Denúncias de violência contra crianças e adolescentes crescem 31% no CE; violações passam de 23 mil
Segundo os dados do Disque 100, uma denúncia no Ceará aponta, em média, cerca de 6 violações
O Ceará registrou 3.868 denúncias de violência contra crianças e adolescentes, que se refletiram em mais de 23 mil violações contra essa população apenas no primeiro semestre deste ano. Esse cenário representa um aumento de 31% em relação a igual período de 2023, quando 2.944 denúncias foram contabilizadas no Estado. A maior parte das ocorrências foram registradas em Fortaleza e na Região Metropolitana, mas 150 cidades cearenses tiveram casos, segundo dados do Disque 100, canal do Governo Federal para registro e encaminhamento de denúncias de violações.
No registro das denúncias, uma queixa pode apontar a ocorrência da prática de mais de uma violação contra crianças e adolescentes, incluindo situações de violência física, psicológica e patrimonial.
Os dados analisados pelo Diário do Nordeste são do Disque 100 e estão registrados na Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos (ONDH) do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania. Os índices alertam e retratam diferentes cenários em todo o Ceará aos quais crianças e adolescentes estão expostos.
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Em Fortaleza, a gravidade e os efeitos dos diferentes tipos de violações desses direitos ficou explícita na tentativa de chacina ocorrida, no bairro Barroso, no final de junho. Na ocorrência, 1 criança morreu e outros 8 crianças e adolescentes foram baleadas. A ocorrência envolve briga entre facções rivais.
A coordenadora do núcleo de monitoramento de políticas públicas do Centro de Defesa da Criança e do Adolescnte (Cedeca) no Ceará, Ingrid Leite, destaca que nos últimos meses houve um aumento da violência urbana, associado ao modelo de segurança pública, segundo ela, muito pautado na ostensividade e concentrado em áreas periféricas.
“Em 2023, a área da Segurança Pública recebeu 4,6 bilhões para investimentos na área, enquanto que a Assistência Social recebeu apenas 16% (R$718 milhões) de investimento. Apesar dos recursos expressivos para a área da Segurança Pública e de todo o aparato para a atuação das polícias, o contexto violento tem se intensificado no Estado. O que nos faz pensar que este modelo de segurança pública empregado não funciona. Não será com o investimento nesta mesma estrutura e modelo de segurança que iremos mudar este contexto de violência”.
Para Ingrid, o Estado e o município precisam colaborar de forma mais próxima e juntos construírem uma renda pública integrada com as políticas sociais para que seja possível ter uma mudança de cenário nas violências sofridas por jovens e adolescentes.
“Ao olharmos para o número de CRAS e CREAS, a cidade de Fortaleza está abaixo do número recomendado. A capital não tem nem 50% dos equipamentos necessários. São equipamentos que estão em áreas da cidade onde mais acontecem homicídios e outras violências. Na área da saúde, a capital também tem um déficit no número de postos de saúde. Fortaleza deveria ter 224 postos de saúde, mas tem apenas 125, de acordo com o Monitoramento da Política de Saúde realizado pelo Cedeca em 2021, conforme a orientação da Política Nacional de Atenção Básica”.
Ela reforça que para a redução desse cenário de violência contra crianças e adolescentes, os investimentos na assistência social devem ser ampliados e os trabalhos integrados entre município e estado.
“A realidade é que há um cenário de grande empobrecimento das famílias e um contexto onde a maioria dessas famílias são chefiadas por mulheres e, sobretudo, mulheres negras, que tem um vínculo de trabalho precário e precisam de uma rede de assistência de políticas públicas eficientes para que fortaleçam a mulher para que ela proteja a criança.”, destaca Ingrid.
Aumento das denúncias
A coordenadora do Centro de Referência e Apoio à Vítima de Violência da Secretaria dos Direitos Humanos (Sedih) do Estado do Ceará, Rayara Custódio, acredita que o crescimento no número de denúncias é um reflexo do trabalho de conscientização e mobilização da secretaria e de outros órgãos de defesa das crianças e adolescentes com ações em escolas, nas redes sociais e dentre outras.
Apesar do crescimento no número de denúncias, ainda há muitos casos subnotificados, principalmente nas regiões mais afastadas da Capital e da Região Metropolitana.
“Apesar do avanço tecnológico e do acesso rápido às informações pelas redes sociais, elas acabam chegando com menor força no interior. Por isso, acredito que seja um dos fatores da subnotificação. Além disso, também existe a questão de todo mundo se conhecer e de não querer expor a vítima, o que também pode ser mais um dos fatores de subnotificação”, destaca Rayara.
Já a conselheira tutelar de Fortaleza, Débora Nogueira, também revela que houve uma maior conscientização sobre o que é violência, o que se reflete no número de denúncias. Ela lembra que após ações em escolas, as crianças e adolescentes se reconhecem em alguma das violações apresentadas e, a partir daí, o conselho tutelar toma a frente para ouvir a vítima e dá andamento na denúncia.
“O número de casos nunca foi baixo. Acredito que a divulgação através de ações dos órgãos de defesa, através da internet e dos jornais tenha feito com que o número de denúncias aumentasse. Hoje é mais fácil denunciar alguma violação, pelo Disque 100, a pessoa denuncia uma violência de forma muito rápida. A informação chega para as pessoas que vivem no interior, mas não é tão disseminado, pois a população se resguarda e as pessoas não denunciam tanto como na capital”.
Ela também detalhou o trabalho dos conselhos tutelares, que atuam em ações de prevenção e de investigação de denúncias. No caso das atividades preventivas, relata, ocorrem com palestras em escolas e, muitas vezes, explica, após o seminário a criança ou adolescente se identifica em alguma das violências apresentadas e informa ao palestrante.
“Nosso trabalho é principalmente em escolas, com palestras e explicações sobre os tipos de abusos e a partir daí algumas crianças e adolescentes nos procuram dizendo que uma das situações já aconteceu com eles e a partir desse momento de escuta, o conselho inicia a escuta da família e segue com os protocolos de assitência para cada tipo de violência”, esclarece Débora
Quais são os sinais identificadores de violência?
Além da violência física, existem outros tipos de violência que prejudicam as crianças e adolescentes, como a violência psíquica, a violência patrimonial, a violência contra a liberdade sexual, dentre outras. Ao sofrer quaisquer tipos de violações, as crianças e adolescentes apresentam sinais de que algo de errado está acontecendo.
A psicóloga infantil Ana Grasieli Lustosa destaca que as vítimas apresentam diferentes comportamentos, que, na verdade, são sinais de alerta para familiares e outras pessoas prestarem atenção, são eles:
- Isolamento;
- Regressões no desenvolvimento;
- Queda no rendimento escolar;
- Mudança no apetite;
- Problemas do sono;
- Comportamentos psicossomáticos (dores de cabeça, ânsias de vômitos, tristeza profunda).
A psicóloga reforça que a mudança de comportamento é um dos principais sinais de alerta.
“A mudança de comportamento é o principal sinal de alerta para os pais e responsáveis ficarem atentos. Se a criança é alegre e comunicativa e de repente fica muito triste e sem querer conversar com ninguém, é um sinal de alerta para procurar saber o que está acontecendo”, explica.
Ana Grasieli acrescenta que ao constatar uma criança ou adolescente passando por uma situação de violência, é necessário que eles sejam acolhidos e ouvidos por pessoas em quem confiam, sem julgamentos.
Além disso, é importante o adulto ensinar para essa criança que a violência sofrida não é algo normal ou saudável. Ela precisa entender que não tem culpa, e o adulto precisa incentivar a criança a compreender as relações saudáveis, e também como identificar sinais de abuso - e tudo depende da idade da criança, pois a explicação é diferente para cada faixa etária.
Onde procurar ajuda?
Ao perceber algum desses sinais, a recomendação é que os órgãos competentes sejam acionados. O conselho tutelar é um dos principais órgãos de proteção dos direitos de crianças e adolescentes, e é responsável por zelar pelo cumprimento dos direitos desse público. Fortaleza possui 10 conselhos tutelares que atendem aos 121 bairros da cidade.
Confira os endereços abaixo:
- Conselho Tutelar I
Rua Guilherme Rocha, 1070 - Jacarecanga
Telefone: (85) 3433-1416 / (85) 9 8970-5986
- Conselho Tutelar II
Rua da Paz, 302 - Mucuripe
Telefone: (85) 3259-2612 / (85) 9 8899-6677
- Conselho Tutelar III
Rua Silveira Filho, 935 - João XXIII
Telefone: (85) 3131-1950 / (85) 9 8890-9943
- Conselho Tutelar IV
Padre Ambrósio Machado, 625 - Parreão
Telefone: (85) 98970-4905/ (85) 3131-7812
- Conselho Tutelar V
Avenida Alanis Maria Laurindo; s/n - Conjunto Ceará
Telefone: (85) 3452-2483 / (85) 9 8970-5478
- Conselho Tutelar VI
Rua Pedro Dantas, 334 - Dias Macedo
Telefone: (85) 3295-5794 / (85) 98970-5835
- Conselho Tutelar VII
Avenida Bezerra de Menezes, 1751 - Parquelândia
Telefone:(85) 3274-6211 / (85) 98868-9780
- Conselho Tutelar VIII
Av. Alberto Craveiro, Nº1500 - Boa Vista
Telefone: (85) 3433-1423 / (85) 9 8706-6121
- Conselho Tutelar IX
Rua Mário Alencar Araripe, 1421 - Sapiranga
Telefone: (85) 9 9159-3305
- Conselho Tutelar X
Rua Castro Meireles, 329 - Mondubim
Telefone: (85) 9 9161-4566
Além da denúncia direto no conselho tutelar, também é possível registrar os diferentes tipos de violações pelo Disque 100, canal que conta com equipe de escuta especializada para o atendimento de demandas específicas relacionadas aos direitos humanos.
O serviço funciona diariamente, 24 horas por dia, incluindo sábados, domingos e feriados. As ligações podem ser feitas de todo o Brasil por meio de discagem direta e gratuita, de qualquer telefone, fixo ou móvel, bastando discar 100.
Além dos canais já citados, é possível denunciar através Secretaria de Direitos Humanos do Ceará, que possui o Centro de Referência e Apoio à Vítima de Violência, localizado na Rua Valdetário Mota, 970, no bairro Papicu, em Fortaleza. Além do atendimento presencial, o centro também oferece apoio remoto, através de mensagens pelo WhatsApp ou por ligação no (85) 9 8895-5702. A secretaria atende a todos os cearenses.
*Sob a supervisão de Dahiana Araújo