Aplicativos de bem-estar e uso de inteligência artificial podem agravar quadros de saúde mental

Chatbots de IA podem orientar inadequadamente pela ausência de supervisão humana.

Escrito por
Alessandra Silva Xavier producaodiario@svm.com.br
Legenda: Faltam evidências científicas robustas sobre os aplicativos, além de ser fundamental o rigor ético nos procedimentos em saúde e no uso de dados.
Foto: Matt Fowler KC/Shutterstock.

Os indicadores de adoecimento mental têm aumentado nos últimos anos, em proporção inversa aos investimentos e ampliação de serviços. O pouco acesso a equipamentos de saúde que garantam cuidados integrais em saúde mental, aliado a um contexto contemporâneo que desafia cotidianamente os recursos psíquicos para manter a capacidade de estar bem, favorecem a busca por aplicativos e uso de inteligência artificial na tentativa de encontrar apoio, conforto, cuidados e algum amparo. Por serem de baixo custo e de fácil acesso, têm constituído substituto indevido de cuidados profissionais. 

A crise em saúde mental prevista desde antes da pandemia, e agravada pela mesma, exige soluções sistêmicas e não paliativas, como demonstra recente pesquisa da Associação Americana de Psicologia, que avaliou os impactos dos aplicativos e “chat bots” de inteligência artificial sobre a saúde mental.

A pesquisa aponta que diante de uma crise, não se pode substituir o atendimento humano ofertado por um profissional qualificado, que é preciso ficar atento à relação de dependência dos aplicativos e tecnologias e da necessidade de medidas de proteção para crianças, adolescentes e populações vulneráveis.

Faltam evidências científicas robustas sobre os aplicativos, além de ser fundamental o rigor ético nos procedimentos em saúde e no uso de dados. Outrossim, deve-se fiscalizar para que algoritmos de IA não enganem usuários para que achem que estão em contato com um profissional, além de refletirem preconceitos de classe, raça, gênero que possam compor a base de dados.

Muitas vezes, por vergonha, falta de informação, receio do preconceito, pessoas não falam sobre suas dores, não pedem ajuda e se recusam a aceitar tratamento. Assim, movidas também pela lógica de uma cultura individualistas que enfatiza a onipotência e a busca do resolver tudo sozinho, com decréscimo da rede de apoio e falta de incentivo para as estratégias de saúde mental de base comunitárias, a procura por aplicativos e IA (inteligência artificial) têm crescido.

Entretanto, os riscos são inúmeros e envolvem: dependência emocional, isolamento, exposição de dados, falta de suporte em situações de crise, agravamento de quadros como psicose, risco de suicídio, depressão, transtorno bipolar; criação de vínculos artificiais pela fantasia de estar se relacionando com um ser humano o que pode dificultar relações interpessoais e estabelecimento de vínculos, principalmente em adolescentes. 

Os “chatbots” podem oferecer informações inverídicas, orientações inadequadas pela falta de supervisão humana e incapacidade de avaliar e conduzir situações de crise emocional. Pode, inclusive, dificultar a busca por cuidados presenciais em saúde mental.

Na busca por fugir da solidão e encontrar algum alívio para o sofrimento, a angústia, o desespero, encontrar palavras produzidas por um algoritmo pode oferecer a ilusória sensação de cuidado.

Entretanto, diante de um adoecimento psíquico é importante um acolhimento que permita abranger a integralidade da existência, uma avaliação criteriosa, a construção de um projeto terapêutico singular que considere as peculiaridades e autonomia do sujeito, que envolva estratégias múltiplas e diversas e não somente medicamentosa, as quais precisam de profissionais qualificados, que estabeleçam excelente vínculo terapêutico, baseado na confiança, no cuidado humanizado, na ética, na autonomia do usuário, na formação reflexiva continuada e nos princípios da Reforma Psiquiátrica.

Uma crise pode ser algo muito sério, que demande cuidados refinados e experientes. O cuidado humanizado não pode ser substituído por algoritmos. Você pode encontrar um pequeno alívio em conseguir expor o que sente, mas a construção dos recursos psíquicos necessários para repensar a vida, olhar para os desejos, a dimensão que envolve o interpessoal, intersubjetivo, os aspectos inconscientes, a relação com outro humano, que está na base e estrutura de quem somos, necessita de vínculo e diálogo com outro ser humano que possua um aparelho psíquico, com afeto, história, desejo, dúvidas, capacidade simbólica e emoções, e não somente um banco de dados de algoritmos lógicos.