Os desafios de ser mãe
Ser mãe, portanto, é um constante exercício de equilíbrio entre oferecer amor e proteção, sem sufocar a autonomia, e ensinar a importância do desapego

O primeiro desafio da maternidade consiste em conceber um ser frágil e inicialmente totalmente dependente dela, ajudando-o, gradualmente, a se tornar uma pessoa independente. Isso começa durante a gestação, quando os órgãos vitais que garantam sua autonomia biológica são construídos. Nesta fase intrauterina, enquanto os órgãos vitais são formados, a mãe respira pelo seu filho e tem seu coração pulsando por ele.
Nesse período, a criança depende completamente da mãe, estabelecendo uma relação íntima com ela e com o ambiente familiar. A criança em gestação sente o que a mãe sente: fica triste com a tristeza dela e se alegra com sua alegria. A criança absorve as vivências familiares, que se tornam a base estrutural de sua personalidade. Por sua sensibilidade, ela internaliza o ambiente, carregando também as dificuldades da família, assumindo culpas e amortecendo emoções negativas do entorno familiar, para proteger quem ama e manter o equilíbrio do grupo familiar.
Esses padrões emocionais, uma vez assimilados, podem acompanhar a pessoa por toda a vida, gerando comportamentos repetitivos. Quando chega a hora do nascimento, esse novo ser já está preparado para garantir sua autonomia: um coração que bate ao seu ritmo, pulmões que respiram ar puro e renovado pelas florestas do planeta. Contudo, suas pernas ainda não conseguem caminhar sozinhas, nem prover sua alimentação. Gradualmente, esse ser vai adquirindo autonomia: dará seus primeiros passos, cairá várias vezes até aprender a caminhar sozinho.
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O segundo desafio é educar para a autonomia. Incentivá-lo a caminhar com suas próprias pernas, a se alimentar com suas mãos e, gradualmente, assumir responsabilidades. Por exemplo, após brincar com seus brinquedos espalhados pelo chão, ensiná-lo a guardar os brinquedos, a fechar a porta que abriu, apagar a luz que acendeu, arrumar seu quarto, a dar descarga no banheiro após seu uso. Dessa maneira, a criança compreende que faz parte de uma coletividade, que tem que participar das atividades familiares e a convivência humana exige assumir tarefas e responsabilidades.
Ensinar autonomia é fundamental porque promove o desenvolvimento de indivíduos capazes de tomar decisões conscientes, resolver problemas e agir de forma independente. Essa autonomia contribui para a formação de cidadãos mais críticos, responsáveis e confiantes, capazes de participar ativamente na sociedade. Além disso, ao incentivar a autonomia na educação, estimulamos a criatividade, o pensamento crítico e a autoconfiança, aspectos essenciais para o crescimento pessoal e profissional.
Ensinar a ser autônomo é, portanto, uma maneira de preparar o futuro adulto para enfrentar desafios com segurança e competência ao longo da vida. Do contrário, teremos uma geração de inúteis, dependentes e incapazes de assumir seu próprio sustento e destino.
O terceiro desafio é cuidar dos filhos e cuidar de si. Os seios simbolizam, na mulher e no homem, a feminilidade e a preocupação com a alimentação do outro. Simbolizam a faculdade de preocupar-se com os vulneráveis, vistos como crianças frágeis, indefesas, que necessitam de cuidados, bem como o equilíbrio entre o dar e receber. A maternidade é um momento fecundo para os dois papéis, o de mãe e o de mulher, os quais podem ajustar-se e encontrar um equilíbrio para a pessoa viver bem.
Ter dificuldades para amamentar os filhos sinaliza a resistência inconsciente de aceitar o papel de mãe. A mulher sente como se o filho tirasse sua liberdade. Esta é uma boa ocasião para refletir sobre o vínculo mãe-filho e o porquê dessa dificuldade de dar amor a esse filho. Essa mulher talvez encontre dificuldade em desempenhar o papel de mãe, por ter a sensação de que o cuidar do filho eclipse o ser mulher. Na maternidade, a mãe centraliza sua atenção na alimentação do bebê, colocando-se em segundo plano. Bem materna, protege seu filho frágil, estabelecendo uma relação de dependência em que um controla o outro sob o pretexto de que, sem seus cuidados exclusivos, o bebê sucumbiria.
Ao amamentar, a mãe fornece dois tipos de alimento: o alimento material constituído de proteínas, aminoácidos e sais minerais indispensáveis ao crescimento físico do filho. E o alimento afetivo: amor, carinho e proteção, os quais são alimentos imateriais essenciais à saúde emocional do bebê. Nosso cérebro não distingue entre alimento material e afetivo; qualquer alimento insano, seja material ou afetivo, pode desencadear compulsões alimentares, distúrbios digestivos, como diarreias ou vômitos. Não se pode privilegiar um em detrimento do outro, mas sim ter consciência de que o alimento afetivo é tão importante quanto o alimento material.
Os riscos de ser mãe: um risco é fazer do filho uma bengala, uma moleta para se apoiar, criando uma dependência doentia e invalidante. Centrar todas as energias para suprir as necessidades do filho, tentando compensar a ausência paterna, muitas vezes, faz com que a criança assuma o papel do pai ausente. Dessa forma, o casal composto por esposo e esposa passa a ser a mãe e o filho, ou o pai e a filha, o que não é saudável, pois nenhum filho/a deve ocupar o lugar de outra pessoa. Grande parte dos conflitos familiares decorre de filhos assumindo funções que não lhes cabem, tentando preencher ausências de um dos pais.
Existem muitas mães que vivem com seus filhos de maneira codependente, como se ainda estivessem no útero materno, incapazes de cortar o cordão umbilical e se desvincular. Cultivar o desapego, tanto material quanto afetivo, é fundamental no processo educativo. Trabalhar o desapego ajuda no desenvolvimento de liberdade emocional, equilíbrio e bem-estar, além de facilitar a adaptação às mudanças, perdas e dificuldades, sem ficarem presos a dependências ou a sentimentos excessivos. Promover o desapego fortalece a autonomia, a capacidade de viver o presente e valorizar o que realmente importa, criando espaço para novas experiências, crescimento emocional e paz interior.
Outra armadilha é a mãe que atua como “apagadora”, incapaz de reconhecer e aceitar os erros do filho. Sempre que alguém aponta uma falha, ela tenta apagar a questão, dizendo: “Vamos esquecer o passado, não se fala mais nisso.” Quem age assim impede o aprendizado, pois esquecer o erro é condenar a repetição dele. Uma característica da psicopatia é essa incapacidade de reconhecer os próprios erros, sempre culpando os outros. Um jargão da psiquiatria clássica é: filho psicopata, mãe apagadora.
Ela está sempre dando justificativas para salvar sua cria. Há uma dificuldade de aceitar que, como um ser humano, cometemos erros e aprendemos e crescemos tentando aprender com eles. Psicopatas, que apresentam transtornos de personalidade, comportamentos impulsivos, falta de empatia, remorso e manipulação, têm dificuldades em formar vínculos verdadeiros e podem ser perigosos por manipularem e causarem danos sem sentir culpa.
Como avaliar se fui uma boa mãe? Um bom indicador é quando seu filho não precisa mais de você, quando ele aprendeu a se tornar autônomo, independente financeira e afetivamente. Isso demonstra que você o preparou para a vida, para o mundo e não somente para ser seu amparo na velhice. Recordo-me de uma frase da minha mãe, quando meu pai reclamava da ausência dos filhos em casa: “Meu velho, vamos terminar do jeito que começamos, só nós dois.”
Essa sabedoria os preparava para uma velhice tranquila, celebrando as conquistas de filhos autônomos e felizes. Porque, na velhice dos pais, a presença dos filhos não é mais física, mas nas lembranças de momentos vividos na infância e na celebração das conquistas pessoais e da chegada dos netos. Essa compreensão de que o verdadeiro sucesso da maternidade está na formação de adultos capazes de cuidar de si, de suas próprias vidas, é um legado que transcende o tempo e reforça a importância de uma educação baseada na autonomia, no amor equilibrado e na liberdade emocional.
Ser mãe, portanto, é um constante exercício de equilíbrio entre oferecer amor e proteção, sem sufocar a autonomia, e ensinar a importância do desapego, sem negligenciar o cuidado e a presença. É reconhecer que os erros fazem parte do crescimento, que a liberdade e a responsabilidade caminham juntas, e que a verdadeira missão é preparar o filho para tornar-se um ser humano completo, capaz de construir sua própria história com coragem, sabedoria e amor-próprio.
Ao olhar para cada um de seus filhos, com a consciência de que estão bem, independentes e felizes, a mãe realiza a maior de suas missões: ter feito o seu melhor, com amor, paciência e dedicação, para que eles possam seguir seus caminhos com confiança e esperança no coração. Já as mães que não tiveram a oportunidade de exercer a maternidade plena têm a oportunidade de, como avós, recuperar o tempo perdido durante a maternidade e expressar todo o seu afeto e amor aos seus netos. Como diz o ditado popular: “antes tarde do que nunca”.
*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.