Outdoors de LED em Fortaleza geram riscos ao trânsito e incômodo a moradores; ‘poluição visual’

Desde 2024, quatro autuações por descumprimento das regras de instalação dos painéis foram registradas

Escrito por
Theyse Viana theyse.viana@svm.com.br
(Atualizado às 12:44)
Painel de LED com forte luminosidade na avenida Antonio Sales
Legenda: Painel de LED com forte luminosidade em área residencial e comercial na avenida Antônio Sales
Foto: Ismael Soares

A modernização da forma de exibir propagandas está em cada esquina de Fortaleza: os outdoors estáticos, de papel, aos poucos são substituídos por telas gigantes de LED, que piscam diversos anúncios por minuto. A luz forte, porém, tem incomodado motoristas e moradores de edifícios, que reclamam da “poluição visual” causada pelos painéis.

Apesar de regida por lei municipal específica, especialista ouvido pelo Diário do Nordeste aponta preocupação quanto à maneira como as telas têm sido inseridas na cidade, com impactos visuais, cognitivos e até de segurança.

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Há cerca de seis meses, um outdoor luminoso foi instalado em frente ao edifício onde a estudante Clarissa Sampaio, 36, mora, no bairro Salinas. Os efeitos das luzes que “batem no teto” dos andares mais altos, ela relata, incidem diretamente sobre o sono.

“A luz é forte a ponto de ficar bem nítida no teto do 18º andar. Incomoda muito, eu tenho a impressão que é um forte relâmpago e acordo assustada, até entender que é o outdoor. Os moradores já levaram a reclamação à prefeitura. Reduziram as luzes, mas aumentaram novamente”, relata.

A psicóloga July Anne Mota, 50, também destaca que o maior problema do objeto é a intensidade da luz que emite. “Quando o LED vem no verde e no vermelho, que entra no quarto, os moradores se assustam. É a claridade e a poluição visual que ficou pra gente”, lamenta.

Painel de LED na avenida Rogaciano Leite
Legenda: Forte luminosidade de painel na avenida Rogaciano Leite incomoda moradores em edifícios
Foto: Ismael Soares

Do outro lado da cidade, no Centro, um “telão” fixado no cruzamento entre as avenidas Domingos Olímpio e do Imperador sequestra a atenção de quem trafega. Uma moradora do bairro, que preferiu não ser identificada, aponta que o incômodo visual impacta a direção.

“Eu como passageira me incomodo, e como motorista é pior ainda. Mesmo durante o dia, o outdoor dói no olho. E a gente tem necessariamente que ficar olhando pra frente, por causa do semáforo”, pontua.

Riscos à atenção

O nível de luminosidade das telas e até as cores emitidas são o centro das queixas. Diego Ricca, professor do curso de Design do Instituto de Arquitetura e Urbanismo e Design da Universidade Federal do Ceará (UFC), observa que “o que é aceitável ao meio-dia pode ser extremamente ofuscante à noite”.

Pesquisador da área do design, tecnologia e cognição, Diego alerta sobre como esses “estímulos digitais” afetam a atenção no cotidiano. “Quando a atenção periférica é capturada por um estímulo animado, piscante, pode inibir a atenção focada, que é crucial pro trânsito, por exemplo”, inicia.

Outdoor de LED na avenida Domingos Olímpio
Legenda: Atenção de pedestres e motoristas pode ser prejudicada pela forte luminosidade dos painéis de LED
Foto: Ismael Soares

“Painéis publicitários animados, brilhantes, especialmente se mal posicionados, podem desviar a atenção num momento crítico, como a travessia de um pedestre ou a aproximação a um cruzamento. É algo sério, perigoso, que precisa ser olhado com atenção”, completa.

Outro aspecto negativo das grandes telas urbanas é a poluição visual – “e, pior, a sobrecarga atencional” que ela gera, como frisa o professor. “Vivemos hoje um momento de excesso de estímulos visuais, sonoros, digitais, permeado de telas em nosso cotidiano, e isso afeta diretamente a nossa qualidade de vida e a nossa saúde mental”, analisa.

Para o pesquisador, além da regulamentação sobre o nível de luminosidade – que deve se adaptar automaticamente à iluminação ambiente –, é preciso voltar a atenção às cores utilizadas nos anúncios. “Luzes verdes, amarelas ou vermelhas, principalmente piscantes, podem ser confundidas com os semáforos. Isso é um risco real”, alerta.

Painéis de LED na avenida Antônio Sales, em Fortaleza
Legenda: Avenida Antônio Sales, em Fortaleza, tem diversos painéis de LED em toda a extensão
Foto: Ismael Soares

A prevenção de possíveis transtornos e a solução para os que já são ocasionados pelos outdoors de LED passam por alternativas “simples”, como descreve Diego:

  • Regulamentar o nível de brilho e adaptá-lo, por meio de sensores, à luz ambiente;
  • Proibir o uso de cores e efeitos que possam confundir com a sinalização viária;
  • Regular o uso em áreas residenciais ou com grande concentração de pedestres, especialmente à noite;
  • Criar dispositivos legais sobre design urbano, para prevenir a poluição visual.

“Sou um entusiasta do poder transformador da tecnologia. Quando bem aplicada, ela pode melhorar significativamente a qualidade de vida, a educação, a saúde mental e a interação nossa com os espaços urbanos. Contudo, pode se tornar uma fonte de esgotamento, distração e risco se não for pensada com responsabilidade e embasamento técnico.”

Fortaleza está se tornando um grande palco de telas, o que vai redesenhando a paisagem urbana, alterando como a gente percebe e interage com a cidade. O problema é que nem tudo que brilha é progresso, especialmente quando custa a própria saúde da população.
Diego Ricca
Pesquisador e professor do curso de Design do Instituto de Arquitetura e Urbanismo e Design da UFC

No dia 8 deste mês, começou a tramitar na Câmara Municipal de Fortaleza um projeto de lei para modificar a legislação sobre propaganda e publicidade, instituindo novas regras para funcionamento de painéis luminosos.

Uma das propostas é que os outdoors eletrônicos funcionem com, no máximo, 10% da capacidade de iluminação entre 19h e 6h. O texto destaca os "impactos negativos da poluição luminosa".

Empresas autuadas

O Diário do Nordeste questionou a Secretaria Municipal de Urbanismo e Meio Ambiente (Seuma) e a Agência de Fiscalização de Fortaleza (Agefis) sobre:

  • Que critérios as empresas precisam seguir para instalar outdoors luminosos na cidade;
  • Como funciona a fiscalização;
  • Quantas denúncias e reclamações sobre os outdoors chegaram aos órgãos;
  • Se empresas já foram notificadas ou autuadas por infrações nesse sentido.

Em nota, a Seuma informou que os painéis de LED “são regulamentados pelo Código da Cidade (Lei Complementar 270/2019)”, e que “as autorizações são concedidas de maneira virtual, autodeclaratória”. 

A nota acrescenta que, em 2024, a Agefis realizou oito fiscalizações a partir de denúncias, que resultaram em duas notificações e três autuações de empresas responsáveis pelos dispositivos de LED. 

Neste ano, até 28 de abril, “foram três demandas fiscalizadas, com duas notificações e um auto de infração lavrado”.

“A população pode acionar a fiscalização por meio de três canais: o aplicativo Fiscalize Fortaleza (disponível para Android e iOS), o site (denuncia.agefis.fortaleza.ce.gov.br) e o telefone 156”, finaliza a Seuma.

A reportagem contatou a Associação Brasileira de Out Of Home (ABOOH) – que reúne empresas de mídias externas, como os painéis de LED, incluindo algumas atuantes em Fortaleza – para saber se as prestadoras do serviço têm adotado medidas para reduzir os impactos desses outdoors na poluição visual e luminosa de cidades como Fortaleza.

Em resposta por e-mail, a ABOOH reforçou que o tipo de mídia "é um pilar essencial da comunicação publicitária no Brasil, especialmente nos centros urbanos, onde seu potencial de alcance é maximizado". Segundo a associação, cerca de 89% da população brasileira são atingidos pelas publicidades.

"Com a chegada dos painéis digitais, o setor ganhou ainda mais sofisticação. Para garantir segurança e conforto visual, a ABOOH recomenda que os painéis luminosos, incluindo estudos internacionais e mundialmente aceitos, devem operar com sensores automáticos que ajustam dinamicamente o brilho conforme a luz ambiente. Imprescindível respeitar os limites encontrados nesse estudo que são voltados ao conforto do cidadão e de quem trafega em vias públicas", acrescenta.

A ABOOH afirma que "atua há mais de um ano junto ao Congresso Nacional na busca por uma regulamentação federal", cujo objetivo é "estabelecer parâmetros técnicos e jurídicos claros, alinhados a padrões internacionais, que promovam segurança jurídica para os associados e favoreçam uma expansão sustentável do setor".

"A normatização visa harmonizar a presença da mídia OOH no ambiente urbano, promovendo uma ocupação organizada dos espaços públicos e reforçando a contribuição do setor para uma paisagem urbana segura, funcional e visualmente agradável", finaliza a associação.

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