Levo comigo
Eu chamo de casa aquele lugar em que o meu coração prospera

Ô de casa: lamparinas acesas; bolhas de sabão na louça acumulada; cheiro de amaciante na roupa do varal; gosto de café coado; aroma de terra molhada quando a gente rega aquela roseira que enfeita a janela; balanço das cadeiras na calçada; Bença mãe - beijo na mão seguido de beijo na testa. Eu chamo de casa aquele lugar em que o meu coração prospera.
Com o conforto e a segurança que só encontramos no chão do nosso lar, floresci. Escrevi dezesseis artigos para esta coluna. Imergi em poesias, notícias, artigos acadêmicos, crônicas, dados estatísticos, muitos contos e um punhado de redes sociais. Com olhos alumiados, pés gastos e com um dom para a devoração, escrevi, com alegria no peito, sobre as inimagináveis constelações que envolvem a cultura, a arte e a negritude.
Na mesma medida, escrevi, com coração miúdo, sobre as inúmeras violências que atravessam os tempos históricos, as mentes e os úteros. Aquelas responsáveis por penalizar nossa gente com o requinte da crueldade que, no passado, castigou os nossos.
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Todo esse mergulho foi acompanhado de euforia, lamentações e deleites. A cada texto que saía do forno, rompia com ele uma versão de mim. Sempre chovia aqui dentro.
Nunca tive o propósito de que meus artigos fossem alguma espécie de bússola ou carta de navegação, mas me arrancava um sorriso festivo ao tomar conhecimento de que, para os queridos leitores, eles se tornaram respiros diários. Eu, que sempre tive medo de falar, tinha agora um público que celebrava minha voz. Guardo, com muita sabedoria, uma passagem da intelectual Audre Lorde que diz:
“Podemos aprender a trabalhar e a falar apesar do medo, da mesma maneira que aprendemos a trabalhar e a falar apesar de cansadas. Fomos educadas para respeitar mais o medo do que a nossa necessidade de linguagem e definição, mas se esperamos em silêncio que chegue a coragem, o peso do silêncio vai nos afogar.”
Escrever foi um ato de redenção. E nunca será em vão.
Agradeço à equipe editorial que me fez esse convite sagrado. Aos leitores que se nutriram da minha perspectiva dos fatos. À minha amiga Luciana Vasconcelos por cada contribuição textual preciosa. Às minhas amigas e família que agarravam os ponteiros do relógio, paravam o tempo e seguravam o mundo, enquanto eu mergulhava. Dessa janela, fui testemunha da estreia do sol. Daqui, engoli os dias. Desligo a luz dessa casa, mas, regida pela lua, sigo, levando comigo o apetite para outros encantamentos.