Com quem você escolhe casar?

Nossas escolhas amorosas podem repetir trajetórias de sofrimento transgeracionais

Escrito por
Alessandra Silva Xavier producaodiario@svm.com.br
Legenda: Podemos escolher alguém que nos encanta e que se importa com nosso prazer, nossos sonhos e desejos
Foto: Shuitterstock

Usualmente, podemos considerar que as decisões mais importantes referem-se ao campo profissional, escolha de uma carreira, de um trabalho, de um projeto de estudo.

Muitas vezes as preocupações financeiras ocupam o lugar do que é relevante e mais importante, obedecendo a uma lógica do capital que tende a oferecer valor àquilo que é da ordem da produção, da mais-valia, do trabalho, e que irá sustentar o funcionamento social, econômico e político.

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As emoções vão para o lugar do controle ou da desqualificação, ocupando um lugar secundário diante das grandes decisões da vida, que passa a ser pressionada a seguir a lógica da objetividade, do planejamento e do controle, da ordem e do progresso.

Assim, muitas vezes, parece ser possível aplicar objetividade a tudo, inclusive nos afetos e no jeito de ser e sentir, como se fôssemos máquinas ou extensões da lógica computacional, ou da inteligência artificial.

Entretanto, o mundo subjetivo não funciona com a lógica e a objetividade dos planejamentos administrativos. Nossos afetos são regidos por outra ordem, em que desejos, fantasias, ilusões operam com imensa força, muitas vezes contraditórias à lógica da consciência, como tão bem nos lembra Freud desde 1895.

Nesse cenário, uma das escolhas mais importantes passa muitas vezes sem o devido investimento emocional, reflexivo e sem receber a importância e valor que possui: os parceiros ou parceiras que teremos ao longo da vida. Essa pessoa, ocupará um lugar importantíssimo na nossa existência, poderá nos auxiliar em escolhas difíceis, nos apoiar diante de crises e desafios complexos, poderá nos permitir conexão com nossos melhores desejos ou nos envolver naquilo que de pior nos move.   

Nossas escolhas amorosas podem repetir trajetórias de sofrimento transgeracionais, alimentar fantasias de reparar coisas que não são nossas, de casar com parceiros para oferecê-los em oferenda à família, na tentativa de assim, reparar fracassos em outras áreas; podemos escolher pelo conforto, pela segurança financeira sacrificando respeito e amor próprio; podemos tentar dissociar dessa escolha a alegria, o prazer, a cumplicidade, a lealdade; podemos escolher alguém pensando nos filhos que ainda não existem e em vez de escolher o parceiro ou a parceira, escolher o pai ou a mãe.

Podemos escolher alguém para dar a satisfação para a sociedade, para manter-se dentro dos laços de hipocrisia; podemos escolher alguém porque desistimos do sonho, da esperança e do amor.

Podemos escolher para obter seguidores e postar nas redes sociais a idealização do que desejaríamos, mas nem somos, nem temos de verdade.

Podemos escolher alguém que nos encanta e que se importa com nosso prazer, nossos sonhos e desejos. Será que escolheu alguém que lhe escuta, que lhe apoia, ou que ressuscita seus monstros e fantasmas? É alguém diante de quem você se sente confortável para ser quem é? Existe afinidade com os projetos de vida? Existe espaço para lidar com discordâncias e diferenças ou um controle para ser igual, pensar igual, num desejo de fusão e indiferenciação? Existe apoio para as conquistas, os projetos e desejos individuais? É alguém que se cuida? É alguém capaz de cuidar?

Podemos escolher alguém egoísta, que ficará em júbilo com nosso sofrimento, subserviência e manipulação.

Inúmeras vezes, relacionamentos onde as escolhas podem ter sido atravessadas por processos destrutivos, por repetições de busca por sofrimento e violência, podem desencadear imenso adoecimento psíquico. Conviver com quem não se tem afinidade, com quem não se experimenta alegria, com quem não se é visto; conviver baseado em uma escolha por negócios, é colocar o afeto na bolsa de valores.

Serão parceiros de vida ou de morte, saúde ou de doença, de alegria criativa e liberdade ou controle e manipulação? O que move meu desejo na procura de uma parceria estável de longa duração, e para quê estou dizendo sim quando aceito essa união?

*Esse texto representa, exclusivamente, a opinião da autora.