Morte de estudante em SP: saiba os riscos do bullying na escola e como acolher alunos
Consequências podem ser retração, ansiedade e até processos depressivos, exigindo atenção dos responsáveis
Um cotidiano de ofensas levou à morte do estudante Pedro Henrique Oliveira dos Santos, de 14 anos, bolsista no Colégio Bandeirantes, em uma escola particular de São Paulo, no dia 12 deste mês. Diante do ocorrido, um grupo de jovens protestou na frente da unidade de ensino, nesta semana, contra racismo, homofobia e outras formas de violência vivenciadas pelo aluno.
Situações de violência e discriminação prejudicam à saúde mental, afetando indivíduos de realidades diferentes. Um acompanhamento profissional é extremamente relevante para lidar com esse problema. Ao fim deste texto, há uma lista de unidades e projetos, públicos e privados, onde é possível buscar ajuda.
Pedro Henrique era um menino negro, gay e morador de periferia, que enfrentava a rejeição de outros estudantes da escola de alto padrão. Uma reportagem da revista piauí reuniu relatos do irmão de Pedro e teve acesso a mensagens que o adolescente enviou antes de cometer suicídio.
"Fizeram chacota de mim por eu ser gay" e "no prédio do elevador, o menino me deu um empurrão e gritou no meu ouvido" são exemplos dos textos em desabafo encaminhados para a mãe. No início deste mês, o menino afirmou que iria tirar a própria vida por causa desse contexto.
Mas, na prática, o que é bullying? O termo em inglês também é chamado de intimidação sistemática, sendo “todo ato de violência física ou psicológica, intencional e repetitivo que ocorre sem motivação evidente, praticado por indivíduo ou grupo, contra uma ou mais pessoas, com o objetivo de intimidá-la ou agredi-la, causando dor e angústia à vítima.”
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A definição está na Lei nº 13.185/2015, que instituiu o Programa de Combate à Intimidação Sistemática (Bullying). Isso pode aparecer em questões raciais, de poder aquisitivo, de deficiência, de gênero, dentre outros.
Os casos de violência em instituições de ensino e denunciados ao Disque 100, neste ano, somam 9.082 registros no País. São Paulo (2.720), Rio de Janeiro (1.152) e Minas Gerais (488) lideram a lista. Até o momento, o Ceará teve 202 denúncias do tipo.
Alessandra Xavier, doutora em Psicologia Clínica e colunista do Diário do Nordeste, define bullying como uma prática feita com objetivo de causar dor, humilhação e intimidação. "O bullying é uma prática de violência e acontece, principalmente, envolvendo crianças e adolescentes. Entre as suas expressões mais frequentes está o âmbito escolar e, daí, se torna uma coisa terrível porque a escola tem um papel de fortalecer vínculos", considera.
Quando essas relações são permeadas pelo medo e uma violência intencional, as consequências são terríveis de não confiar no outro, de se humilhar para poder ser aceito e têm consequências na autoestima e no processo de identidade
Entre os efeitos causados pelo bullying, a especialista cita:
- Impactos na aprendizagem
- Ansiedade
- Depressão
- Identificação com o agressor (reproduzir o bullying)
- Enxaquecas
- Regressão do desenvolvimento
- Dores estomacais
- Insônia
- Crises de choro
- Isolamento
- Perda de rendimento escolar
- Desejo de abandono da escola
- Dificuldade de expressar emoções
Impacto do bullying na saúde mental
É na infância e na adolescência quando são consolidadas as bases de autoestima e socialização, como explica Lia Sanders, médica psiquiatra e professora na Universidade Federal do Ceará (UFC).
“Então, essas experiências de violência podem marcar emocionalmente, prejudicar a saúde mental e impactar em outras fases da vida”, resume sobre o contexto de sofrimento em ambiente escolar – justamente um dos primeiros espaços de encontros da vida.
“As crianças e adolescentes que sofrem bullying geralmente começam a apresentar alguma mudança no comportamento. Podem, por exemplo, se isolar no quarto, demonstrar irritação em casa, chorar, inventar motivos para não ir à escola”, exemplifica.
Vicente Melo, psicólogo clínico e pedagogo, analisa que o bullying é associado à aparência, hábitos e marcadores sociais com consequências diferentes para cada criança ou adolescente.
“Isso causa desde a baixa autoestima e insegurança até, infelizmente, processos depressivos e crises de ansiedade”, detalha. Como Pedro, crianças negras e LBGT+, por exemplo, podem sofrer mais.
“O preconceito que enfrentam no dia a dia e todos os desafios que têm ao longo da vida – de entrar num espaço e ser julgado –, e começam a ter um processo de maior retração, de se fechar e de baixa autoestima”, avalia.
Muitos estudantes, inclusive, lidam com esse problema fora da escola, seja pelo mesmo grupo nas redes sociais ou entre amigos e familiares. “Quando há essa persistência, esse movimento cíclico do preconceito no cyberbullying ou no cotidiano faz com que se desenvolvam transtornos.”
Como acolher vítimas de bullying
Para acolher crianças e adolescentes vítimas de bullying, primeiro, deve haver a formação de um ambiente seguro e sem julgamento. “Não há uma forma mágica para solucionar e nós precisamos dar relevância à fala das crianças e dos adolescentes”, orienta Vicente.
Dessa forma, quem quer ajudar deve evitar frases rasas como “eu sei o que você está passando” ou “eu fiz isso e melhorei”. Ao notar a necessidade de uma ajuda profissional, os responsáveis devem tomar a atitude de procurar um psicólogo.
“Para quem está dentro de um transtorno depressivo, não tem força de buscar atendimento, então precisamos de um agente que leve para buscar ajuda”, completa Vicente.
Lia Sanders concorda que os pais e responsáveis por crianças e adolescentes precisam criar um ambiente acolhedor para que haja confiança de comunicar o bullying aos pais e aos professores “e deixar claro que os adultos estão dispostos a ajudá-la”, analisa Lia.
Não é benéfica a omissão dos adultos por acreditar que o bullying é algo que poderá fortalecer a criança no futuro. Sem acolhimento, a criança simplesmente para de falar sobre o assunto. É possível perguntar diretamente se foi tudo bem na escola e se tem algo ou alguém que esteja incomodando a criança.
Nos casos de excesso na escola, como acrescenta a especialista, os pais da criança agredida devem conversar com o professor.
“Em alguns casos, pode ser necessário marcar uma conversa com os pais da criança que está agredindo a criança, que não deve ser enfrentada diretamente pelos pais da criança agredida. Crianças e adolescentes, frequentemente, refletem o ambiente familiar”, completa.
Em relação à escola, Vicente acrescenta que os estudantes devem ser orientados de que o bullying não é uma brincadeira e da possibilidade de denunciar esses casos.
“A escola deve estar engajada em fazer com que as pessoas estejam sensíveis que não é dessa forma que se relaciona, ter um ponto de apoio e não ignorar os processos de agressão física e intimidação”, conclui.
O que é feito no Ceará
A Secretaria da Educação do Ceará (Seduc) informou que as escolas públicas da rede atuam com base na Política Estadual de Desenvolvimento de Competências Socioemocionais. Entre as ações, está o Projeto Professor Diretor de Turma (PPDT).
“A ação tem o objetivo de qualificar as relações para auxiliar os jovens no seu processo de autoconhecimento, bem como a promover a melhoria do convívio escolar e comunitário”, informou a Pasta.
“A Seduc dispõe de psicólogos e assistentes sociais educacionais, lotados nas regionais na Capital e no Interior, que trabalham no fortalecimento da relação da escola com a família e a comunidade e estreitam contato com toda a rede de proteção social, de direitos da infância e adolescência, e de segurança”, completou.
A Seduc implementou Comissões de Proteção e Prevenção à Violência contra a Criança e o Adolescente na rede pública estadual, em parceria com o Ministério Público. “Esse processo tem como finalidade reforçar o papel protetivo da escola e estreitar sua relação com a Rede de Proteção para fortalecer uma atuação protagonista da unidade de ensino.”
Também há o Programa Previne com formação para os integrantes das Comissões de Prevenção, com o foco em temas como bullying e cyberbullying, diversidade sexual de gênero e a escola, entre outros.
Outras ações de caráter preventivo são também realizadas pela Divisão de Proteção ao Estudante (Dipre) da Polícia Civil. “Ações voltadas para a prevenção de ameaças virtuais e físicas, além de explicações sobre como ocorrem os discursos de ódio nas redes sociais/haters; bullying e suas consequências; uso de drogas, tráfico, prevenção à violência doméstica e sexual são temáticas abordadas com os estudantes.”
Também questionada pela reportagem, a Secretaria da Educação de Fortaleza (SME) informou que “está constantemente desenvolvendo atividades que visam trabalhar a prevenção do bullying e a promoção da saúde mental nas unidades escolares, com foco no respeito às diferenças”.
A SME destaca que a temática é trabalhada pelas unidades escolares, ao longo do ano letivo, dentro da proposta curricular da Rede de Ensino. Confira as ações citadas:
- Célula de Mediação Social e Cultura de Paz, criada em 2013, focada em desenvolver uma política de prevenção e resolução de conflitos escolares para a disseminação da cultura de paz na Rede Municipal, por meio de ações diversas, onde destaca-se o Programa de Promoção da Cultura de Paz no Ambiente Escolar (ProPAZ);
- Serviço de Psicologia Escolar, para acompanhamento e apoio à comunidade escolar, desde o segundo semestre de 2020, que atua através de acolhimentos individuais e intervenções coletivas, palestras e orientações para todos os membros que compõem a escola. O serviço conta com 12 profissionais de psicologia, além de estagiários;
- Semana da Saúde Emocional na Escola, incorporada ao calendário letivo da Rede Municipal em 2022, e promovida na quarta semana de cada mês, com objetivo de promover discussões e implementar a cultura de promoção da saúde emocional com a participação de alunos, famílias, professores e demais profissionais;
- Participação da SME no grupo de trabalho que atua na construção do Plano Municipal de Promoção em Saúde, Prevenção e Combate ao Suicídio de Fortaleza, do Projeto Vidas Preservadas, do Ministério Público do Ceará, que servirá para orientar a construção de políticas e ações a serem desenvolvidas diante das demandas apresentadas;
- Incentivo ao desenvolvimento de ações sobre o respeito às diferenças, enfrentamento ao bullying, entre outras temáticas levantadas pelos Grêmios Escolares, fortalecendo o diálogo entre pares sobre temas relevantes que contribui para que o espaço educacional seja mais harmônico;
- Entre outras ações para fortalecer e oferecer suporte emocional, por meio da realização das intervenções de gestão das emoções para alunos e professores e estratégias coletivas de autorregulação das emoções para crianças e adolescentes.
Saiba onde buscar ajuda de saúde mental
REDE DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL (RAPS)
A rede municipal de saúde de Fortaleza, via Sistema Único de Saúde (SUS), tem obrigação legal de fazer o atendimento primário de pacientes com problemas de saúde mental. Para isso, conta com 16 Centros de Atenção Psicossocial (seis gerais, três infantis e sete álcool e outras drogas). O serviço do Caps é “porta aberta”, ou seja, o usuário pode procurar o atendimento diretamente ou ser encaminhado por meio de outros serviços da rede de saúde.
Na unidade, os usuários precisam ser assistidos por uma equipe multiprofissional composta por médico psiquiatra, psicólogos, enfermeiros, assistente social e terapeuta ocupacional.
No equipamento, todos os usuários devem passar por uma triagem inicial, no qual é definido a sua linha de cuidado, que pode contar com atendimento clínico e psiquiátrico, práticas integrativas, atendimentos individuais, redução de danos, atendimento em grupos terapêuticos, oficinas, atendimentos à família, entre outros.
A Prefeitura também dispõe de uma rede de apoio à internação de urgência e estabilização na Santa Casa de Misericórdia com 12 leitos para desintoxicação e na Sociedade de Assistência e Proteção à Infância de Fortaleza (Sopai), com 25 leitos infanto-juvenis. Para ter acesso ao serviço é preciso de encaminhamento dos Caps.
Clique aqui para conferir o endereço dos CAPs mais perto de seu bairro
HOSPITAL DE SAÚDE MENTAL PROFESSOR FROTA PINTO (HSM) - MESSEJANA
Na rede estadual, o Hospital de Saúde Mental de Messejana dispõe de emergência 24 horas para pacientes com transtornos mentais graves e que estejam em crise. A unidade recebe pacientes de todo o Ceará.
Para quem precisa de internação, o hospital conta com 180 leitos, sendo 160 para tratamento de pacientes com transtornos mentais gerais e 20 leitos para dependentes químicos.
O hospital fica localizado na Rua Vicente Nobre Macêdo, S/N - Messejana e funciona todos os dias da semana 24h por dia.
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ATENDIMENTO PSICOLÓGICO - UNIVERSIDADE DE FORTALEZA (UNIFOR)
Na Universidade de Fortaleza (Unifor) são oferecidos, pelo menos, 3 serviços diferentes de assistência à saúde mental. Os atendimentos acontecem no Núcleo de Atenção Médica Integrada (Nami), localizado na Rua Maramaldo Campelo, 50 - bairro Edson Queiroz (ao lado do Fórum Clóvis Beviláqua)
- Plantão Psicológico
Atendimento gratuito, por ordem de chegada, limitado ao número de senhas disponíveis.
Terça-feira: 14h às 16h (individual)
Quarta-feira: 14h às 16h (individual)
Quinta-feira: 8h às 10h e de 14h às 16h (individual)
Sexta-feira: 8h às 10h e de 14h às 16h (casais e famílias)
Local: SPA Nami (2º andar)
Contato: (85) 3477-3644
- Atendimento Psicológico
É realizado por encaminhamento da rede pública, por convênios de planos de saúde e também particular, por meio de tarifa social. O atendimento é para crianças, adolescentes e adultos em diferentes abordagens psicológicas.
Segunda a sexta, de 8h às 20h
Local: SPA Nami (2º andar)
Contato: (85) 3477-3644 | namispa@unifor.br
- Programa Interdisciplinar de Nutrição aos Transtornos Alimentares e Obesidade (Pronutra)
Os pacientes encaminhados via posto de saúde ou particular, por meio de tarifa social. É voltado somente para adolescentes e adultos, com sessões de psiquiatria, psicologia e nutrição, específico para quem tem transtorno alimentar (anorexia, bulimia e compulsão alimentar).
Segundas e quintas-feiras, de 13h30 às 17h
Local: Ambulatório de Nutrição, no térreo do Nami
Contato: (85) 3477-3621 | pronutra@unifor.br
CVV | CENTRO DE VALORIZAÇÃO DA VIDA
O Centro de Valorização da Vida (CVV) é uma associação civil sem fins lucrativos, com serviço voluntário gratuito de apoio emocional e prevenção do suicídio para todas as pessoas que querem e precisam conversar, sob total sigilo e anonimato.
Os atendimentos acontecem por meio do telefone 188, por chat, e-mail e de forma presencial.
- 188 | Atendimento 24h por dia e sem custo de ligação
- Chat | cvv.org.br
Horários de funcionamento:
Segundas-feiras: 08h às 01h
Terças-feiras: 08h às 01h
Quartas-feiras: 09h às 01h
Quintas-feiras: 09h às 01h
Sextas-feiras: 13h às 01h
Sábados: 13h às 01h
Domingos: 15h às 01h
- E-mail | apoioemocional@cvv.org.br
- O CVV também atende de forma presencial em Fortaleza no seguinte endereço: Rua Ministro Joaquim Bastos, 806 - Bairro de Fátima.