Quem cuida das mães?
Mãe é ambivalência, paradoxo, complexidade de afetos, falhas, sustentações e deslizes. Mãe é humanidade encarnada
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Muitas vezes temos a sensação que as mães são seres eternos, onipotentes, mágicos, imortais, detentoras de poderes super humanos, possuidoras de todas as respostas, poderes de curas e autossuficientes. Como se existissem por si mesmas, apenas sustentadas pelo nome e força da maternidade que atravessa a história suportando sobre os ombros toda a carga de cuidados e responsabilidades sobre o devir da espécie.
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Sobre seus ombros são depositados desde a responsabilidade sobre o futuro da nação, o íntimo, o doméstico, a organização da família, exigindo muitas vezes em troca abnegação dos desejos afetivos, de independência, sexualidade e voz.
Diante dessa representação, não se enxerga a mulher, o ser humano, as construções históricas, os dispositivos de poder, as violências e as demandas enquanto sujeito.
A maternidade atravessada por raça, classe social, gênero, que tantas vezes é depositária de tantas violências, necessita de políticas públicas, de condições adequadas de trabalho, moradia, renda, de arte, lazer, de amor e cuidado. Sob o mito idealizado de um amor materno inabalável, muitas sucumbem em meio a culpa, cobranças e ressentimentos por desejos impensáveis. Mas, quando nasceu essa mãe, quem cuidou dela? Quem a embalou? Quem sustentou suas falhas com compreensões, aprendizagens e absolvições?
Enquanto mãe, muitas vezes é vista como aquela a quem tudo se pede, de quem tudo se espera, mas que pouco precisa ser oferecido.
Sobre elas muitas vezes são depositadas culpas e cobranças pelo que faltou, pelo que falhou, pelas responsabilidades da vida adulta dos filhos que podem servir desse depósito como justificativa para abrir mão das próprias responsabilidades consigo. Muitos adultos, mesmo em longa jornada, servem-se da mãe enquanto depositária dos seus descaminhos, encobrindo o olhar sobre suas próprias responsabilidades.
Enquanto criança e adolescente estamos envoltos nas necessidades dos seus cuidados e proteção. Mas quando elas não receberam a chance de construir isso que lhes é exigido ofertar? Nessa placenta de mágoas, adultos ressentidos crescem ser se tornarem capazes de fazer as pazes com a maternidade dentro de si.
O que é possível enxergar de uma mãe, da sua história, suas potências, seus desejos, seus atravessamentos, seus amores, suas dores, suas perdas, sua invisibilidade? Quantas diálogos ficaram suspensos pelo medo, pelas fantasias de incompreensão, pelo desejo do afeto que, na espera, não se ousou buscar? Você já olhou nos olhos da sua mãe e a enxergou? E o que viu dela em você? E o que não viu, mas está lá? E o que vai fazer com isso?
Detentora do álbum do nosso tornar-se, possui a vantagem do tempo que nos antecede e acolhe. Muitas, maternam os filhos de outrem, outras tantas são mães quase como adjetivo subentendido no nome próprio, incorporado na alma. Mãe não deveria ser um dia, uma oferenda da lógica do consumo que é tão antítese da maternidade. Mãe é ambivalência, paradoxo, complexidade de afetos, falhas, sustentações e deslizes. Mãe é humanidade encarnada. O que é possível oferecer a uma mãe, que não seja oferenda do mercado, mas que seja afeto, troca simbólica, partilha de vida, construção densa de sabedorias tecidas nas torções dos encontros e despedidas, nas identificações e diferenciações?
Quanto tempo se gasta na culpa e no desencontro? Quanta libertação se torna necessária para nascer novamente? Quem ampara as mães, quem retorna o bom que recebeu? Quem aprendeu as lições sobre o tempo e o amor? Quem entenderá que eternidade é afeto e memória? Quem poderá dizer o eu te amo com verdade e gratidão?
*Esse texto representa, exclusivamente, a opinião da autora.