Quem está no volante da sua estratégia de IA?

Considerar que a IA é, no fundo, somente software, é tão correto quanto considerar que seres humanos são, no fundo, somente células. É uma análise correta, porém míope

Escrito por
Arenusa Goulart producaodiario@svm.com.br
Legenda: Tratar a IA com ceticismo e sem avanços pode gerar um atraso nas empresas
Foto: IA

Se você esteve ativo no mercado de trabalho executivo nos últimos três anos, com certeza já viu essa cena: um executivo entra na reunião, solta um PowerPoint cheio de buzzwords sobre IA e declara que temos que inovar. Todos acenam com a cabeça. Na semana seguinte, o PPT se junta a tantos outros esquecidos na pasta de “Estratégia”. 

Mas espera um pouco… novas iniciativas precisam ser comunicadas. Com certeza! 

É natural que todo movimento comece com um slide bonito e boas intenções numa sala de reunião. Mas aí entra o paradoxo: embora “inovação” seja a buzzword preferida do mercado, ela carrega um peso real: mudança. A realidade é que a maioria dos seres humanos não processam mudança com elegância.  

Mudança = Risco = Ansiedade 

Para contextualizar esse paradoxo, vamos considerar os resultados de alguns estudos recentes: 

  • 46% dos CIOs relatam que a cultura é a maior barreira para o sucesso (Gartner
  • 31% dos CEOs são demitidos por não gerirem bem as mudanças organizacionais (Forbes
  • 73% dos funcionários afetados por mudanças dizem que estão sofrendo de níveis de estresse moderados a altos. (Gartner
  • O maior motivo para a resistência à mudança é a falta de confiança na liderança (41%). (Oak change report

As estatísticas acima pintam uma imagem clara de como inovar é um esforço em nadar contra a correnteza. 

Se fosse fácil, todos fariam. 

Mas se os números acima ainda não deixaram claro onde o investimento de maior ROI (retorno sobre investimento) se encontra, então, considere mais um dado informativo: 

Uma transformação tem 5,8 vezes mais probabilidade de ser bem-sucedida em organizações nas quais os CEOs comunicam uma história de mudança convincente e de alto nível (McKinsey). 

O problema não é o PPT. O problema é quem pilota o PPT. 

A Inteligência Artificial já é parte do presente e podemos, com confiança, dispensar as apresentações inspiradoras: o que precisamos agora é de gente bem informada no comando da transição. 

Brasil: entre piloto e potência 

Mesmo com todas as evidências na mesa, ainda encontramos muitos céticos que afirmam que a IA é hype. Desde que as redes sociais passaram a ser nosso principal meio de comunicação, somos bombardeados diariamente por tanto hype que aprendemos a passar tudo pelo filtro do ceticismo. 

Isso é uma reação natural e, na medida certa, o ceticismo é saudável. O problema é quando ele paralisa as nossas decisões. 

Dito isso, CEOs e líderes públicos não têm o luxo de se manterem no conforto da superficialidade. Eles precisam saber separar o ruído do sinal. 

Com o ruído filtrado, esse sinal precisa estar 100% claro: a IA está rapidamente se tornando o sistema operacional da sociedade. 

Como todo sistema, ela define o que é possível, o que é permitido e quem manda no quê. Portanto, no Brasil estamos diante de um dilema que é técnico, político e moral: vamos manter a IA como um “adorno do marketing” para sinalizar nossa “postura de inovadores” ou vamos trazê-la para o seu papel real de núcleo da produtividade e da governança? 

Essas decisões não podem partir de um “comitê de inovação”. Elas devem ser: 

  • de quem senta no cofre; 
  • de quem define metas; 
  • de quem lidera. 

A Inteligência Artificial é parte fundamental da realidade global e nossos líderes precisam, urgentemente, assumir a responsabilidade de decidir como integrá-la, sob pena de perderem relevância e competitividade. 

IA não é acessório. É infraestrutura 

Segundo a IDC, o Brasil vai investir US$ 2,4 bilhões em IA até o fim de 2025. Um salto expressivo. Mas o AI Index 2024 deixa claro onde serão aplicados esses recursos: 

  • atendimento automatizado (26%); 
  • personalização (23%); 
  • aquisição de clientes (22%); 
  • inovação de produto (22%). 

Em outras palavras: a aplicação da IA no mais óbvio e onde ela concorrerá diretamente com o seu principal concorrente, ela mesma. 

O erro clássico se manifesta na busca constante pela fruta mais baixa. Na maioria dos casos, a fruta baixa é implantar um chatbot e proclamar que “temos estratégia de IA”. Em outras palavras, aplicar maquiagem. 

Vale aqui deixar bem claro que, começar pelo caminho de menor resistência é, de fato, uma estratégia válida… para quebrar o gelo. Serve pra introduzir o time a um novo paradigma, aliviar as tensões e criar familiaridade com a tecnologia. Dito isso, não pode nunca ser confundido com destino. Quem precisa ter isso muito claro é quem lidera. 

Cabe ao líder entender que IA não é acessório. É infraestrutura. 

Você vai saber que a IA deu certo quando ela sumir da conversa. Quando sua equipe parar de falar de IA e voltar a falar de ROI, market share e sucesso do cliente, você saberá que a IA está entregando. 

IA boa é IA invisível 

A Panvel entendeu isso. 

Em vez de lançar mais um chatbot solto, a empresa conectou a IA aos sistemas que fazem o negócio andar: estoque, vendas, histórico de pedidos. 

O cliente sente a IA, mas não a vê. 

  • A operação melhora, mas não gera interesse no LinkedIn; 
  • O atendimento acelera, mas a qualidade continua alta; 
  • IA some da vitrine, mas continua na cozinha. 

Esse é o ponto. Quando a IA some do discurso e aparece nos resultados, é porque finalmente encontrou o lugar certo: dentro do motor. 

So What? 

  • A visão de como a IA vai mudar a operação deve vir do topo; 
  • Parta do pressuposto que a equipe é aversa a mudanças e que a confiança na liderança é o remédio para curar essa mazela; 
  • Use a fruta baixa para quebrar o gelo, mas o destino da IA é o core da empresa, onde ela irá gerar o maior ROI possível; 
  • É verdade que liderar com IA não exige saber programar, mas exige entender com clareza, como e quando aplicá-la, para saber priorizar sua aplicação. Conhecimento leva à autoconfiança, requisito essencial para a coragem de decidir. 

Quem decidir, não será decidido. 

Chamado à liderança 

Se você lidera uma empresa, uma secretaria, uma fundação, uma escola, então a decisão está em suas mãos. 

Não delegue.  

Quem está no comando de organizações que vão investir milhares de reais em IA não pode se contentar em ser curioso. Tem que dominar os fundamentos estratégicos, como dominaria logística ou finanças. 

O maior perigo em uma estratégia de IA é assistir, de longe, enquanto outros reescrevem as regras do jogo por você. 

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Arenusa Goulart Especialista em Marketing e Inovação. 

Escreve para executivos e empreendedores sobre como tecnologias emergentes transformam negócios 

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