. Roberto Gradvohl, presidente da Câmara Setorial de Economia Azul da Secretaria de Desenvolvimento Econômico (SDE) do Ceará, afirma que o maior cliente da cadeia do Estado é os EUA.
."Somos os mais afetados pela tarifação dos EUA. Eles já representaram 90% de nosso volume, hoje são 50%, uma participação muito importante. Sem dúvidas, as lagostas e peixes são as pautas mais expressivas de exportação do nosso estado", reflete
Para ele, "é difícil mensurar neste momento qual será a quantidade da redução" das exportações de pescados para o território estadunidense, mas reforça que o Ceará tem "um produto tradicional de consumo deles".
Setor pesqueiro do Ceará buscará novos mercados
A saída para o setor pesqueiro deverá ser procurar outros países para fazer negociações para dar vazão à produção local.
"O setor deve procurar manter a mesma produção, no entanto devemos procurar novos mercados. Hoje já temos os países asiáticos como clientes importantes, no qual devem ser estimulados e incentivados pelo mercado brasileiro", expõe.
Mesmo com uma eventual redução no volume das exportações para os EUA e, consequentemente, com mais pescados nos estoques estaduais, o preço dos alimentos não devem baixar, mantendo a tendência de estabilidade.
"Os produtos processados para exportação tem características bem singulares e não atingem o mercado nacional", acrescenta Gradvohl.
Em vez disso, devem ser intensificadas as tratativas para retomar as exportações de pescados para a União Europeia, mercado que o Brasil não vende desde 2018. A meta é destravar a negociação com os países do bloco e o Reino Unido, processo que já está "bem avançado", como explica Gradvohl.
"O Ceará tem buscado fazer o dever de casa. Essa ação muda muito para melhor o escoamento de nossos produtos. Estamos trabalhando no sentido de desbloquear as exportações de pescados para a comunidade europeia e Reino Unido, que quando efetivado irá amenizar bastante os efeitos desta tarifação", destaca.
A cadeia produtiva do camarão deve ser afetada na compra de insumos, conforme dados da Associação dos Produtores de Camarão do Ceará (APCC). Nas exportações, o impacto deve ser mínimo, uma vez que a carcinicultura cearense, a maior do País, é focada no mercado interno.
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Fernandes classifica a taxa de 50% anunciada por Trump como uma “bomba atômica”, destacando seu efeito na cadeia produtiva brasileira, incluindo a do Ceará.
O impacto na cadeia produtiva, tanto do agro como diversos setores da nossa economia cearense, é gigantesco. Se isso se concretizar, é uma bomba atômica na economia brasileira. Isso pressiona o dólar, a inflação, e pode gerar uma grande escala de demissões. Isso é temerário".
"Exportamos pedras brutas para os EUA ao custo de US$ 1 milhão. Para uma empresa pequena, faz muita diferença. Exportamos mel para os EUA, média de 100 contêineres por ano a US$ 6 milhões. Para essas cooperativas, é vital. Não tem como substituir", completa.
As ações anunciadas pelo presidente dos EUA revelam que a dependência internacional das exportações para o país norte-americano é grande, e avalia que, atualmente, não há demanda interna suficiente no Ceará que consiga absorver os produtos que seriam comercializados.
"Não temos demanda interna para uma escala produtiva gigantesca que a gente faz, no caso da exportação, seja nacional, seja aqui no Ceará. Exemplo, uma fábrica em Quixeramobim existe para exportar calçados lá para Europa e para os EUA. Estamos falando de vários segmentos", comenta Fernandes.
Na relação da balança comercial entre importações e exportações cearenses para os Estados Unidos, o Ceará registrou superávit bruto no primeiro semestre de 2025 de US$ 342 milhões (R$ 1,9 bilhão em valor convertido).
Mesmo que países da Europa e até mesmo a China absorvam os produtos exportados pelo Ceará, Augusto Fernandes aponta que os EUA precisam de produtos específicos, que vão chegar mais caros ao mercado interno deles com essa taxação.
"Se algum empresário quiser bancar a compra desses 50%, vai aumentar, o que inviabiliza comercialmente. Europa e China podem substituir as exportações para os EUA, agora não temos como substituir o mercado deles. O efeito cascata no encarecimento dos preços, na alta do dólar e da inflação para nós, pode ser danoso para nós", diz.
Frutas devem sentir impacto 'indireto' da taxação
Nos dados da ComexStat, o Ceará é o quinto estado do País que mais exporta frutas com o exterior. Conforme dados da Associação Brasileira dos Produtores e Exportadores de Frutas e Derivados (Abrafrutas), metade de todos os produtos do segmento do Brasil comercializados com outros países saem do território cearense, sobretudo por meio do Porto do Pecém.
São frutas que vêm de outros estados, principalmente Rio Grande do Norte, Pernambuco e Bahia, maiores produtores regionais dos alimentos, além do escoamento da produção do próprio do Ceará.
Para Luís Roberto Barcelos, diretor da Abrafrutas, de modo geral, as frutas cearenses vão para os países europeus, e por isso o impacto da taxação de Donald Trump contra o Brasil não deve ser direto, mas isso não significa que não será sentido.
O impacto não é grande diretamente, mas é indireto, principalmente para manga, porque a partir do momento que não manda para os EUA, essa manga vai ser enviada para o mercado interno ou para o europeu, e aí sim começa a ter problema, porque começa a inundar esses outros destinos, e como é oferecido, o preço deve cair muito.
O Ceará é um dos principais produtores de melão do País, fruta que, ao lado da manga, melancia e mamão, estão entre as mais enviadas para os EUA, como evidencia Barcelos. No caso do melão, é uma sobretaxação em cima dos 28% que já vigoram para as comercializações internacionais do alimento.
"Com esse imposto de 50%, vai ser praticamente impossível. Acho que as exportações para os EUA praticamente vão para zero. O melão já tinha uma tarifa de 28% antes desse novo tarifaço, imagina agora. A rotina agora é buscar outros destinos, compradores, como Ásia e América Latina", defende o diretor da Abrafrutas.
Importância do mel cearense no comércio com os Estados Unidos
Segundo a ComexStat, um dos maiores produtores de mel de abelha do País, o Ceará já exportou para os Estados Unidos mais de 1,3 mil toneladas, o que representa mais de 90% de toda a produção do alimento no território cearense.
Como a tarifa de 50% em cima das exportações brasileiras só está prevista para entrar em vigor a partir de agosto, o presidente da Federação Cearense de Apicultores (Fecap), Joventino Neto, acredita que, caso se mantenha a decisão dos EUA, a cadeia produtiva do mel de abelha cearense não deve ser afetada em 2025.
A taxação, para este ano, não vai incomodar em nada a produção de mel. O Trump já voltou atrás outras vezes. Acredito que essa taxação vai entrar daqui a uns dois meses nas exportações. Nesses dois meses, já tem acabado a produção de mel no Ceará. (…) O preço do mel no Ceará nunca esteve tão bem avaliado, está 16 reais o quilo (kg)".
Isso não significa que não vai haver uma retração considerável nas exportações do alimento para o país norte-americano, mas Joventino avalia que ela deve ocorrer só na safra de 2026. Atualmente, dados da federação apontam que o Ceará conta com cerca de 70 mil apicultores.
Enquanto isso, o presidente da Fecap ressalta que o momento é oportuno para crescer o consumo interno do mel de abelha no Estado, trocando a classificação do uso estritamente medicinal para "um alimento que previne doenças".
"A apicultura está se organizando, e acredito que devemos começar a promover o consumo interno. Se formos analisar, se um aluno de escola pública consumisse um sachê de mel por dia, acabava o estoque de mel no Ceará. Acredito que a gente vai concentrar em consumo interno. Não tem muita vantagem em exportar para os EUA", argumenta.
Ceará intensifica articulação internacional e mira novos destinos
Nessa sexta-feira (11), o governador Elmano de Freitas (PT) solicitou ao Governo Federal que inicie uma negociação com os Estados Unidos para tentar reverter os possíveis efeitos da taxação, sem abrir mão da soberania nacional.
O tarifaço sobre as exportações brasileiras deve fazer com que o Estado invista "na promoção dos produtos cearenses em outros mercados", conforme Sílvio Carlos, secretário-executivo do Agronegócio da SDE.
"Vamos intensificar ações na Europa, Ásia, Oriente Médio. Vamos trabalhar também África, Oceania, principalmente Austrália, além dos países da América do Sul. O momento exige um trabalho nesse sentido", prospecta Sílvio Carlos.
Apesar disso, o secretário alerta que é preciso "aguardar a situação atual": "Como está bem recente essa decisão dos EUA, acreditamos que ainda possa vir a ser revertida ou reduzida".
A boa interlocução com mercados como Ásia e Oriente Médio deve fortalecer as exportações de produtos que antes tinham os EUA como principal destino.
Para a Europa, Sílvio Carlos defende que a taxação do governo Trump vai acelerar as negociações para a retomada da venda do pescado cearense para os países do continente.
"O Brasil está impedido, desde 2018, de exportar pescados para a Europa. Isso fez com que os EUA fosse o principal destino do nosso pescado. Hoje o Ceará é o Estado com o maior valor exportado de pescados e devemos intensificar os esforços para voltar a exportar para a Europa. Devemos acelerar esse processo para que esse novo horizonte seja uma saída", afirma.