Castelo Branco, presidente cearense da ditadura militar, perde título Doutor Honoris Causa
A Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) decidiu, após mais de 50 anos, anular a honraria concedida ao cearense e a Médici, ex-presidentes no regime militar

Após mais de 50 anos, os títulos de Doutor Honoris Causa - honraria de alto reconhecimento concedida a personalidades que se destacam por contribuírem de maneira notável para o progresso do país - atribuídos pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) a dois presidentes da ditadura militar brasileira, ainda durante o regime, foram revogados.
Em decisão, na sexta-feira (25), a universidade anulou as honrarias outorgadas ao cearense Castelo Branco, em 1966, e a Emílio Garrastazu Médici, em 1971. O cearense foi o primeiro presidente do regime autoritário iniciado em 1964 e que perdurou 21 anos no país.
O cancelamento da honraria foi votado no Conselho Universitário (Consuni) da UFRN, que aprovou por unanimidade a revogação das resoluções que oficializaram o título aos dois militares. O momento contou com a presença de representantes do movimento estudantil, parlamentares, docentes e da sociedade civil.
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Castelo ocupou o cargo de presidente de 1964 a 1967. Médici foi o terceiro presidente do regime e esteve à frente do poder de 1969 a 1974. Conforme já mostrado pelo Diário do Nordeste, o cearense Castelo Branco venceu a eleição indireta no Congresso Nacional, no dia 11 de abril de 1964, dias depois da instalação do golpe militar.
Quando Castelo Branco assumiu, o Ato Institucional 1 (AI 1) - decreto autoritário com poder de se sobrepor a Constituição - vigorava há 2 dias. A norma havia estabelecido uma eleição indireta para presidente do país 9 dias após o presidente João Goulart ter sido deposto.
O militar cearense assumiu no dia 15 de abril. Naquela data, Castelo proferiu um discurso que, no decorrer dos anos ditatoriais, se evidenciou pelas promessas não cumpridas e as contradições. Ao ser empossado, jurou defender a Constituição, reiterou a promessa de entregar o cargo em 1966 e destacou ser um defensor das “liberdades democráticas”. Nada disso se consolidou.
Já Médici, natural do Rio Grande do Sul, assumiu a presidência em outubro de 1969 em um contexto de crescente repressão política após a publicação do Ato Institucional 5 (AI-5) pelo militar anterior, Costa e Silva. O governo de Médici é considerado um período de acentuação da repressão política, com a intensificação do uso do AI-5, e aumento da censura aos meios de comunicação e de denúncias de tortura aos presos políticos.
Processo de revogação dos títulos
As propostas de revogação dos títulos de Doutor Honoris Causa foram encaminhadas ao Conselho Universitário da UFRN pelo reitor da instituição, José Daniel Diniz Melo. A justificativa teve como base os relatórios da Comissão Nacional da Verdade e da Comissão da Verdade da UFRN.
Os documentos, diz a UFRN, “apontam análises, esclarecimentos e relatos que identificam pessoas cujas condutas concretas, por ação ou omissão, contribuíram para a ocorrência das graves violações de direitos humanos”. E, conforme o relatório da Comissão Nacional da Verdade, diz a instituição “o marechal Castello Branco está em primeiro lugar nessa lista de autores”.
Além disso, aponta a Universidade, “o governo do general Emílio Médici é apontado como a época mais obscura dos governos militares no Relatório da Comissão da Verdade da UFRN, em que o medo permanente fazia com que as pessoas evitassem determinados posicionamentos mais ostensivos”. Um dos relatos considerados é do professor Geraldo Queiroz, que foi reitor da UFRN entre 1991 e 1995.
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Na defesa da revogação, segundo a UFRN, as propostas ressaltam que a concessão do título honorífico aos dois ex-presidentes conflita com os princípios proclamados no atual Estatuto da Universidade e não atende aos critérios para outorga de título honorífico de Doutor Honoris Causa descritos no Regimento Geral da instituição.
Para o reitor da UFRN, Daniel Diniz, as revogações não são apenas um ato simbólico, mas também representam um “resgate histórico”. No ano passado, a UFRN, segundo a instituição, revogou 33 atos normativos editados de 1964 a 1984 na universidade.