O que você fez com os meninos Jesus que passaram por você hoje?
Há muitas formas de encontrar Jesus, o símbolo do Natal, na rotina.
Chega o Natal, lojas lotadas, luzes, enxurrada de estímulos visuais que direcionam para compras, gente correndo para se confraternizar com pessoas que nem sempre cabem no seu afeto, pais desesperados para compensar em compras a ausência, esquecendo que o melhor presente é estar presente. Presente em escuta, tempo, acolhimento, ensinamentos, cuidados e experiências.
O Natal simboliza para os Cristãos o nascimento de Jesus Cristo, representante de uma prática movida pelo Espírito de amor, solidariedade e compaixão. Aquele que irá viver enquanto homem, tecer a ponte entre o divino e sua expressão histórica, carne viva do mandamento central, onde o "Amai-vos uns aos outros" encontra sua manifestação máxima.
Entretanto, embora diga-se que esta deveria ser a festa para encontrar no outro a representação do divino, do amor, para fazer o vínculo da fraternidade, revela um evento onde acontece o oposto: o menino Jesus só é reconhecido nos semelhantes. Como se os que estão em situação de rua, os vulnerabilizados, os diferentes, os que não estão nas minhas listas de afeto e gratidão, não fazem parte da ideia de uns aos outros, nem me passam a ideia de que o menino Jesus vive neles.
Veja também
Assim, um Natal seletivo em afetos e disponibilidade para amar e acolher destoa do seu princípio. Você reconhece o menino Jesus no vendedor, na criança desconhecida, no pedinte, nos motoristas de táxi, de ônibus, nas diaristas, no pessoal do serviço geral, nos professores, nas profissões que você desqualifica? Nos funcionários da construção civil, nos povos originários, na população negra, nos deficientes, na população lgbtqia+, nos surdos, nos estrangeiros, nos não familiares, nos estranhos, nos divergentes, nos que pensam diferente de você, nos que torcem por outro time, no que está em posição hierárquica inferior, no que errou, no que está doente, no que foge do padrão, naquele que você não perdoou, naquele que você olhou mas não viu, naquele que você achou que nem deveria existir?
Para quem não crê, pode significar um momento de celebração com família e amigos para manter a dimensão cultural do encontro. Esse ritual, incorpora aspectos de festividades anteriores ao Cristianismo, de culturas que comemoravam o solstício de inverno (o qual é um evento astronômico relacionado à distância de um hemisfério do sol, o que propicia a noite mais longa do ano). O solstício de inverno é quando a noite é mais longa que o dia, e na tradição Celta, isso representava a escuridão de onde iria renascer a esperança e possibilidade de recomeço ao vir o sol do novo dia. Essa é uma bela metáfora daquilo que precisa nascer em nós enquanto esperança após os dias difíceis.
De como é necessário que venha a luz após a escuridão, que venha o amor, a solidariedade, a proteção; que nos inunde a vida após o terror do abandono, da violência, do desamparo. Que possamos encontrar dentro de nós a possibilidade de silenciar, aquilo que gostaríamos que renascesse, quando diante da possibilidade de sucumbirmos ao que nos suga em morte e horror. Por isso, luzes, árvores e a ideia de renovação, oriundos desses rituais e significados, foram incorporados ao Natal.
O que precisa renascer em você? Será que você reencontra e conversa com o menino Jesus que lhe habita? Será que alimenta a criança cheia de luz e sonhos que vive em você? Quais sonhos precisa voltar a crer? Quais tesouros precisa reencontrar? De qual simplicidade você se distanciou ofuscado pelas estrelas falsas de ilusões? Qual a verdadeira estrela a seguir no seu coração? De quem você precisa se distanciar para nascer em paz, fiel a seus projetos e desejos? Com quem você pode contar para lhe abrigar quando não possuir riquezas ou seguidores a oferecer?
Talvez nesses dias você veja muitos presépios, veja muitas imagens, idealize um menino inalcançável e precise olhar ao redor, perto, dentro de você e perceber que todos os outros, todos os que passam, todos com quem você encontrar hoje, são esse menino, à espera que seu coração, seja manjedoura. À espera que você seja gentil, que você o defende, proteja, acolha, à espera que o chame para a mesa, que abra a porta da sua casa, que abra a porta da sua mente e do seu coração para aqueles que você rejeita e não vê, inclusive o próprio menino que lhe habita e que pode pedir socorro, para poder voltar a sonhar e viver. E que se você cuidar desse menino e permitir que ela cresça, é possível que ele lhe salve e quiçá realize pequenos milagres nos seus dias.
*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião da autora.