Aplicativos de bem-estar e uso de inteligência artificial podem agravar quadros de saúde mental
Chatbots de IA podem orientar inadequadamente pela ausência de supervisão humana.
Os indicadores de adoecimento mental têm aumentado nos últimos anos, em proporção inversa aos investimentos e ampliação de serviços. O pouco acesso a equipamentos de saúde que garantam cuidados integrais em saúde mental, aliado a um contexto contemporâneo que desafia cotidianamente os recursos psíquicos para manter a capacidade de estar bem, favorecem a busca por aplicativos e uso de inteligência artificial na tentativa de encontrar apoio, conforto, cuidados e algum amparo. Por serem de baixo custo e de fácil acesso, têm constituído substituto indevido de cuidados profissionais.
A crise em saúde mental prevista desde antes da pandemia, e agravada pela mesma, exige soluções sistêmicas e não paliativas, como demonstra recente pesquisa da Associação Americana de Psicologia, que avaliou os impactos dos aplicativos e “chat bots” de inteligência artificial sobre a saúde mental.
A pesquisa aponta que diante de uma crise, não se pode substituir o atendimento humano ofertado por um profissional qualificado, que é preciso ficar atento à relação de dependência dos aplicativos e tecnologias e da necessidade de medidas de proteção para crianças, adolescentes e populações vulneráveis.
Faltam evidências científicas robustas sobre os aplicativos, além de ser fundamental o rigor ético nos procedimentos em saúde e no uso de dados. Outrossim, deve-se fiscalizar para que algoritmos de IA não enganem usuários para que achem que estão em contato com um profissional, além de refletirem preconceitos de classe, raça, gênero que possam compor a base de dados.
Muitas vezes, por vergonha, falta de informação, receio do preconceito, pessoas não falam sobre suas dores, não pedem ajuda e se recusam a aceitar tratamento. Assim, movidas também pela lógica de uma cultura individualistas que enfatiza a onipotência e a busca do resolver tudo sozinho, com decréscimo da rede de apoio e falta de incentivo para as estratégias de saúde mental de base comunitárias, a procura por aplicativos e IA (inteligência artificial) têm crescido.
Entretanto, os riscos são inúmeros e envolvem: dependência emocional, isolamento, exposição de dados, falta de suporte em situações de crise, agravamento de quadros como psicose, risco de suicídio, depressão, transtorno bipolar; criação de vínculos artificiais pela fantasia de estar se relacionando com um ser humano o que pode dificultar relações interpessoais e estabelecimento de vínculos, principalmente em adolescentes.
Os “chatbots” podem oferecer informações inverídicas, orientações inadequadas pela falta de supervisão humana e incapacidade de avaliar e conduzir situações de crise emocional. Pode, inclusive, dificultar a busca por cuidados presenciais em saúde mental.
Na busca por fugir da solidão e encontrar algum alívio para o sofrimento, a angústia, o desespero, encontrar palavras produzidas por um algoritmo pode oferecer a ilusória sensação de cuidado.
Entretanto, diante de um adoecimento psíquico é importante um acolhimento que permita abranger a integralidade da existência, uma avaliação criteriosa, a construção de um projeto terapêutico singular que considere as peculiaridades e autonomia do sujeito, que envolva estratégias múltiplas e diversas e não somente medicamentosa, as quais precisam de profissionais qualificados, que estabeleçam excelente vínculo terapêutico, baseado na confiança, no cuidado humanizado, na ética, na autonomia do usuário, na formação reflexiva continuada e nos princípios da Reforma Psiquiátrica.
Uma crise pode ser algo muito sério, que demande cuidados refinados e experientes. O cuidado humanizado não pode ser substituído por algoritmos. Você pode encontrar um pequeno alívio em conseguir expor o que sente, mas a construção dos recursos psíquicos necessários para repensar a vida, olhar para os desejos, a dimensão que envolve o interpessoal, intersubjetivo, os aspectos inconscientes, a relação com outro humano, que está na base e estrutura de quem somos, necessita de vínculo e diálogo com outro ser humano que possua um aparelho psíquico, com afeto, história, desejo, dúvidas, capacidade simbólica e emoções, e não somente um banco de dados de algoritmos lógicos.