Norma sobre saúde mental no trabalho deve ser adiada após pressão de entidades privadas
Atualização da Norma Regulamentadora nº 1 (NR-1) dos riscos psicossociais no trabalho e dá diretrizes gerais sobre saúde e segurança no trabalho

A nova versão da Norma Regulamentadora nº 1 (NR-1), que trata dos riscos psicossociais no trabalho e dá diretrizes gerais sobre saúde e segurança no trabalho, deve ser adiada. Segundo entidades do setor privado, o ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho, se comprometeu a na próxima semana, publicar uma portaria suspendendo a vigência dos itens que tratam dos riscos psicossociais.
Prevista para entrar em vigor no próximo dia 25 de maio, o pleito das entidades é seja feito adiamento por um ano. Segundo a Confederação Nacional de Saúde (CNSaúde) informou à coluna, "o ministro sinalizou concordar com a necessidade de ajustes". O compromisso de Marinho teria ocorrido em reunião na última segunda-feira (14), no Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), com a participação dos presidentes das confederações empresariais, federações da Indústria e centrais sindicais.
Procurado, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) não respondeu aos questionamentos enviados ainda na segunda-feira.
Para o advogado Eduardo Pragmácio Filho, do escritório Furtado Pragmácio Advogados, "o adiamento, neste momento, é prudente". Contudo, "o mero adiamento não resolve o problema", destaca.
É preciso um conjunto de ações, sobretudo para definir o que são os fatores de riscos psicossociais, quem pode caracterizá-los, e delimitar o seu âmbito de aplicação e de abrangência, se ficarão restritos à análise dos riscos ergonômicos ou se haverá um alargamento para todos os demais riscos"
Para Pragmácio, que também é doutor em Direito do Trabalho, "a elaboração de cartilha e de manual, por parte do governo, torna-se medida essencial, educativa e esclarecedora, acalmando os ânimos de empresas, trabalhadores e consultorias especializadas, objetivando a verdadeira implementação de um meio ambiente laboral sadio e de qualidade", afirma.
Por que as entidades querem adiar a NR-1?
A CNSaúde defende o adiamento por considerar que a norma traz insegurança jurídica e técnica. Além disso, alega, há uma "falta de uma clareza do que realmente as empresas devem atender, em especial as micro e pequenas empresas". Conforme a entidade, essa falta de segurança levou "prestadoras de serviço e principalmente consultores, a orientar empresários de todos os segmentos econômicos a buscar medidas e ações que extrapolam o escopo da organização do trabalho e a ergonomia", que seriam "a verdadeira linha de ação pretendida pela NR-1".
Isso teria levado as entidades de classe, ainda de acordo com a confederação, à regulamentação de algumas situações para algumas profissões levantarem, elas mesmas, análises dos riscos psicossociais. "A consequência dessa falta de uma normatização precisa e pontual, trouxe para essa mudança uma tremenda insegurança técnica, onde as empresas não sabem o que devem verificar e cumprir, e a auditoria fiscal do trabalho não sabe o que cobrar", denuncia.
Apesar dos questionamentos, a CNSaúde ressalta que "não é contrária ao monitoramento dos riscos psicossociais, desde é claro, que estes estejam diretamente ligados a organização do trabalho e a ergonomia, como preconiza a NR 17".
Além da prorrogação da vigência da norma no que diz respeito aos riscos psicossociais, também foi prometido um cronograma de acompanhamento, com a divulgação de um guia de riscos psicossociais até o final deste mês.
Durante a reunião no ministério também foi acerta a criação de um manual a ser disponibilizado em 90 dias, "e a constituição de um Grupo de Trabalho Tripartite, que terá como missão, a discussão e o acompanhamento das tratativas que deverão entrar em vigor, buscando soluções e propondo melhorias na normatização vigente", informou a CNSaúde.
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O que é a Norma Regulamentadora nº 1 (NR-1)?
A Norma Regulamentadora nº 1 (NR-1), em sua nova versão, trata das diretrizes gerais sobre saúde e segurança no trabalho, conforme estabelecido pela Portaria MTE nº 1.419/2024.
O objetivo é jogar luz sobre a saúde mental dos trabalhadores, tanto na prevenção quanto à implantação de medidas para a melhoria do ambiente laboral e o equilíbrio nas relações de trabalho para "tornar a gestão de riscos mais efetiva, humana e compatível com as realidades atuais do mercado".
A advogada Flavia Derra Eadi de Castro, sócia da RGL Advogados e especialista em Prevenção de Riscos Trabalhistas, explica o que muda com a norma e os principais pontos de atenção para as empresas:
Gerenciamento de Riscos Ocupacionais (GRO)
Uma das mudanças mais significativas é a introdução do Gerenciamento de Riscos Ocupacionais (GRO). Até então, a norma se limitava a diretrizes mais genéricas. Agora, as empresas deverão adotar uma gestão contínua, estruturada e integrada dos riscos, o que inclui identificar, avaliar e controlar os perigos presentes no ambiente de trabalho de forma sistemática. Isso exige uma atuação mais próxima entre os setores da empresa e a equipe de segurança, com monitoramento constante das condições de trabalho e adaptação ágil das medidas preventivas sempre que necessário.
Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR)
Outra mudança importante foi a substituição do tradicional Programa de Prevenção de Riscos Ambientais (PPRA) pelo Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR). O novo programa amplia o foco, incluindo não só riscos ambientais, mas também fatores ergonômicos e psicossociais — representando um avanço na forma como as empresas devem cuidar da saúde integral dos colaboradores. Neste contexto, será necessário revisar os programas existentes, garantir uma documentação mais completa e implementar ações que contemplem desde ergonomia até o bem-estar emocional dos times.
Mais flexibilidade
A nova NR-1 também flexibiliza como as empresas podem atender às exigências legais, permitindo que adaptem suas práticas conforme suas características e realidades operacionais. Isso é especialmente positivo para pequenas e médias empresas, que frequentemente enfrentam dificuldades para cumprir todas as normas formais. No entanto, essa flexibilização não diminui a responsabilidade. As soluções devem ser personalizadas, sim, mas sem comprometer a integridade física e mental dos trabalhadores. É papel dos gestores liderar essa adaptação com responsabilidade e engajamento.
Digitalização dos processos de segurança
Com o incentivo à digitalização dos processos de segurança, a norma permite que documentos como o PGR sejam armazenados eletronicamente, facilitando auditorias e fiscalizações, além de tornar a gestão mais ágil e eficiente. Para isso, será essencial investir em ferramentas digitais e na capacitação da equipe responsável pela gestão de riscos. A tecnologia passa a ser uma aliada direta na organização e controle das informações sobre segurança do trabalho.
Treinamentos mais acessíveis
Os treinamentos obrigatórios também passam por uma atualização importante: agora, as empresas podem optar por formatos remotos, presenciais ou híbridos, desde que adequados às funções desempenhadas. Isso traz mais flexibilidade para as organizações e, ao mesmo tempo, exige planejamento e atualização constantes para garantir que os conteúdos estejam conforme a legislação e com as necessidades reais do ambiente de trabalho.
Responsabilidades compartilhadas
Outra inovação relevante é o reforço das responsabilidades dos próprios trabalhadores. Até então, a maior parte do ônus recaía sobre o empregador. Com a nova NR-1, os colaboradores também passam a ter deveres claros, como seguir as orientações de segurança e participar ativamente dos treinamentos. Essa mudança busca fortalecer uma cultura de segurança mais colaborativa e consciente, em que todos tenham um papel na prevenção de acidentes e no cuidado com a saúde no ambiente de trabalho.
Por onde começar a adequação?
Apesar das novidades, muitas empresas ainda têm dúvidas sobre como se adequar na prática. O primeiro passo é entender que não basta cumprir exigências formais: é preciso promover mudanças reais na forma como a segurança é tratada no dia a dia. Veja um caminho prático para dar início ao processo:
- Mapeamento de riscos: avalie todos os riscos ocupacionais, inclusive os psicossociais, com base em métodos e ferramentas apropriadas.
- Classificação: organize os riscos por gravidade e probabilidade de ocorrência, priorizando os mais urgentes.
- Plano de ação: desenvolva medidas preventivas e corretivas alinhadas às necessidades da equipe e do ambiente.
- Investimento em saúde mental: implemente programas de apoio psicológico voltados ao perfil dos colaboradores.
- Monitoramento contínuo: acompanhe os resultados e ajuste o plano sempre que necessário, garantindo conformidade com a norma.
Prevenção é o melhor caminho
As mudanças na NR-1 exigem investimento, sim, mas não se adaptar sai muito mais caro. Ignorar o mapeamento de riscos, deixar de implementar programas de saúde mental ou não atualizar os treinamentos conforme a nova diretriz pode resultar em multas, processos judiciais indenizatórios e desgaste interno.
Como a própria norma destaca, o gerenciamento de riscos precisa ser contínuo e documentado. Entender essas mudanças como parte da sua estratégia de gestão, e não como mero cumprimento burocrático, colocará as empresas um passo à frente, legal e institucionalmente.