Adotar sem negar e sem julgar
Amor incondicional é um sentimento profundo e genuíno no qual a pessoa ama outra, independentemente de suas origens, comportamentos ou circunstâncias
A adoção é uma prática que faz parte da vida humana e animal. Ela acontece em várias culturas e em todos os tempos. A história bíblica mais conhecida é a de Moisés, adotado pela filha do faraó. Na Roma antiga, o imperador Augusto foi também adotado.
Vejam a história da sagrada família. São José, o santo padroeiro do Ceará, não era o pai biológico de Jesus. Diz a Bíblia que, quando ele percebeu a gravidez de Maria, pensou em deixá-la em silêncio. Quando soube que Maria foi concebida pelo espírito santo, ele adotou Jesus como seu filho. Sua espiritualidade o ajudou a adotar o filho de Deus.
A verdadeira espiritualidade é aquela que toca o nosso coração, supera todas as barreiras e nos faz irmãos. Por isso, São José é também o santo protetor das mães solteiras e dos filhos adotados.
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Ser verdadeiro, autêntico e sincero cria um ambiente seguro onde todos são aceitos e respeitados. O problema não está na adoção, mas sim na forma como ela é realizada. É o segredo envolvido que traz consequências graves tanto para quem foi adotado como para os pais adotivos. A gente só esconde o que é feio. O segredo aparece quando a gente comete um erro. Faz algo vergonhoso e não quer que ninguém saiba.
Em muitos casos, o segredo surge para proteger membros da família de sentimentos de dor emocional, vergonha ou estigmatização social, evitando a repetição de situações dolorosas.
Guardar segredo é como colocar o lixo embaixo do tapete. Ele se acumula, vai apodrecendo e, cedo ou tarde, aparece. Nos lembra o ditado nordestino: “quem guarda azeda, quando azeda estoura e quando estoura fede”.
Se uma criança foi abandonada por uma mãe e se existir algo de vergonhoso, o sentimento de vergonha e culpa deve ser da mãe biológica e esses sentimentos não devem ser levados para a mãe adotiva.
A mãe adotiva, ao adotar uma criança, deve acolher com amor e carinho. Deve oferecer a essa criança um novo parto, um novo ciclo de vida, uma nova família. Adote somente a criança e não a dor, a culpa da mãe biológica. E muito menos julgue a família de origem e sim tenha gratidão por receber esse presente.
O segredo de uma adoção bem-sucedida é adotar um filho sem negar sua história e sem julgar a família biológica e ser grata. Existem diversas razões que motivam uma mãe a abandonar o filho. Pode ser por questões financeiras, problemas de saúde mental, mães que sofrem violência doméstica, falta de apoio social, imaturidade, problemas de dependência química e, muitas vezes, pressão familiar.
Quando o filho adotivo perguntar mais tarde sobre sua família de origem, conte para ele a verdade, sem dramatizar e nem julgar as razões pelas quais foi dado. Somente responda às suas perguntas pontuais sem trazer todas as informações de uma só vez.
Por exemplo: “Por que minha mãe não me abandonou ou por que ela me deu”? Responda o que sabe e aproveite para dizer que muitas mães fazem isso, não é por culpa delas e nem por culpa do filho. São as condições de vida de muitas famílias brasileiras obrigadas a se desfazer de seus filhos por questões de sobrevivência, doenças e falta de apoio.
Essa compreensão vai libertando-o de um sentimento de culpa e de não ser merecedor de ser amado. Ele pode passar a dar um propósito em sua vida, pode nascer uma vocação de querer ser um profissional, advogado ou médico para construir um mundo mais justo e solidário. Muitas vezes, o filho ou filha adotiva insiste em saber quem foi sua mãe. Você pode responder que não a conheceu, mas tem informações das qualidades dela.
Enumere as qualidades de seu filho ou filha, dizendo que sua mãe era inteligente, alegre, tinha os olhos bonitos, o sorriso etc. E enumere todas as qualidades que você observa e admira em seu filho ou filha adotivo/a.
Quando ele perguntar como a senhora sabe que ela era assim? Você então responde dizendo: “meu filho ou minha filha, se você tem todas essas qualidades, foi ela que te gerou e foi dela que você herdou”. Isso pode deixá-lo/lá mais confortável e tranquilo/a e se livrar do sentimento de que sua mãe biológica era má ou uma pessoa desprezível e sem qualidades.
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Fale também de você, de sua família, por que desejou adotar um filho e como ele chegou até você? O que ele trouxe para a sua família: alegria e vida. Fale também das injustiças, das desigualdades da vida que atingem todos e que levam muitas mães a não criarem seus filhos. Que devemos ser solidários uns com os outros. Estender a mão a quem precisa é um ato nobre. Essa solidariedade existe também no mundo animal.
No mundo rural, é comum uma vaca, uma cabra, uma ovelha adotar o filhote de outra que morreu. Fale também da sagrada família e de que Jesus foi adotado por São José. Não tenha medo de perder seu filho, que ele a deixe e vá atrás de seus pais biológicos. Se ele insistir nesse sentido, acompanhe-o nessa sua procura.
Lembrando que você, mãe, pai, estarão sempre ao seu lado. Os segredos podem afetar as relações familiares e a saúde emocional, levando a sentimentos de desconfiança e isolamento.
A comunicação aberta e o apoio emocional são fundamentais para lidar com segredos familiares de forma sadia.
Não revelar a verdade, guardar um segredo é um peso que cria uma carga emocional, causando ansiedade, estresse e conflitos internos, além de afetar a saúde mental de quem o guarda. Ele destrói a confiança nas relações interpessoais.
No que diz respeito à adoção de um filho, por que guardar segredo diante de uma atitude tão nobre? Os pais têm muito mais o que celebrar por esse gesto de amor.
Na minha família, somos 9 irmãos. Meus pais adotaram mais dois. Uma negra e outro louro. Eles sempre souberam que foram adotados. Minha mãe dizia, eles são filhos de Deus da mesma maneira que cada um de nós é. A essência de uma família é o vínculo afetivo, e não o de sangue. Quando um segredo é revelado tardiamente ou descoberto por terceiros, surge um sentimento de traição e desconfiança que é extremamente difícil de ser restaurado.
O maior patrimônio de uma pessoa é a confiança em si. Essa confiança é construída ao longo do tempo. Leva-se muito tempo para construí-la e alguns minutos para destruí-la. Ao perder a confiança em si, perde a confiança nos outros e em seu futuro. Revelar a verdade é livrar-se de um fardo que nos adoece. Ser transparente, verdadeiro e honesto é o único caminho que nos protege. Só a verdade nos liberta e constrói confiança.
É de suma importância que os pais não se sintam culpados por não revelarem a história de seu filho adotivo. Isso só faz atrapalhar. Reconhecer que errou na maneira de adotar, mas acertou em tê-lo escolhido como filha/o. Pedir perdão por não revelar a verdade. Confessar que na época foi mal orientada por alguém ou que foi pura ignorância e reafirmar o seu amor incondicional como mãe e pai.
Amor incondicional é um sentimento profundo e genuíno no qual a pessoa ama outra, independentemente de suas origens, comportamentos ou circunstâncias. Esse amor aceita e apoia a outra pessoa, mesmo em momentos difíceis, sem exigir nada em troca. A essência do amor incondicional é a aceitação, o apoio e o compromisso, mesmo diante de desafios.
Reconhecer e confessar que guardar segredo foi uma tentativa de protegê-la que não deu certo. Não procure justificar o seu erro, mas sim reconhecer que cometeu um erro no passado e, atualmente, tenta consertar. Isso é uma grande aprendizagem para nossas vidas.
É através do perdão que nos reconciliamos conosco, com os outros e com Deus. Só mudamos quando reconhecemos nosso erro, nossa falha. É preciso conquistar confiança, ter paciência e dar tempo ao tempo.
*Esta texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.