A morte do papa Francisco nos convida a refletir sobre o sentido da vida

Francisco é o primeiro Papa latino-americano e sua trajetória carrega o legado da Igreja da América Latina, marcada pela justiça social, defesa dos pobres e promoção da dignidade humana

Escrito por
Adalberto Barreto producaodiario@svm.com.br
Legenda: O Papa Francisco convocou todos para um diálogo inter-religioso e à paz mundial
Foto: Shutterstock

Seu corpo físico, em breve, retornará à mãe Terra, na Igreja de Santa Maria Maior, em Roma, onde uma lápide simples com o nome Franciscus será colocada. Seu legado é eterno, permanecendo na mente e nos corações de todos aqueles a quem dedicou 88 anos de vida. 

Enquanto alguns líderes mundiais querem conquistar terras, expandir territórios e aumentar o poder terreno, através da força destruidora da guerra, o Papa Francisco reforça a importância de construir a paz entre as nações e cuidar da criação divina. 

Em sua encíclica “Laudato Si”, publicada em 2015, ele convocou a sociedade a se mobilizar para proteger o meio ambiente e promover a justiça social. A encíclica denuncia a crise climática, exortando a sociedade a cuidar da criação divina, promovendo a justiça ecológica. 

O Papa também participou de eventos internacionais voltados para a preservação ambiental, criticando o consumismo desenfreado e a exploração dos recursos naturais.
 

Ele destaca a necessidade de enfrentar as mudanças climáticas, preservar a natureza e usar os recursos de forma responsável. O documento reforça que a crise ecológica está intrinsecamente ligada à crise social e econômica, propondo uma conversão pessoal e coletiva rumo a um estilo de vida mais sustentável, baseado na solidariedade, simplicidade e respeito pelo planeta.

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A afirmação do Papa Francisco de que a crise ambiental está intrinsecamente ligada à crise social e econômica é uma reflexão profunda e bastante atual. Ela evidencia que os problemas ambientais, como as mudanças climáticas, a perda de biodiversidade e a poluição, não podem ser compreendidos isoladamente das questões sociais e econômicas que enfrentamos. 

Ao dizer isso, o Papa ressalta que a degradação do meio ambiente está ligada ao modelo de desenvolvimento que prioriza o lucro acima de tudo e, a curto prazo, o consumo excessivo e a exploração dos recursos naturais, muitas vezes às custas das comunidades mais vulneráveis.

Essas comunidades, que geralmente têm menos recursos para se defender, sofrem de forma desproporcional com os impactos ambientais, como enchentes, secas, deslocamentos forçados por conta das guerras e problemas de saúde. 

A crise social, marcada por desigualdades extremas, injustiça e exclusão, alimenta um ciclo de exploração dos recursos naturais para manter o padrão de consumo de uma minoria, agravando ainda mais o desequilíbrio ecológico. 

Nesse sentido, a visão do Papa reforça a necessidade de uma abordagem integral, que considere o cuidado com o planeta como parte do cuidado com os seres humanos, especialmente os mais vulneráveis. Essa perspectiva reforça a relevância de políticas e ações que incorporem justiça social e sustentabilidade, propondo uma mudança de paradigma: não basta somente proteger o meio ambiente, mas também promover uma sociedade mais justa, solidária e equilibrada. 

Assim, a crise ecológica não é somente uma questão ambiental, mas um sintoma de uma crise mais ampla de valores, de justiça e de responsabilidade social. 

Papa Francisco também enfatiza a importância de cuidar dos pobres, marginalizados e vulneráveis, combatendo a desigualdade e incentivando a inclusão. Sua vida foi marcada por visitas a comunidades vulneráveis, refugiados, presos e grupos discriminados. 

Enquanto alguns líderes enfatizam a segurança de suas fronteiras, construindo muros e expulsando imigrantes, priorizando o interesse nacional, adotando uma postura unilateral, o Papa vai na contramão desta tendência mundial, que defende a ideia de cada um por si. Ele reforça a ideia de que a família humana é uma, que o planeta é a casa de todos, devendo ser respeitado. Ele fala da necessidade de construir pontes através do diálogo, respeitando as diferenças culturais e religiosas. 

O Papa convoca todos para um diálogo inter-religioso e à paz mundial, promovendo a compreensão mútua entre diferentes religiões e culturas. Sua Igreja busca ser mais acolhedora, inclusiva e próxima das pessoas, especialmente dos marginalizados, como refugiados, migrantes e pessoas LGBTQ+, adotando uma postura de maior aceitação. Afinal, todos somos filhos do mesmo Pai. 

Francisco é o primeiro Papa latino-americano e sua trajetória carrega o legado da Igreja da América Latina, marcada pela justiça social, pela defesa dos pobres e pela promoção da dignidade humana.

A Igreja latina-americana, inspirada pelo Concílio Vaticano II e pelos encontros de Medellín (1968) e Puebla (1979), atua em favor das comunidades marginalizadas, defendendo seus direitos e propagando uma fé manifestada na solidariedade e na luta por um mundo mais justo. 

Ele também foi o primeiro jesuíta a se tornar Papa. A mística dos jesuítas, inspirada na espiritualidade de Santo Inácio de Loyola, valoriza a busca de Deus pelo serviço ao próximo, pela oração, pelo discernimento e pela dedicação à justiça, à paz e ao progresso humano.

Essa espiritualidade incentiva a encontrar Deus em todas as coisas e agir com coragem na transformação do mundo. Francisco foi o primeiro Papa a defender com veemência a proteção da natureza, colocando o ser humano, criado à imagem e semelhança de Deus, como o foco de suas ações. Ele promove a valorização da família, da dignidade humana e dos valores éticos, falando abertamente sobre a proteção dos direitos humanos e a importância do respeito à diversidade.

Ele foi também o primeiro a criticar e agir com firmeza os abusos sexuais na Igreja Católica, clamando por maior transparência e punindo os religiosos envolvidos.

No cenário global, do “primeiro EU, primeiro o meu país” Francisco foi o primeiro dos primeiros a lembrar que existe um NÓS e que precisamos incluir o todo, o nosso planeta, os diferentes povos, o respeito à diversidade e a inclusão de todos os seres vivos nas políticas públicas. Ele desenvolve uma perspectiva de mundo fundamentada na misericórdia, na inclusão e na responsabilidade ambiental. 

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Durante sua visita ao México em 2016, pediu às autoridades que acolhessem os migrantes, dizendo: “A fronteira não é uma cerca, é uma ponte.” “Não podemos deixar que o medo nos feche na nossa própria segurança.” 

Criticou políticas que marginalizam os mais vulneráveis e defendeu maior solidariedade internacional. A religião deve atuar como um instrumento de misericórdia e transformação social, promovendo uma Igreja “pobre com os pobres” e acolhedora para todos, incluindo pessoas LGBTQ+.

Ele também critica o materialismo, o consumismo e a desigualdade social, incentivando líderes políticos e econômicos a colocarem o bem comum acima do lucro. Em 2017, pediu cessar-fogo em regiões de conflito, como Síria e Iêmen, defendendo a diplomacia e a paz. 

Para Francisco, a dignidade de todas as pessoas deve ser respeitada, sem importar sua orientação sexual, origem ou condição social. Sua mensagem é de inclusão e combate à discriminação.

Ele participa de iniciativas globais, como o Acordo de Paris, e apoia ações solidárias, como a ajuda aos refugiados e as visitas a países em conflito, como sua visita ao Iraque em 2021, que transmitiu esperança e reconciliação. Ele defende uma educação que valorize a solidariedade, a inclusão e o respeito à dignidade humana, criticando o materialismo e incentivando uma formação voltada ao bem comum. 

Durante a pandemia de COVID-19, reforçou a importância da solidariedade global e da proteção dos mais vulneráveis, propondo medidas de justiça social, como a redistribuição de recursos. Com uma comunicação simples e humilde, Francisco busca construir pontes de esperança, perdão e unidade. 

Sua postura é de diálogo, empatia e acolhimento, contribuindo para a promoção da dignidade de todos, especialmente de refugiados, migrantes, pessoas LGBTQ+ e vítimas de discriminação. Ele critica violações de direitos humanos e incentiva ações globais para combater pobreza, fome e violência. 

Para ele, a Igreja deve ser uma força de misericórdia, paz e diálogo inter-religioso, atuando na defesa dos vulneráveis. Sua mensagem é de inclusão, justiça social e sustentabilidade, contrastando com a postura de líderes internacionais que priorizam o nacionalismo, segurança e crescimento econômico. 

O Papa Francisco foi um instrumento vivo e exemplar da oração de São Francisco. Em um mundo marcado por guerras, ele foi uma voz de paz; ele era amor e bondade; em um mundo marcado pelo ódio onde as fakes News alimentavam discórdia e divisão, ele respondeu com amor e perdão. 

Diante da degradação do meio ambiente, da exploração dos recursos naturais, ele foi presença respeitosa e cuidadosa com a natureza; num mundo onde os governantes usam o poder com armas para dominar, ele foi simplesmente amor que liberta das tentações do mundo consumista; em tempos de dúvida, viveu firmemente na fé; reconheceu os erros históricos da Igreja, corrigiu-os e pediu perdão por eles.

Foi a voz da esperança para os excluídos, os refugiados e as minorias, sempre com um sorriso aberto e alegria ao acolher a todos. 

Sua presença foi luz nas trevas que cobrem o mundo atual. Compreendeu mais do que foi compreendido, amou mais do que foi amado, consolou mais do que foi consolado. Sua morte física nos convida a refletir, especialmente os governantes de hoje, que transformam o mundo em um mero comércio, esquecendo-se do verdadeiro sentido de fraternidade e solidariedade. 

*Esta texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.