Avião sem janelas: inovação promete reduzir custos, emissão de poluentes e riscos 

Escrito por
Igor Pires igor.aer.ita@gmail.com
Legenda: Painéis de LED podem reproduzir as imagens do exterior da aeronave por meio de câmeras instaladas do lado de fora das aeronaves
Foto: Divulgação/CPI

Já pensou em voar numa aeronave sem janelas? Seria um conceito possível? Aparentemente, sim, dado que aeronaves cargueiras não as possuem, ou possuem em menor quantidade, tendo uma fuselagem mais leve e simples, trazendo economia para as operações.

E se, para que os passageiros continuassem tendo visão do ambiente exterior, fossem instalados painéis no interior da aeronave que reproduzissem imagens de câmeras externas?

Conceito de janelas painéis

No longínquo ano de 2011, durante o curso de engenharia aeronáutica, fiz em grupo uma avaliação de mercado acerca da viabilidade de as aeronaves serem equipadas com painéis de LED que reproduzissem as imagens do exterior da aeronave advindas de câmeras.

A intenção maior era justamente permitir que o método construtivo da aeronave fosse facilitado e as janelas tradicionais para os passageiros dispensadas. Na oportunidade, já indicávamos o conceito de janelas-TVs.

Legenda: Projeto de aeronave com painéis de LED sem janelas
Foto: Igor Pires e equipe

Câmeras no lado externo da aeronave já existem e auxiliam, por exemplo, o taxiamento de grandes aeronaves, ou mostram paisagens externas aos passageiros.

Nesse sentido, em 2014, o Centro de Processo em Inovação (CPI), do Reino Unido, apresentou ao mundo o conceito de aeronave sem janelas, com enormes painéis de led a bordo apresentando o exterior.

À época, o CPI defendeu que a inovação poderia deixar as paredes do avião mais finas, leves e resistentes, já que não seria mais preciso recorrer ao revestimento tradicionalmente usado. A aeronave perderia peso, emitindo menos gás carbônico e se tornando menos danosa para o meio ambiente.

Ainda, o centro inglês previa que, em 10 anos, a aviação comercial teria adotado o novo conceito de aeronaves sem janelas, algo que não ocorreu e sequer parece estar melhor validado nos dias de hoje.

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Homologação da inovação

Esses painéis de led (diodo emissor de luz) luminosos precisariam ser certificados para operações de transporte comercial de passageiros.

Ainda, deveria haver, pelo menos, algumas poucas janelas restando, para o caso de uma falha elétrica severa inviabilizasse o funcionamento das câmeras ou dos painéis. Uma coisa é certa, eles têm potencial de dar muito mais visibilidade do ambiente externo que as (ainda) pequenas janelas tradicionais.

Para que viesse à tona, implementá-los não pode ser mais caro do que a economia conseguida com a manufatura e manutenção mais simples da fuselagem, penso eu.

Também, se o novo método construtivo trouxesse menores custos associados à operação de aeronaves, desdobrando em preços menores de passagens, certamente ganharia uma fração maior da simpatia dos passageiros.

É bem verdade que aeronaves já possuem luminárias interiores que simulam o nascer do sol, ou o anoitecer, como os Boeing “sky interior”, porém, os painéis podem ter um nível de definição tal que fará pouca diferença à aeronave possuir janelas.

Área interna de avião com iluminação simulando a luz do céu
Legenda: Luzes do compartimento superior de um Boeing 737, simulando o azul do céu
Foto: Shutterstock

Custo maior com janelas tradicionais

A instalação de janelas traz custos adicionais para o fabricante, dado que o projeto da fuselagem se torna mais complexo, pois a chapa (que dará origem à fuselagem) será cortada para gerar os vãos.

Ademais, geram-se pontos fracos nas posições dos cortes, por isso, as regiões precisam receber materiais reforçados, para que não gerem riscos estruturais.

Ainda, as regiões das janelas precisam ser periodicamente inspecionadas estruturalmente, um ponto a mais de inspeção. Se a aeronave não tivesse janelas, os benefícios seriam vários para o fabricante e para as companhias aéreas operadoras, tais como:

  • Projeto estrutural mais enxuto
  • Aeronave mais aerodinâmica
  • Menores custos de manutenção
  • Aeronave mais aerodinâmica
  • Menores riscos aos passageiros (como assim?)

A aeronave sem janelas pode ser mais aerodinâmica, caso em que deixa de haver irregularidades, ou não conformidade, na junção entre o material da janela e a fuselagem.

Quanto ao ponto de apresentar menos riscos aos passageiros, precisamos lembrar que, embora feitas de materiais resistentes como vidros reforçados, as regiões acabam deixando a estrutura menos robusta que a fuselagem propriamente dita, geralmente feita de ligas de alumínio ou de materiais compósitos. 

Nesse escopo, em 2018, devido a um despaletamento ou ejeção das chamadas blades (lâminas) de partes internas ao motor da aeronave, esses debris (fragmentos) ejetados se chocaram contra a janela de um Boeing 737 da empresa americana Southwest, provocando uma descompressão explosiva, resultado da diferença de pressão entre o interior e o exterior da aeronave. 

Com a descompressão, houve sucção parcial pela janela de uma passageira morreu após atendimento em solo.

Ainda, nos anos 1950, janelas retangulares foram motivo de falhas catastróficas de aeronaves De Haviland Comet em operações na Europa. A ovalização das janelas foi a solução encontrada para evitar os cantos vivos, reconhecidos como concentradores de tensão, causando a fadiga precoce daquelas estruturas.

Hoje, dentre inúmeros outros aprimoramentos, a solução para a geometria das janelas é causa de termos o modal aéreo comercial o mais seguro do mundo, melhorando a cada década. 

Importância das janelas

Por outro lado, ver o exterior da aeronave através das janelas tem valor para a aeronavegabilidade com segurança: elas aumentam a consciência situacional dos passageiros. Tanto que os comissários de bordo nos pedem que abramos as persianas das janelas em fases críticas como pouso e decolagem.

Isso acontece para, por exemplo, sabermos para qual lado da aeronave devemos evacuar, caso haja uma decolagem abortada, ou uma excursão de pista no pouso, em que a aeronave venha a perder a estabilidade e aderne para um dos lados.

Assim, para o contexto de aeronaves de passageiros, prescindir das janelas é algo que pode ser crítico, ainda que não haja previsão expressa para que aeronaves precisem ter janelas no contexto de certificação, junto a órgãos como a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac).

Estudos dos fabricantes

O fabricante que lançasse tal produto, aeronave sem janelas, deveria realizar uma série de estudos e pesquisas com potenciais clientes, sobre o impacto de se retirar as janelas da fuselagem. Questões a serem levantadas a tais clientes seriam:

  • Os passageiros achariam imprescindível a presença de janelas?
  • Psicologicamente, a falta de um referencial de vôo para um passageiro é maléfica para o bem-estar?
  • O produto concorrente (tradicional) continuaria mais buscado?

Também é verdade que as janelas podem causar efeitos negativos ao psicológico de passageiros, sobretudo àqueles que têm receio de voar, pois fazem transparecer, por exemplo, as condições externas: elevadas altitudes, mau-tempo, etc.

Sobretudo em voos longos, em etapa de cruzeiro, as janelas fazem realmente pouca diferença, por exemplo, em períodos noturnos ou no cruzamento diurno de largas porções de águas, como travessias oceânicas.

Assim, interessante que hoje em dia existem janelas com persianas eletrônicas, ou seja, por meio de botões, como num videogame, o passageiro consegue escurecer ou tornar claro o vidro da janela. Vimos isso voando com o Boeing 787-9 da Latam

Vimos ainda que, durante o voo diurno de sol forte, as persianas estavam ‘bloqueadas’ (o passageiro não conseguia mudar) na configuração mais escura possível em toda a aeronave, ou seja, os passageiros conseguiam ver com baixa claridade o exterior. 

Seriam essas “persianas eletronicamente bloqueadas” para a redução da claridade a bordo, um caminho para janelas totalmente eletrônicas?

Pedimos mais informações ao CPI sobre se o projeto pensado há cerca de 10 anos tinha atualizações ou se havia ficado mais maduro, porém o Centro disse à Coluna que o projeto “permaneceu num plano puramente conceitual e que não estão mais envolvidos em pesquisas dessa natureza”.

No pré-pandemia, a gigante empresa aérea Emirates disse à BBC que buscava “pavimentar um caminho” para aeronaves sem janelas.

Em entrevista, à imprensa britânica, o então presidente da companhia, Tim Clark, informara que os passageiros veriam imagens externas através de câmeras usando fibra-ótica.

“É melhor que a visão natural”, compartilhava Clark.

Por fim, em 2019, algumas outras reportagens realizadas por veículos como CNN debatiam a viabilidade de aeronaves sem janelas.

Segundo alguns especialistas de centros de pesquisa em aviação, seria possível conceber aeronaves sem janelas, porém, havia um contraponto de que isso não significava que iria acontecer.

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*Este texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.

 

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