Taxa de analfabetismo entre quilombolas é quase o dobro da população total no Ceará, aponta Censo

É a primeira vez que o levantamento do IBGE detalha dados sobre essa parcela dos cearenses

(Atualizado às 10:07)
Mulher quilombola do Ceará dançando
Legenda: Maior parte dos quilombolas que vivem no Ceará estão em territórios não formais
Foto: Helene Santos

O retrato da população quilombola no Brasil, com informações demográficas e sociais, foi divulgado pela primeira vez pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no Censo de 2022. Entre as estatísticas, está a alfabetização: no Ceará, pelo menos um em cada quatro quilombolas com 15 anos ou mais não sabe ler nem escrever.

Segundo os dados do IBGE, apresentados na manhã desta sexta-feira (9), 26,4% dos quilombolas com pelo menos 15 anos no Ceará são analfabetos. É quase o dobro da taxa de analfabetismo da população cearense em geral, de 14,1%.

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A diferença cresce quando são consideradas somente as populações que vivem na zona urbana. Nesse recorte, a proporção de pessoas que não sabem ler nem escrever um bilhete  é de 22,4% entre quilombolas, mais que o dobro do resultado na população geral (10,7%).

Na zona rural, a taxa continua sendo mais alta entre quilombolas (28,7%), mas a discrepância em relação à população geral (25,6%) é menor, refletindo o déficit educacional histórico que afeta os cearenses, de forma geral, no interior do Estado.

O Ceará tem, conforme o Censo, 15 territórios quilombolas oficialmente delimitados, ou seja, conjuntos de locais em que foi identificada alguma delimitação formal, a partir de material elaborado e presente dos acervos do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e outros órgãos.

Eles foram oficializados por meio de decreto, portaria ou Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID), e alguns abrangem mais de um município. Os territórios listados pelo IBGE são: 

  • Alto Alegre
  • Brutos
  • Lagoa das Pedras e Encantados do Bom Jardim
  • Sítio Arruda
  • Três Irmãos
  • Boqueirão da Arara
  • Córrego Ubaranas
  • Lagoa do Ramo e Goiabeira
  • Minador
  • Serra dos Chagas
  • Sítio Veiga
  • Água Preta
  • Córrego dos Iús
  • Queimadas
  • Timbaúba.

Nesses locais, vivem 4.609 cearenses remanescentes de comunidades de quilombos – 3.094 deles em zona rural e 1.515 em áreas urbanas. Os dois únicos territórios com remanescentes de quilombos vivendo na zona urbana são Lagoa do Ramo e Goiabeira, com 104 pessoas; e Alto Alegre, com 1.411.

O Estado tem, por outro lado, no total, 153 localidades quilombolas, caracterizadas pelo IBGE como todos os lugares do território nacional onde existe um aglomerado permanente de pelo menos 15 habitantes declarados quilombolas, ainda que não oficializados.

23,9 mil
quilombolas vivem no Ceará, estado que tem a 10ª maior população desse grupo no Brasil, conforme o Censo de 2022.

Em todo o País, de acordo com o IBGE, são mais de 1,3 milhão de pessoas quilombolas, vivendo em 1.700 municípios – também a maior parte (61,7%) em situação rural.

CE tem 4ª maior taxa do Brasil

Comparando todos os estados brasileiros, o Ceará é o 4º do Brasil com maior taxa de analfabetismo entre quilombolas. Os estados de Alagoas (29,8%), Piauí (28,8%) e Paraíba (26,8%) lideram a lista.

Se considerada apenas a população urbana, a proporção de cearenses quilombolas analfabetos salta para 3ª maior do País, com um a cada cinco (22,4%) pessoas sem saber ler nem escrever.

Já entre os quilombolas que vivem na zona rural, 28,7% são analfabetos. É o quinto maior índice entre os estados brasileiros, atrás de Alagoas (33,1%), Piauí (30%), Paraíba (29,6%) e Pernambuco (28,9%).

Apesar de alta, quando comparada à população total, a taxa de analfabetismo entre os quilombolas é menor nesses territórios. Enquanto o índice é de 24,7% nos territórios oficialmente delimitados, ela passa para 26,8% entre os que vivem fora deles. Nos dois casos, a proporção é maior na zona rural do que na área urbana.

Quem são os quilombolas

As comunidades quilombolas são grupos étnico-raciais remanescentes das comunidades dos quilombos. Por definição histórica e legal, são considerados quilombolas aqueles com “trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida”.

A identificação dessas pessoas se dá por meio da autodeclaração, na qual consideram as relações com a terra, o parentesco, a ancestralidade, as tradições e as práticas culturais próprias.

O Decreto Federal 4.887, de 2003, regulamenta o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos.

O texto determina que deve ser garantido aos quilombolas o direito às “terras ocupadas e utilizadas para a garantia de sua reprodução física, social, econômica e cultural”.

“Como parte de uma reparação histórica, a política de regularização fundiária de Territórios Quilombolas é de suma importância para a dignidade e garantia da continuidade desses grupos étnicos”, pontua o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), autarquia federal responsável pela titulação.

“Dessa forma, tal caracterização legal abrange não só a assim chamada ocupação efetiva atual, mas também o universo das características culturais, ideológicas, valores e práticas dessas comunidades”, complementa o instituto.

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