Você conhece a sua história?
Você ocupa o lugar de personagem principal ou é nota de rodapé na história dos outros?

O que somos hoje, o que nos tornamos, é herdeiro de muitas mãos. Muitos vieram antes de nós e nos compõem. Infelizmente, pouco aprendemos a dar valor à história, muito porque não percebemos como ela é atual nas repetições, nos medos, nos gostos, nas fantasias, nos desejos, e isso pode nos assustar. Mas também porque não somos apoiados para valorizar esse saber.
Saber das nossas raízes, do que nos ancora, do nosso passado, das histórias que nos habitam é essencial para saber o que nos estrutura.
Diante de uma sociedade que exige rapidez e superficialidade, parar para pensar nas memórias que nos habitam, ouvir os mais velhos, pensar sobre o que nos estrutura pode ser difícil, doloroso e raro. Quanto mais desapropriado alguém é da sua história, mais vazio, perdido, mais alienado aos desejos dos outros, mais inseguro e agressivo.
Muitas vezes, para preencher os buracos da memória, colocamos memórias inventadas ou compramos histórias que não são nossas. Podemos achar que o melhor país é o outro, a vida melhor é do outro, e defendermos discursos e ideologias que nem sabemos a origem ou o porquê.
Pensar sobre nossas memórias, sobre como nos tornamos quem somos, quem está presente dentro de nós alimentando esperanças, medos ou culpas é visitar nossa linha do tempo existencial.
Algumas famílias escondem e mentem às crianças em relação à sua história, deixando-as muitas vezes confusas entre a sensação de que falta algo e o medo de poder perguntar. Ao não poder saber sobre a verdade da própria história, muitas vezes imersas em silêncios e mentiras, pode ser difícil pensar sobre outras coisas e até aprender. Como sustentar o desejo de pensar ou saber sobre outras coisas se nem posso saber sobre mim?
Quais os amores que unem os laços, quais as mágoas, as violências, as conquistas, como as pessoas dessa família foram se encontrando? O que as uniu, foi interesse, comodidade, foi amor? Quais os valores que nos pertencem? Qual a história das mágoas, das invejas, das disputas, das competições? O que se admira na história da sua família, o que se valoriza? É dignidade, trabalho, estudo, dinheiro, estética, violência?
Quais as coisas importantes que marcam minha vida? Quem preciso agradecer? Quem preciso deixar ir? Quem preciso perdoar, a quem preciso pedir perdão? Quais as pazes que preciso fazer com meu corpo? O que preciso reconhecer e valorizar para tornar meu e não boicotar o bom que pode me pertencer?
Você consegue compreender os padrões de culpa, os silêncios que podem rondar as relações na sua família? Você já parou para pensar o que faz com que você seja quem você é? Você tem orgulho de quem se tornou? Que novas rotas você precisa tomar? Você sabe a história de perdas da sua família? E a sua história de perdas? A sua história de amor e aprendizagem?
Como você construiu a relação com seus amigos? Eles podem confiar em você? Quem você já traiu? Quantas mentiras já contou? Quão solidário e gentil você é? Até onde você sabe da sua história, dos seus bisavós, seus avós, seus pais? Existe festa e alegria nesse caminho? Qual o lugar dos prazeres e da sexualidade? Qual o lugar das mulheres? Como se comportam os homens? Como se lida com a diferença?
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O que sei da história da minha cidade, do meu Estado, do meu país? O que sei sobre o meu sobrenome, sobre a escolha do meu nome, sobre os lugares onde morei? Quais livros, filmes, músicas, estão na minha biografia? Quando eu olho para o espelho, eu gosto de quem vejo? Eu celebro a minha cultura, os meus ancestrais?
Eu sei me defender? Eu defendo a minha história? Eu sei que posso reescrever e recompor tantas vezes quanto desejar os meus roteiros? Quais seriam os capítulos da sua narrativa e quais páginas precisa recontar agora com a sua voz e a sua memória? Quanto ainda há para ser vivido. Mas e você, sabe o seu lugar no roteiro? Ocupa o lugar de personagem principal ou é nota de rodapé na história dos outros?
*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião da autora.