Como sustentar o amor diante da inveja?

A inveja é o reconhecimento das coisas boas dos outros, ao mesmo tempo em que damos conta de que aquilo nos falta

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Redação producaodiario@svm.com.br
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A vida irá nos confrontar com a falta, com as perdas, e com o desejo de termos ou sermos aquilo que perdemos e de obtermos o que consideramos admirável e que os outros possuem. A inveja é o reconhecimento das coisas boas dos outros, ao mesmo tempo em que damos conta de que aquilo nos falta e da incapacidade em ter controle sobre tudo que desejamos.

Ao sermos surpreendidos com a admiração e o desejo pelo que os outros possuem, somos obrigados a nos deparar com nossas imperfeições e limites. Diante disso, a inveja pode provocar agressividade. Incapaz de lidar com as próprias perdas e limites, pode ser terrível admirar que o outro tem, aquilo que me falta. E dependendo da capacidade de lidar com os sentimentos que essa constatação causa, posso querer destruir, para me poupar da dor de me confrontar com meus limites.

No entanto, nem toda inveja precisa ser destrutiva. A inveja pode impulsionar aprendizagens, inspirações, trabalho. 

Enquanto sentimento dos mais humanos e expressivos, pode estar presente em relacionamentos abusivos (não suporto que o outro tenha coisas boas que desejaria para mim), entre pais e filhos (meus filhos não podem ter o que não tive), no ambiente de trabalho (não consigo conviver com o talento do outro que desejaria ter), entre vizinhos (tenho que ter as mesmas coisas que o outro tem ou melhor para me sentir bem comigo), na política, nas relações de poder, nos espaços educativos, ocupando espaços íntimos e públicos onde a relação entre o que me pertence e o que me falta irá pulsar.

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Segundo Melanie Klein, psicanalista que se debruçou sobre a inveja com uma das maiores contribuições para a prática clínica, em diversos estudos como “ Inveja e gratidão “ de 1957, a inveja é emoção presente desde os primórdios da vida e ocupa um papel central no desenvolvimento psíquico do sujeito pois irá se relacionar com as forma como experimentará sua agressividade e capacidade de gratidão e reparação pelas fantasias destrutivas.
         
O invejoso pode não ter consciência da sua inveja e muitas vezes atacar aquilo que conscientemente não percebe que, na verdade desejaria possuir.

Além disso, pode fantasiar de que aquilo que o outro possui, lhe foi usurpado e que na verdade, é ilegítimo, porque deveria ser o invejoso o possuidor daquele valor e  não o outro; desconhecendo o trabalho, o esforço que foram necessários para a obtenção daquela conquista. 
                
Os sentimentos hostis podem se dirigir a questões corporais, intelectuais, financeiras, amorosas, ocasionando imensa dificuldade em agradecer, reconhecer, valorizar e confiar.
                 
A inveja nos confronta com nossos aspectos destrutivos e com os nossos desejos e pode nos impulsionar  a ressignificar a imagem sobre nós e dos rumos que precisamos construir na vida, além da capacidade de lidar com as diferenças e admirar aquilo que talvez jamais tenhamos, mas que alguém que amamos possui. 

Quando presente nas relações íntimas,  é  desafio que exigirá profundo trabalho interno, pois como sustentar o amor diante da inveja? Como proteger a quem amo e admiro daquilo que desejo atacar porque me incomoda, pois faz confronto interno com o que não tenho, não posso, não sou?

A inveja gera ressentimentos, dificuldade em receber, em reconhecer o que possui e em confraternizar e usufruir do bom dos outros. Ao desejar não somente possuir o que o outro tem, mas eliminar, a inveja não reconhecida, não trabalhada, pode ter consequências terríveis nas relações e no campo social. 

Perceber as coisas boas que possuo, conseguir lidar com os sentimentos hostis e a incapacidade de controle sobre tudo; poder reconhecer o que recebo e as coisas boas do outro, é processo evolutivo que pode levar uma vida toda.

Poder admirar a grandeza do outro, as diferenças, é fundamental para os laços de afeto, respeito, confiança, aprendizagens, para as trocas e os vínculos.

Aquele que não reconhece nem trabalha a sua inveja, pode continuamente viver imerso em mágoas , raivas, solidão, ingratidão, desgosto e ressentimentos, atribuindo a outrem a responsabilidade por aquilo, que diz da sua incapacidade de se confrontar com o que lhe falta e deseja.