Quando o cearense Humberto de Alencar Castelo Branco venceu a eleição indireta no Congresso Nacional, na tarde de sábado, 11 de abril de 1964, dando seguimento ao golpe militar que o tornaria o primeiro presidente da ditadura, o Ato Institucional 1 (AI 1) - decreto autoritário com poder de se sobrepor a Constituição - já vigorava há 2 dias. A norma havia estabelecido uma eleição indireta para presidente do país 9 dias depois de João Goulart ter sido deposto.

No dia 15 de abril, o militar cearense tomou posse em Brasília. Era o início da ditadura que durou 21 anos. Naquela data, Castelo proferiu um discurso que, no decorrer dos anos ditatoriais, se evidenciou pelas promessas não cumpridas e as contradições. Ao ser empossado, o cearense jurou defender a Constituição, reiterou a promessa de entregar o cargo em 1966 e destacou ser um defensor das “liberdades democráticas”.

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Mas no decorrer de seu governo ditatorial uma série de ações colocaram esses enunciados oficiais em xeque e a história comprovou suas controvérsias. Ali era o início de uma mudança no sistema político brasileiro que segue gerando efeitos até hoje. (Confira o discurso na íntegra)

Dias antes, em 11 de abril de 1964, na sessão conjunta do Congresso Nacional, liderada pelo presidente do Senado, Auro Moura Andrade, os votos que elegeram o presidente e o vice foram nominais e apenas os líderes de partidos e de blocos puderam fazer a declaração oral. Os demais votos foram encaminhados à mesa diretora por escrito. 

Nessa altura, dezenas de políticos brasileiros já haviam sido cassados pelo AI 1, incluindo os ex-presidentes João Goulart e Jânio Quadros, e o  deputado federal cearense Adahil Cavalcanti (PTB). Nesse mesmo contexto, outros 3 deputados do Ceará foram cassados nos dias seguintes, são eles: Moysés Pimentel (PTB), Expedito Machado (PSD) e José Palhano Sabóia (PTB). 

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Legenda: 1.Castelo ao ser empossado. 2. Castelo Branco com a faixa presidencial3 Castelo assinando o AI 2
Foto: Acervo Agência Nacional

Esta é a terceira reportagem de série que trata da Ditadura Cívico-Militar e seus desdobramentos no Ceará. Desde o domingo (31), data que marca os 60 anos do Golpe Militar de 1964, são publicados textos que tratam do regime autoritário que durou 21 anos no Brasil.

O senador Auro Moura Andrade foi o mesmo que na madrugada de 2 de abril, promoveu uma sessão conjunta secreta do Congresso Nacional e declarou vaga a presidência da República, mesmo que o presidente João Goulart estivesse em território brasileiro, no Rio Grande do Sul, no pleno exercício de seus poderes.

Na ocasião, o deputado Ranieri Mazzilli ocupou a presidência da República interinamente até o Congresso eleger o novo presidente. 

Na eleição indireta no Congresso, Castelo Branco alcançou 361 votos entre senadores e deputados, conforme registra o Diário do Congresso Nacional daquela data. Na votação, o resultado foi o seguinte: 

  • 361 votos - Castelo Branco 
  • 72 abstenções
  • 3 votos para o general e deputado Juarez Távora
  • 2 votos para Eurico Gaspar Dutra

Na mesma sessão, o vice-presidente também foi votado. Venceu o então deputado José Maria Alkmin (PDS) que já havia sido ministro da Fazenda de Juscelino Kubitschek. Ele também obteve 361 votos.

Naquela altura, havia uma previsão legal no AI 1 de que os mandatos do presidente e do vice terminariam em 31 de janeiro de 1966. Mas, na realidade, não foi o que ocorreu. Ambos só deixaram os cargos em março de 1967. 

No dia 11, a ser eleito indiretamente, Castelo proferiu o primeiro discurso como presidente ainda que não empossado. Na ocasião, destacou a “aspiração de restaurar a legalidade, revigorar a democracia, restabelecer a paz e promover o progresso e a justiça social.” 

Ele também disse que pretendia “entregar, ao iniciar-se o ano de 1966, ao seu sucessor legitimamente eleito pelo povo, em eleições livres, uma nação coesa e ainda mais confiante em seu futuro”. As eleições livres para presidente no Brasil só voltariam a ocorrer em novembro de 1989. Pouco mais de 25 anos depois daquela data. 

Transmissão do cargo 

Na transmissão do cargo de presidente, no dia 15 de abril de 1964, que ocorreu no Palácio do Planalto, Castelo Branco recebeu a faixa presidencial do deputado Ranieri Mazzilli, que como presidente da Câmara dos Deputados havia assumido a presidência por convocação do Congresso Nacional quando a “vacância do cargo” foi anunciada no dia do golpe, no início de abril. 

No discurso, Castelo enfatizou o argumento de que o seu governo seria uma rápida transição para a democracia: “Meu procedimento será o de um chefe de Estado sem tergiversações, no processo para a eleição de um brasileiro a quem entregarei o cargo em 31 de janeiro de 1966”. 

Legenda: Imagens extraídas do Livro de posse dos presidentes e vice-presidentes da República do Senado Federal
Foto: Senado Federal

Foto: Senado Federal

Esse é um dos pontos inverídicos. Castelo deixou o poder em 15 de março de 1967 e não entregou o cargo a um brasileiro eleito diretamente, mas sim a outro militar, o Costa e Silva, dando continuidade ao projeto ditatorial. 

Castelo também ressaltou que iria defender e cumprir “com honra e lealdade a Constituição do Brasil” e que “seria escravo das leis do país e permanecerei em vigília para que todos as observem com exação e zelo. Meu Governo será o das leis”. 

Discurso e Atos Institucionais

Apesar do discurso, foi no Governo de Castelo que 3 atos institucionais (AIs) - normas que se sobrepunham à Constituição elaboradas durante a ditadura militar - foram estabelecidos. No AI 2, de 27 de outubro de 1965, Castelo modificou a Constituição do Brasil de 1946 e estabeleceu que a eleição do presidente e do vice-presidente “seria realizada pela maioria absoluta dos membros do Congresso Nacional, em sessão pública e votação nominal”.

O mesmo presidente que no discurso enfatizou a que sua “vocação é a da liberdade democrática”, por meio do AI 2 também alterou ritos do processo legislativo, extinguiu os partidos políticos existente à época, cancelando os respectivos registros, além de garantir ao chefe do executivo o poder de suspender os direitos políticos de qualquer cidadão por 10 anos e cassar mandatos legislativos federais, estaduais e municipais

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Legenda: Fac-símile de edições do jornal Unitário que circularam no Ceará à época do golpe militar
Foto: Acervo Instituto do Ceará/Reprodução

Durante a gestão de Castelo Branco foi também promulgado o AI 3, em 5 de fevereiro de 1966, que estabeleceu nos estados e municípios eleições indiretas para governador e prefeituras de algumas capitais. Ainda sob a gestão de Castelo, o AI 4 foi promulgado em 12 de dezembro de 1966, e convocou o Congresso Nacional para discussão e votação na nova Constituição apresentada pelo presidente. Essa Constituição ficou pronta em janeiro de 1967 e entrou em vigor em março de 1967, quando Costa e Silva assumiu o poder. 

O professor de história George Mota, que há 22 anos atua na Rede Privada de Ensino nas cidades de Fortaleza e Sobral, reforça que “Castelo Branco era um homem de muito prestígio dentro das Forças Armadas, pois foi um oficial de destaque no comando da FEB na Itália durante a Segunda Guerra Mundial e liderava o Estado-Maior do Exército quando foi deflagrado o golpe Civil-Militar de 1964”. Ele pondera que é importante desmistificar a imagem de Castelo como um “ditador mais ameno”.

Como se ele fosse uma espécie de democrata que buscava apenas pôr ordem na casa, ou conduzir o Brasil de volta à democracia. Acreditar nisso é como crer que alguém pode salvar uma floresta derrubando árvores para devolvê-las à natureza em um momento oportuno. Um democrata não extermina a democracia para depois ressuscitá-la.
George Mota
Professor de História

O professor também enfatiza que “Castelo foi nomeado presidente por forças golpistas e foi em sua gestão que a ditadura foi moldada, sendo assim fácil perceber que não havia interesse em devolver o Brasil a legalidade democrática, vide a publicação de Atos Institucionais que buscavam eliminar as oposições, praticaram-se prisões arbitrárias, são inúmeros os relatos de torturas, cassações políticas de opositores e até a elaboração de uma nova Constituição Federal que foi imposta à nação em 1967”. 

Sobre o discurso de 15 de abril, George ressalta ainda que o discurso tenta colocar “uma capa revolucionária ao ato golpista de 1964 e jogar a famosa falácia de que os militares apenas respondiam a anseios populares”. 

Outro ponto, destaca o professor, é que o militar cearense afirmava que a solução para uma “extrema-esquerda” não seria a construção de uma “direita reacionária”. Mas, “o reacionarismo foi uma regra durante os anos da ditadura e os extremismos alimentados nos anos de chumbo ainda dão a tônica das palavras e atitudes dos saudosistas da ditadura”. 

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O discurso de posse de Castelo reflete “constitui, portanto, um dos muitos estelionatos eleitorais da História do Brasil, sendo que com uma gravidade muito maior. Por que seria pior que outros tantos discursos? Porque foram palavras ditas por um presidente que não foi eleito pelo povo e que davam um ponto de partida a um dos momentos mais crueis de nossa História”. 

História de Castelo Branco

Castelo Branco foi um militar nascido em Fortaleza em 20 de setembro de 1897. Mas, para obter gratuidade no Colégio Militar de Porto Alegre, onde estudou, teve o ano de nascimento alterado para 1900, conforme registra o Centro de Referência de Acervos Presidenciais do Arquivo Nacional. 

Na carreira militar, dentre as inúmeras atividades e postos ocupados, foi membro do estado-maior especial da 1ª Divisão de Infantaria Expedicionária (DIE) da Força Expedicionária Brasileira (FEB) e como tenente-coronel, chefiou a 3ª Seção de Operações do Estado-Maior da FEB. Na Segunda Guerra, participou dos combates na Itália (1944-1945), chegando à chefia do estado-maior da FEB em 1945. 

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Legenda: O Mausoléu abriga os restos mortais de Castelo Branco e de Argentina Vianna Castello Branco
Foto: Fabiane de Paula

Em Fortaleza, comandou a 10ª Região Militar. Em Recife, foi promovido a general-de-Exército, em 1962, comandante do 4º Exército. Na articulação do golpe que resultou na ditadura militar, Castelo foi um dos articuladores, sendo o primeiro militar a assumir o poder e ocupando a presidência de abril de 1964 a março de 1967. 

O professor de História, George Mota, explica que apesar das distintas trajetórias políticas e governamentais Castelo Branco não está dissociado de seus sucessores militares na presidência da República. “O que percebemos é que houve uma política de continuidade que levou ao agravamento de políticas já implementadas durante os anos de governo de Castelo”, aponta. 

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Legenda: Fac-símile edições Diário do Nordeste
Foto: Arquivo Diário do Nordeste

Castelo morreu no dia 18 de julho de 1967, meses após deixar o cargo, em um acidente aéreo. Os restos mortais foram enterrados no cemitério São João Batista, no Rio de Janeiro. 

Enquanto isso, no Ceará, na década de 1970 foi inaugurado o Palácio da Abolição, sede do poder Executivo, na Avenida Barão de Studart, em Fortaleza, e em 1972 passou a contar com o Mausoléu Castelo Branco. O espaço é uma grande estrutura em concreto armado com um balanço de 30 metros suspenso, que se projeta sobre o espelho d’água. 

Na época, o capitão Paulo Castelo Branco, filho de Castelo Branco foi um dos responsáveis pelo traslado dos corpos dos seus pais (o militar e a esposa Argentina Viana). Quando inaugurado, a câmara funerária foi situada no monumento na extremidade final do balanço e era antecedida por galerias que abrigavam a exposição de documentos e objetos de Castelo Branco. 

Em agosto de 2023, o Governo do Estado anunciou a retirada do Mausoléu Castelo Branco do Palácio da Abolição. Em janeiro de 2024, o Diário do Nordeste noticiou que a família de Castelo Branco deseja levar os restos mortais - do militar e da esposa - para o Rio de Janeiro. Já o Governo, à época, informou que o processo para definir a retirada dos restos mortais foi iniciado.