Com R$ 1,1 milhão, multas ambientais em Guaramiranga em 2025 já superam triplo do valor de 2024

Maioria das infrações flagradas pela fiscalização estadual é de construções ou reformas indevidas na área de preservação

Escrito por
Theyse Viana theyse.viana@svm.com.br
Vista aérea da APA da Serra de Baturité, área de proteção ambiental
Legenda: Vista aérea da APA da Serra de Baturité, onde se localiza Guaramiranga
Foto: Reprodução/SEMA

Pelo menos três multas por mês. Essa é a média de violações ao meio ambiente identificadas e penalizadas em Guaramiranga, na região do Maciço de Baturité, no Ceará, em 2025. Entre janeiro e a primeira semana de maio, 15 autos de infração foram lavrados na cidade, de acordo dados da Superintendência Estadual do Meio Ambiente (Semace), levantados em plataforma do órgão, pela reportagem do Diário do Nordeste, disponibilizada após pedido via Lei de Acesso a Informação (LAI).

A soma dos valores das autuações estaduais neste ano já chega a R$ 1,1 milhão, quase quatro vezes mais do que o total das 13 multas aplicadas em 2024 inteiro, nas quais foram estipulados R$ 283,1 mil.

A cifra milionária de 2025 foi “puxada” por uma autuação aplicada em abril, que multou uma empresa em R$ 1 milhão por “construir obra utilizadora de recursos ambientais, considerada efetiva ou potencialmente poluidora, em desacordo com a licença obtida”.

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Guaramiranga, recentemente envolta em polêmica sobre a criação de uma autarquia própria de meio ambiente, está dentro da Área de Proteção Ambiental (APA) da Serra de Baturité – e, portanto, tem o uso e ocupação do solo regidos por leis específicas, tanto estaduais como federais.

Construir, reformar ou ampliar casas ou hospedagens sem licença ou autorização do órgão ambiental está entre as infrações mais frequentes punidas pela Semace no município. O desmatamento ou supressão vegetal ilegais e o descumprimento de requisitos para intervenções também aparecem na lista.

Os dados foram coletados na última quinta-feira (8), na plataforma de consulta de processos da fiscalização ambiental, atualizada diariamente pela superintendência.

Degradação irreversível

Vista aérea da APA da Serra de Baturité
Legenda: Vista aérea da APA da Serra de Baturité, onde está Guaramiranga
Foto: Gentil Barreira/Arquivo DN

Em março deste ano, foi iniciada uma operação de fiscalização ambiental na cidade, considerada pelas autoridades como “área crítica”. Para eleger os locais das abordagens, são analisadas as infrações flagradas entre 6 meses e 1 ano. Guaramiranga é uma das mais visadas, como explica Carolina Braga, diretora de fiscalização da Semace.

Os casos mais recorrentes na APA da Serra de Baturité, segundo ela, são as construções em áreas proibidas e a destruição da Mata Atlântica. “O destaque é Guaramiranga, que sempre foi uma área crítica, mas temos um avanço recente das infrações em outros locais, como Mulungu”, observa.

A aplicação de multas, termos de embargo de obras e de apreensão de “bens utilizados para cometimento de ilícito” são a maior parte da rotina dos fiscais, como descreve Carolina. Eles aplicam ainda notificações, que têm caráter de orientação, e advertências, estas “mais raras”.

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multas ambientais foram aplicadas pela Semace em Guaramiranga entre 2020 e maio de 2025. Em Mulungu, foram 75 no mesmo período.

No caso de obras irregulares, o processo entre a fiscalização e a punição não impede a degradação ambiental. Um dos principais desafios da proteção dos recursos naturais é que, mesmo após flagrados, os infratores seguem com as construções.

“Enfrentamos isso todo dia. É de praxe que seja feito o embargo da obra, ele tem obrigação de parar. Mas o infrator contumaz não para. Aí temos outra multa, mais pesada, por descumprimento de embargo. Mas o processo todo tem que seguir, ele tem direito à defesa, e nesse tempo conclui (a obra)”, lamenta Carolina.

Ela afirma que o tempo de julgamento dos processos reduziu de cinco anos para um ano, mas reconhece que “é incompatível com o ritmo da obra”.

“Quando são obras grandes, eles recorrem à esfera judicial, demora ainda mais. É um desafio, precisa ser pensado mais o ponto de vista das normas, leis mais duras, para dar cumprimento mais rápido à execução.”

Questionada se a identificação de áreas sensíveis é informada a outros órgãos de proteção, para que haja ações preventivas aos danos, a gestora afirma que a Semace “trabalha sempre com articulação, porque é uma forma mais inteligente de se trabalhar”. 

“Existem interesses e atribuições afins, mas cada um tem prioridades. Nos articulamos com a Sema, com o Ministério Público, com a Polícia Civil, com a ambiental, para fortalecer esse trabalho”, destaca Carolina.

Nenhum licenciamento negado

Guaramiranga, no Ceará
Legenda: População teme que verde da cidade de Guaramiranga seja reduzido de forma acelerada com a maior concessão de licenças para construções
Foto: Thiago Gadelha

Entre 2020 e maio de 2025, foram emitidos ou renovados pela Semace 166 licenciamentos ambientais para atividades como construções, instalações de empreendimentos e retirada de vegetação nativa. No mesmo período, nenhum pedido foi negado pelo órgão.

Do total, 43 solicitações se referem à Licença Ambiental por Adesão e Compromisso (LAC) – dispositivo que gera alguns dos principais gargalos e “brechas” para o cometimento de infrações ambientais, como avalia Flávio Nascimento, geógrafo e professor da Universidade Federal do Ceará (UFC).

“A LAC é utilizada no país todo, mas o Ceará foi um dos pioneiros. São licenças de autodeclaração: a pessoa que vai fazer o empreendimento entra no sistema do órgão ambiental e solicita. É no princípio de boa fé”, pontua.

O problema é que empresas ou pessoas físicas acabam solicitando licenciamento para um fim, e praticando outro, segundo relata o pesquisador.

“Para casas, unidades familiares, são licenças comuns. Para uma pousada, é uma licença simplificada. É uma brecha na legislação. Quando as pessoas pedem o licenciamento simplificado, acabam fazendo muitas vezes moradias, burlando a LAC. Isso só vai ser corrigido com uma denúncia”, destaca Flávio.

O professor da UFC cita que, após conseguirem a licença, os donos das obras chegam a fixar placa com supostas permissões para as intervenções – algumas, inclusive, ilegais. “As LACs não permitem a supressão vegetal, por exemplo, que é um ponto sensível em Baturité. Mas o infrator pede a LAC, muda o empreendimento e acaba fazendo inclusive a supressão. Burla o processo”, explica.

Carolina Braga, diretora de fiscalização da Semace, reafirma que “a principal obrigação do órgão é fiscalizar o que licencia”, uma vez que “a licença ambiental não é uma carta branca”. Ela reconhece que as LACs “são mais céleres e difíceis de fiscalizar”, mas informa que “licenciar por esse meio não é uma opção da Semace, é uma obrigação” por lei.

“Uma vez que recebemos uma denúncia ou buscamos nas operações, nos deparamos, sim, com intervenções em desacordo com as licenças, e fazemos os procedimentos. A reincidência é uma causa de aumento de multa”, conclui a gestora.

O Diário do Nordeste solicitou à Semace um integrante do órgão para entrevista especificamente sobre os processos de licenciamento, que não são da alçada da gestora, mas a Pasta não disponibilizou fonte até o fechamento desta publicação.

“Perdas de vidas humanas”

APA da Serra de Baturité
Legenda: Área de Proteção Ambiental da Serra de Baturité inclui Guaramiranga e outros oito municípios
Foto: Cid Barbosa/Arquivo DN

Pela riqueza ambiental e paisagística, o Maciço de Baturité “é um dos pontos mais conflitantes do Estado”, como classifica Flávio. Para ele, “as pessoas têm o conhecimento da infração, mas insistem nos seus empreendimentos e projetos”.

Ele avalia que as APAs, embora visem a preservação, geralmente são criadas em áreas urbanas – e, inevitavelmente, atravessadas por problemas. “Essa é uma questão: numa região como Baturité, esses conflitos vão estar à flor da pele”, ilustra o pesquisador.

Os danos podem ser irreversíveis. “(As construções irregulares) podem provocar danos profundos no solo, impermeabilização, aumentando o escoamento da água. Como é uma região de encostas, numa serra, pode ativar o movimento de massa, queda de blocos, corridas de lama, acentuando o risco ambiental”, exemplifica o pesquisador.

É bom lembrar que os riscos ambientais no Ceará estão muito relacionados às secas ou às enchentes, e no Maciço de Baturité há os primeiros casos recentes de mortes envolvendo desmoronamento de encostas, movimentos de solo e queda de blocos. É uma região de área de risco nesse sentido.
Flávio Nascimento
Geógrafo, pesquisador e professor da UFC

A manutenção das infrações ambientais, então, acelera o processo de destruição do meio ambiente, repercutindo diretamente nas condições de vida da própria população local. 

“À medida que essas questões não são resolvidas, você acelera o processo de erosão e os riscos associados a isso, podendo produzir supressão da vegetação, movimentos de massa, perdas de condições materiais e, infelizmente, até perdas de vidas humanas.”

Para onde vai o dinheiro das multas

O valor determinado pela Semace para as multas ambientais nem sempre é o arrecadado no fim do processo, segundo explica a diretora de fiscalização. “O valor original nem sempre corresponde com o valor final devido. O infrator pode ter pago com desconto, com atenuantes ou ter tido agravantes ao fim do julgamento”, situa Carolina.

Em resposta à solicitação feita pela reportagem via Lei de Acesso à Informação (LAI), a Semace informou que “todos os recursos arrecadados com as multas ambientais, desde janeiro de 2021, são destinados ao Fundo Estadual do Meio Ambiente (Fema)”.

O fundo financeiro é vinculado à Secretaria do Meio Ambiente e Mudança do Clima (SEMA), e foi criado para “apoiar políticas públicas, projetos e ações voltadas à conservação ambiental, sustentabilidade e combate à degradação dos ecossistemas no Estado”.

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