As dívidas emocionais que não conseguimos quitar e os juros impagáveis

Podemos, sem nos dar conta, vivermos em função de quitar dívidas emocionais que não são nossas

Escrito por
Alessandra Silva Xavier* producaodiario@svm.com.br
Legenda: Podemos, sem nos dar conta, vivermos em função de quitar dívidas emocionais que não são nossas
Foto: Shutterstock

Estamos acostumados a pensar as dívidas enquanto algo que contraímos para realizar algum desejo. Geralmente após um bom planejamento, mas que podem ocorrer também diante de impulsos para obter satisfação imediata sem avaliar as consequências. O preço a pagar pelo que desejamos, torna-se explícito e calculável e teremos que arcar com as consequências desse ato. Entretanto, frequentemente, não conseguimos perceber de forma tão clara e explícita, pois não se expressa em boletos ou cobranças tão evidentes, as dívidas emocionais que nos custam a pagar. Esse pagamento cobra caro, porque pode levar a saúde, a capacidade de obter prazer, as noites de sono, a possibilidade de amar e construir um projeto de vida com autonomia e independência criativa. 

Podemos, sem nos dar conta, vivermos em função de quitar dívidas emocionais que não são nossas. Pagar pelo abandono de um pai, uma mãe, pelo sofrimento de um casamento ruim, pelas dores dos progenitores, pelos sonhos não conquistados de avós, por abandonos, violências, fracassos, sacrifícios, expectativas e desejos depositados sobre nós, que assim, nos tornamos herdeiros das vidas não vividas de outrem. Essas dívidas se alimentam de nossa submissão, culpa e busca por reconhecimento e aceitação, muitas vezes em miragens narcísicas de nós. 

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No aprisionamento do medo de falhar, de não atender às expectativas, de se sentir o salvador das dores dos outros, os juros das dívidas aumentam e transbordam transgeracionalmente. Alguns já nascem herdeiros do que pais e avós não conseguiram realizar, do que causaram de danos, das falhas e que lhes será cobrado reparar com a moeda da própria felicidade. 

Pode ser a necessidade de restituir as dores que a mãe sofreu, a vida infeliz que o pai teve, a vida profissional que não foi acessível a algum membro da família, o diploma, a profissão, o casamento, o trabalho, o amor, a dedicação, os abandonos, os desejos não realizados que podem ser impostos a que seja o fiduciante e pague as dores, fracassos e desejos famintos de satisfação. 
               
Essa conta jamais fechará porque o tempo acrescenta fantasias intermináveis às culpas vorazes que alimentamos. Nesse percurso, dia a dia, abre-se mão de um sonho, um desejo, uma escolha, um projeto pessoal. Torna-se impraticável escolher algo para si, pois é percebido como se deixasse de ser oferecido ao financiador. Sem perceber, o sujeito dedica a vida a tentar cuidar, ofertando sua carne e alma para sanar as satisfações alheias, sendo consumido pela amargura de uma vida que não pode usufruir. 

Identificar as manipulações, vindas de quem amamos, não é fácil.  Até porque, nem sempre é percebido enquanto manipulação. Muitas pessoas acham que lhes é de direito que seus descendentes lhes restituam as mágoas, e ofereçam a vida a cuidar e oferecer aquilo que sozinhos não conseguiram, funcionando assim, como extensão de si, sem a possibilidade de ter vida própria. 
       
Ancorados em promissórias impagáveis de culpa, medo, vergonha, sensação de fracasso, cansaço, irritação, impotência e tristeza, a sensação é de imensa ambivalência entre o desejo de libertação e a submissão.

Ser capaz de arcar com os custos do seu próprio desejo é processo imprescindível para a autonomia e a vida adulta. É preciso lembrar que se há quem constrói as armadilhas emocionais, ficar prisioneiro delas também é uma escolha que pode ser alterada.

A chave para abrir esse aprisionamento é perceber o que sustenta que eu ofereça a chave dos meus desejos a outrem. Nem sempre será possível perceber e sair disso sozinho e nem sempre será fácil ou indolor.

Abrir mão de responsabilidades que não são nossas, muitas vezes necessita ser capaz de lidar com a dor que o outro irá sentir. No entanto, é importante perceber que não somos nós os algozes das escolhas da vida dos outros, mesmo que os amemos. E que por mais que queiram nos impor a responsabilidade, não fomos nós os autores dessas escolhas.

Para isso, é importante assumir que, infelizmente, não podemos salvar quem amamos da responsabilidade sobre a sua própria vida. E assim, entender que é preciso cuidar para não repetir o ciclo, pois ao abrir mão da própria vida, para quem quererá transferir as suas próprias dores emocionais não cuidadas nem assumidas?

*Esse texto representa, exclusivamente, a opinião da autora.

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