O nascimento do ODS 18 pode evitar a queda do céu?
Para atingir justiça social, discussão precisa integrar as vozes de gabinetes, aldeias e quilombos
Davi Kopenawa, em sua obra “A Queda do Céu”, evidencia uma cosmovisão política que tem sua feitura na coletividade, na construção com o outro e no entendimento da natureza como um corpo integrante deste ecossistema que unifica o homem e o chão.
O xamã e líder político Yanomami é portador de uma compreensão de vida que rejeita a estupidez etnocida que vem a galope com o mundo das cercas, dos loteamentos, dos capangas dos latifundiários, dos royalties e dos conflitos de territórios.
Não há destino para sonhar em um solo onde o agronegócio, a especulação imobiliária, a grilagem e a mineração ganham proteção, enquanto o Brasil enterra os guardiões dessa terra. Para o mundo, Kopenawa profere um recado:
“A floresta está viva. Só vai morrer se os brancos insistirem em destruí-la. Se conseguirem, os rios vão desaparecer debaixo da terra, as árvores vão murchar e as pedras vão rachar -·no calor. A terra ressecada ficará vazia e silenciosa. (...).Todos os xamãs vão acabar morrendo. Quando não houver mais nenhum deles vivo para sustentar o céu, ele vai desabar”.
Como evitar a queda do céu?
Instituída em 2015 pela Organização das Nações Unidas (ONU), a Agenda 2030 estabelece 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) para a promoção da paz e do bem-estar para o planeta. Em setembro de 2023, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciou a criação do ODS 18 – Igualdade Étnico-Racial. Não deixar ninguém para trás é o lema que embasa a luta coletiva que fundamenta as suas diretrizes.
Eliminar o racismo e a discriminação e todas as formas de violência contra povos indígenas e afrodescendentes nas esferas pública e privada, garantindo-lhes tratamento digno, justo e equânime perante os órgãos do sistema de justiça, de segurança pública e administração do Estado; promover a reparação integral das violações socioeconômica e cultural, das perdas territoriais e dos impactos ambientais nos territórios desses povos; e assegurar o acesso à atenção à saúde de qualidade, não discriminatória, são algumas das metas preliminares que vem com o nascimento do ODS 18.
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De acordo com o Censo de 2022, o número de brasileiros que se declaram pardos cresceu e hoje é o maior grupo racial do país, pela primeira vez, com 45,3% da população. Nessa linha de ascensão estão ainda os declarados pretos e indígenas.
Historicamente, a população que arou e regou esta terra é apontada como minoria social. Denominação equivocada, visto que são maioria nos braços que gerenciam as máquinas que fazem o Brasil rodar e, contraditoriamente, esses povos são em menor número apenas nos assentos do espaços de poder que decidem o destino dessa nação.
O ODS 18, apesar de carregar esperança para a implementação de uma justiça social, não conseguirá se desviar de uma incompetência eficaz se não inserir no mesmo círculo de construção e deliberação dessa política as vozes dos gabinetes, aldeias e quilombos.
A Objetivo avançará na medida em que os governantes, de modo prioritário, propositivo e transparente, adotarem a cosmovisão política dos povos tradicionais e originários que defendem o desenvolvimento sustentável.
A ODS 18 só evitará a queda do céu se todos os seus esforços tiverem como ponto de partida e destino a demarcação dos territórios e o respeito pelos povos que, ontem e hoje, nutrem essa pátria.
Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião da autora.